Notícia

Projeto da UFF transforma resíduos agrícolas em biocidas naturais

Defensivos receberam patente verde e atuam no combate de pragas comuns em grãos e na criação de animais
Pesquisa busca produzir biocidas para evitar pragas em plantações agropecuárias. Foto: Aprosoja

 

Um projeto desenvolvido no Laboratório de Estudos em Pragas e Parasitas da Universidade Federal Fluminense (LEPP/UFF) produz biocidas a partir do reaproveitamento de resíduos de biomassas, com o objetivo de oferecer uma alternativa sustentável no combate de pragas agropecuárias. O estudo criou pastilhas bioinseticidas para controle de insetos em grãos armazenados e uma solução em pó acaricida para combater carrapatos bovinos, além de produtos que atuam contra a mastite e pragas da produção avícola. Como resultado do impacto positivo no meio ambiente, o projeto se tornou o primeiro da universidade a receber uma patente verde.

A coordenadora do projeto e professora do Departamento de Biologia Celular e Molecular da UFF, que participa como membro permanente da Pós-Graduação em Ciências e Biotecnologia, Evelize Folly das Chagas, afirma que a transformação de resíduos em coprodutos na fase de produção gera economia circular. “Fazemos o aproveitamento da biomassa, que seria jogada no lixo, o que gera uma economia circular. O resíduo vira matéria prima para um produto que possui maior valor agregado, se tornando um coproduto durante a fase de fabricação. Então, ao realizar pesquisas nesse sentido, empresas passam a aplicar esse método para alterar o destino final da biomassa. Atualmente, estamos trabalhando em parceria com algumas empresas, para o tratamento dos resíduos gerados”.

Os produtos do projeto são desenvolvidos através do processo de pirólise, que consiste na termoconversão dos produtos vegetais em ausência de oxigênio. “Esse processo gera quatro produtos: um carvão, uma fase gasosa e duas fases que são líquidas. Então, pegamos os resíduos e realizamos a termoconversão para gerar novos produtos com aplicações na agropecuária, na fase de pré-colheita, produção e pós-colheita”, explica a docente.

De acordo com uma pesquisa publicada no 17º Simpósio de Pós-Graduação e Pesquisa em Nutrição e Produção Animal, de 2023, no período entre 2003 e 2021, o Brasil apresentou um crescimento no consumo anual de agrotóxicos de 392%, se tornando o maior consumidor desse tipo de produto. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apontam que 25% dos alimentos de origem vegetal consumidos no Brasil têm resíduos de agrotóxicos acima do permitido ou sem autorização.

Combate a pragas que afetam grãos e animais

A pesquisa criou uma substância antibacteriana eficaz para combate à mastite bovina através da pirólise da fruta da árvore Amendoeira-da-praia, presente tanto no campus da UFF, quanto em praias cariocas. A mastite é uma doença inflamatória associada a bactérias que prejudica a produção de leite, ao reduzir a qualidade do alimento, o que gera perdas econômicas estimadas em aproximadamente dois bilhões de dólares por ano. A fruta, processada pela pirólise, mostrou-se uma opção 100% eficaz em testes laboratoriais para o controle da doença.

Ainda com foco na criação bovina, o projeto desenvolveu um pó acaricida para combate a carrapatos bovinos, que de acordo com a pesquisa, provocam uma perda de US$ 3 bilhões por ano. A alta capacidade de reprodução também chama a atenção, dado que as fêmeas, após se encherem de sangue, depositam entre três e cinco mil ovos no solo. Na fase mais resistente, as larvas do parasita passam cerca de três meses sem se alimentar, antes de se instalarem num hospedeiro. 

Assim, segundo a pesquisadora, “em torno de 90% da infestação do carrapato fica no ambiente, não no hospedeiro, e o produto atua nessa fase”. Folly ainda explica que a infestação normalmente está radicada no ambiente de criação de animais, o que reforça a necessidade de se desenvolver alternativas. 

