A UFF será a primeira universidade federal do país a contar com um núcleo de estudos dos países que compõem o Brics, bloco econômico de países considerados “emergentes”, atualmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A inauguração será realizada dia 24 de agosto, quinta-feira, às 18h, no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (Ichif), no Campus do Gragoatá. O evento reunirá, além do reitor Sidney Mello e do vice-reitor, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, os cônsules da China, Rússia e África do Sul, bem como pró-reitores, alunos, professores, representantes da comunidade acadêmica e autoridades locais.
Para Nóbrega, a criação do Núcleo de Estudos dos Países Brics (NEPB) é uma etapa muito importante no que diz respeito ao planejamento de internacionalização da instituição, com foco na cooperação e reafirmação da identidade universitária. “O núcleo será aberto, inclusivo e proporá pesquisas, estudos técnicos e ações concretas que busquem soluções para os desafios em comum dos países do Brics. Ele funcionará como um laboratório, um observatório e uma plataforma para promover ainda mais a missão da universidade como instituição de vanguarda do conhecimento”, afirma o vice-reitor da UFF.
O núcleo tem como objetivo fomentar o ensino, a pesquisa e, em curto prazo, a extensão, reunindo especialistas de um ou mais departamentos de ensino, unidades universitárias ou outros órgãos, em torno de programas de pesquisa de caráter transdisciplinar. A estrutura pretende também ampliar e simplificar a mobilidade acadêmica, desenvolvendo a pesquisa científica entre universidades que fazem parte do Brics.
Sendo assim, poderão participar das atividades não só os pesquisadores e integrantes do núcleo, como também os demais professores da UFF, servidores técnico-administrativos e alunos de graduação ou pós-graduação, bem como docentes e pesquisadores vinculados a outras Ifes, instituições de pesquisa e alunos de graduação ou pós-graduação de outras instituições nacionais ou estrangeiras e profissionais portadores de diploma de curso superior, na qualidade de membros temporários da equipe.
Um dos coordenadores do NEPB, professor Evandro Menezes de Carvalho, da Faculdade de Direito da UFF, explica que os temas que estão na agenda do Brics são os mais variados, abrangendo as finanças, o combate ao terrorismo, a promoção da inovação, o desenvolvimento sustentável, o comércio internacional, a reforma das instituições internacionais, dentre outros. “Esta diversidade temática no contexto de uma plataforma de diálogo político entre países tão distantes e diferentes, exige um conhecimento interdisciplinar e coletivo. E é isto que a UFF quer estimular com o núcleo”.
O NEPB é vinculado à Reitoria, por meio da Superintendência de Relações Internacionais (SRI). Segundo a superintendente de RI, professora Lívia Reis, dezenove professores estão envolvidos nesse projeto, que reúne representantes dos cursos de Estudos Estratégicos, Letras, Ciência Política, Direito, Sociologia, Comunicação Social, História, Economia, Geoquímica, Antropologia e futuramente Medicina. “A UFF mantém convênio com nove universidades russas e quatro chinesas, o que potencializará as atividades do núcleo. Cerca de 300 alunos de graduação e pós-graduação participam de intercâmbios anualmente. A universidade, por sua vez, recebe por ano cerca de 200 alunos em seus cursos”, acrescenta Lívia Reis.
De acordo com o também coordenador do núcleo e professor do Departamento de Ciência Política, Eduardo Gomes, a universidade participou da criação da Liga de Excelência das Universidades e da Rede de Universidades durante a cúpula de reitores ocorrida em 2015, em Pequim, da qual também participou o vice-reitor Antonio Claudio da Nóbrega. Na ocasião, algumas instituições divulgaram projetos de pesquisa prioritários, cujos resultados foram importantes para todos os países membros do Brics. Entre eles, por exemplo, trabalhos envolvendo temas como mudanças climáticas, segurança na informática, recursos hídricos e manejo da água, envolvendo áreas prioritárias da economia, desenvolvimento sustentável, meio ambiente, energia e ciências naturais.
O que é o Brics?
Antes de se falar da relevância do Brics para o ambiente acadêmico global, vale retornar um pouco no passado e revisitar a história recente. O bloco surgiu como uma categoria de investimento em mercados emergentes dentro da lógica neoliberal, com base na ideia de que a hegemonia econômica dos países ocidentais seria desafiada por um grupo de novas futuras potências, com destaque para Brasil, Rússia, Índia e China, o Bric. A reunião desses países se tornou um grupo político de ação no campo internacional e mudou o nome para Brics, com a incorporação da África do Sul (South Africa).
Segundo Evandro Menezes, o Brics nasce no contexto da crise econômica de 2008. Naquela ocasião, o então BRIC, sem o “S” da África do Sul, defende o G20 como o fórum político principal para a solução da crise – e não o G7. Defendia-se – e ainda defende-se – uma maior participação das economias em desenvolvimento nos principais processos decisórios internacionais. Não por acaso, um aspecto central da agenda do Brics é a reforma das instituições internacionais, em especial o FMI, o Banco Mundial e a ONU. Os países Brics são reformistas da ordem internacional, e não disruptores. Tendo isto em conta, o NEPB expressa também, ainda que de modo indireto, um comprometimento da universidade com um mundo multipolar, mais justo e equilibrado de nações, a partir de sua contribuição por meio da pesquisa acadêmica.
Já para o professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF, também integrante do grupo, Afonso de Albuquerque, a diversidade é uma marca muito evidente dos países que compõem o Brics nos aspectos político, econômico, cultural, entre outros. Entretanto, há algo desafiador que une esses países: uma intenção comum de enfrentar a ordem global unipolar que se constituiu com o fim da União Soviética, na transição para a década de 1990, sob a liderança dos Estados Unidos e com o apoio das grandes instituições financeiras internacionais – principalmente Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Essa ordem unipolar se refletiu também no meio acadêmico. Desde a década de 1990, um sistema universitário global se constituiu em torno de uma lógica semelhante. Todo o sistema se estrutura em torno de universidades, revistas e rankings que favorecem as perspectivas americanas, britânicas e de alguns outros países ocidentais”, ressaltou Albuquerque.
Ainda segundo o professor, os integrantes do Brics procuraram fazer frente a essa situação através de uma série de iniciativas, como a criação de uma Liga das Universidades. A UFF foi uma das primeira universidades do Brasil a reconhecer a relevância dessas iniciativas e participou de reuniões em Moscou e Pequim.
A criação do NEPB demonstra inequivocamente o compromisso da UFF com essa agenda que valoriza a multiplicidade de perspectivas no debate internacional. A existência do núcleo mostra claramente as ambições de uma universidade que se apresenta como protagonista do debate internacional. “Em termos práticos, a criação do núcleo permite integrar e dar sentido comum a uma série de iniciativas que já vêm sendo desenvolvidas nesse sentido no âmbito da instituição”, concluiu.