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Pesquisa da UFF revela altos índices de mortalidade materna no estado do Rio

Sistemas de informações mostram que, durante a pandemia, a cada 100 mil nascidos, cerca de 130 mulheres foram a óbito e entre mulheres pretas, os dados pioram.

A mortalidade materna é aquela que ocorre durante a gravidez, o parto ou até 42 dias após a mulher dar à luz. Recentemente, dados que fazem parte de um informe submetido pela Anistia Internacional para a ONU, com base em números do Ministério da Saúde em 2022, apontam que a mortalidade materna de mulheres negras no Brasil é duas vezes maior do que a de mulheres brancas. No estado do Rio de Janeiro (RJ), o projeto de pesquisa “‘Desigualdades nos indicadores de saúde da mulher e da criança no Estado do RJ”’ monitorou que a taxa evoluiu de 61,7 em 2018, para mais 130 óbitos por 100 mil nascidos vivos, entre 2020 e 2021, durante a pandemia, e que a média para mulheres pretas atingiu mais que o dobro quando comparada com as ocorrências entre brancas e pardas, passando de 220 óbitos por 100 mil nascidos vivos.

De acordo com o artigo “Tendência da mortalidade materna no Estado do Rio de Janeiro, Brasil, entre 2006 e 2018, segundo a classificação CID-MM”, que avalia a mortalidade materna no estado do Rio de Janeiro (RJ) em um período de 12 anos, entre 2006 e 2018, o RJ manteve uma média de cerca de 60 a 70 óbitos de mulheres para cada 100 mil nascidos vivos.

“A razão de mortalidade materna (RMM) ainda tem indicadores inaceitavelmente altos em vários países do mundo. Neste artigo que compreende o período entre 2006 e 2018 observamos que esses valores de mortalidade materna são altos em comparação a países mais desenvolvidos, e podem estar associados a uma inadequada prestação de serviços de saúde às mulheres, envolvendo desde o planejamento familiar e a assistência pré-natal até o parto e o puerpério”, explica Sandra Fonseca, médica e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).

De acordo com o estudo, no período de 2006 a 2018 a mortalidade materna variou de 76,6 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos (2006), a 61,7 em 100 mil nascidos vivos (2018), no RJ. Os resultados do estudo constatam uma tendência decrescente, porém em baixa velocidade. E, embora esse número esteja dentro das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que preconiza uma taxa abaixo de 70 mortes até 2030, ele ainda está longe do ideal. No Brasil, a proposta é reduzir o número para menos de 30 mortes para cada 100 mil nascidos vivos.

O grupo formado por óbitos em razão de causas hipertensivas foi o de maior magnitude, com um total de 358 casos – uma RMM total de 12,4 mortes por 100 mil nascidos vivos no período. Em seguida, as ocorrências derivadas de outras complicações apresentaram um total de 327 óbitos, com uma RMM total de 11,3 por 100 mil nascidos vivos. O grupo que contabiliza a gravidez que termina em aborto ficou na terceira posição em magnitude de mortes, seguido de perto pelo grupo em que as causas foram hemorrágicas e por infecções. Além disso, também foram analisadas as causas indiretas, representadas pelo grupo das gestantes que tiveram complicações não-obstétricas.

A pesquisa utiliza o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) como principais fontes de coleta de dados. O SIM registra todas as mortes no Brasil, enquanto o SINASC registra todos os nascimentos. Esses sistemas são públicos e razoavelmente atualizados, com dados disponíveis até 2023 e alguns dados preliminares de 2024. “É importante ressaltar que, devido à possibilidade de subnotificação de óbitos maternos, foram propostos fatores de correção com base na qualidade da informação dos registros”, informa Sandra.

Mortalidade maternas entre mulheres pretas cresce durante a pandemia

Seguindo com a análise dos dados sobre RMM, as pesquisadoras do projeto perceberam que, na pandemia, entre 2020 e 2021, a situação piorou drasticamente, com a taxa evoluindo para mais 130 óbitos por 100 mil nascidos vivos, ou seja, quase o dobro do período anterior. “Além disso, analisamos os dados por cor da pele e encontramos disparidades alarmantes: a média para mulheres pretas atingiu mais que o dobro quando comparada com as ocorrências entre brancas e pardas, passando de 220 óbitos por 100 mil nascidos vivos. Esses resultados serão publicados em breve e exigem uma discussão aprofundada sobre a desigualdade racial evidenciada”, enfatiza Fonseca.

Esses resultados não foram encontrados exclusivamente no estado do Rio de Janeiro, mas foram observados em todo o Brasil e em outros lugares do mundo. “Esse aumento é preocupante, especialmente considerando que já estávamos longe de alcançar as metas estabelecidas pelo Brasil e pela OMS. Enquanto em países desenvolvidos, como a Noruega, esse indicador é de apenas dois óbitos por 100 mil nascidos vivos; no estado do RJ, as mulheres pretas enfrentaram uma taxa de quase 200 óbitos por 100 mil nascidos vivos durante a pandemia”, alerta a Sandra.

A pesquisadora ainda destaca que é importante investigar tanto o indicador de mortalidade materna quanto o acompanhamento pré-natal. “A saúde é organizada em regiões, e cada município também tem seus programas de monitoramento. Durante a pesquisa, encontramos algumas novas questões como, por exemplo, na região da Baixada Litorânea do estado do Rio de Janeiro, em que observamos que menos de 70% das mulheres conseguem fazer pelo menos sete consultas pré-natais. Esse número é ainda menor para mulheres pretas. É importante entender por que essas disparidades existem e buscar soluções para melhorar o acesso à assistência obstétrica, no pré-natal, parto e puerpério”.

O projeto de pesquisa ‘Desigualdades nos indicadores de saúde da mulher e da criança no Estado do Rio de Janeiro’, envolve também as docentes Cynthia Boschi Pinto e Helia Kawa, do Departamento de Epidemiologia e Bioestatística do Instituto de Saúde Coletiva da UFF e conta com discentes da graduação do Curso de Medicina. O próximo passo do grupo é entender as desigualdades no acesso à assistência obstétrica e buscar soluções para reduzir esses números. Sandra enfatiza que esses dados requerem atenção urgente. “Considerando que durante a pandemia a situação piorou significativamente, agora é crucial focar na recuperação, e a análise de série temporal nos permite observar essas mudanças”, conclui Sandra.

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Sandra Costa Fonseca é médica, mestre em Saúde Coletiva e doutora em Saúde Pública. Atualmente é professora titular do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense. Administra disciplinas para a graduação (Curso de Medicina) e orienta discentes de graduação e pós-graduação (Mestrado em Saúde coletiva). Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Saúde da mulher e da criança – mortalidade neonatal, infantil e perinatal, mortalidade materna, evitabilidade do óbito, cuidado pré-natal, near miss; Vigilância epidemiológica; sífilis congênita; Sistemas de informação em saúde; Revisão sistemática.

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