“Em uma produção, sempre acontece algum tipo de praga que gera perdas nesse processo. O controle do carrapato bovino, por exemplo, possui importância econômica, pois o parasita fica preso se alimentando de sangue do bovino e, dependendo da infestação, pode causar perda de sangue nos animais. Além disso, geralmente em torno de 95% da infestação se estabelece no ambiente do pasto. Chega um momento em que os carrapatos bovinos não são atingidos pelos ativos e criam mecanismos de resistência. Por isso, o desenvolvimento de novos biocidas que deixam poucos resíduos em alimentos é importante”.

Pó acaricida aplicado para combate de carrapato bovino. Foto: Arquivo Pessoal.

Além disso, o projeto está desenvolvendo pastilhas bioinseticidas para controle de insetos em grãos armazenados, como o besourinho dos cereais (Rhyzopertha dominica) e o gorgulho (Sitophilus zeamais), por exemplo. Tais espécies são as maiores pragas em armazenamento de grãos no Brasil e representam perdas anuais em grãos armazenados que podem chegar a 10%, segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

Gorgulho encontrados em grãos. Foto:UniPrag Rio.

Os líquidos de pirólise também podem auxiliar a avicultura, no combate do inseto cascudinho, que pode provocar lesões na pele e no trato digestivo das aves, colapso hepático, prejuízo nutritivo e danos estruturais às granjas e galpões. O produto desenvolvido é aplicado por contato nas camas do frango e combate o inseto.

Obtenção de patentes verdes

O programa Patentes Verdes foi criado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 2012, para auxiliar no combate às mudanças climáticas e acelerar o processo de patentes relacionadas à criação de tecnologias voltadas para o meio ambiente. Através da criação de defensivos naturais, que auxiliam a produção agropecuária e reduzem a quantidade de resíduos pesticidas em alimentos, o projeto recebeu duas patentes verdes: a primeira por conta da técnica e atividade bioinseticida e a segunda pela atividade bioacaricida.

De acordo com Folly, a obtenção das patentes verdes contribui para reforçar o objetivo do LEPP/UFF de desenvolver produtos sustentáveis. “A pirólise integra a questão de tecnologias verdes, pois conseguimos conservar a energia e fazer técnicas para combater as mudanças climáticas, o que nos insere no quadro de patentes verdes. A importância dessa patente para o grupo está dentro da qualificação de desenvolvimento sustentável de novos produtos, alinhados à construção de um modelo com responsabilidade ambiental. O grupo sempre trabalhou com a produção de itens que utilizam matérias-primas que seriam descartadas para gerar um novo valor, então as patentes verdes corroboram essa missão do laboratório”.

Startup para ampliar o projeto

Com o apoio do edital de Doutor Empreendedor, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a recém-doutora do LEPP/UFF, Juliana Santos de Andrade, juntamente com a professora Evelize, fundou a startup AgroTechBio, para estruturação de uma empresa tecnológica para formulações biopesticidas inovadoras a partir de resíduos agroindustriais. “A empresa vai ser incubada na Agência de Inovação da UFF (Agir/UFF) e utilizará o Laboratório para o desenvolvimento de produtos. Essa parceria, com base na lei de inovação, vai permitir o andamento de projetos de colaboração com a empresa”, explica a docente.

 

Evelize (quarta pessoa à esquerda) e outros integrantes do LEPP/UFF. Foto: Arquivo pessoal.

Recentemente, o projeto encomendou um novo reator de pirólise para conseguir um volume maior de material para trabalho. Essa aquisição abre, segundo Folly, a possibilidade de potencializar a aplicação desses bioinseticidas no mercado. “Estamos finalizando os ajustes e a padronização dos processos por conta do reator novo. Além disso, parcerias estão sendo fechadas para trabalharmos com outros resíduos e biomassas, dependendo do resíduo, novos produtos serão gerados com alto valor agregado. No futuro, pretendemos continuar a inserção desses itens no mercado” conclui a docente.

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Evelize Folly das Chagas é professora associada do Departamento de Biologia Celular e Molecular da Universidade Federal Fluminense (UFF) e fundadora do Laboratório de Estudos em Pragas e Parasitos (LEPP). Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mestrado e doutorado em Química Biológica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atual coordenadora da Pós-Graduação em Ciências e Biotecnologia da UFF (PPBI-UFF).

 

Por Kayky Resende
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