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Pesquisa da UFF comprova a relação entre distúrbios mentais e alimentação

Uma boa alimentação é essencial para nossa saúde, mas o que poucas pessoas sabem é que os alimentos que consumimos também podem se relacionar ao desenvolvimento de distúrbios mentais, principalmente nos primeiros anos de vida. Desde 2002, o Laboratório de Plasticidade Neural (LPN) da UFF, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Neurociência, realiza pesquisas sobre o desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC) e trabalha também com nutrição experimental, através de testes para avaliar os efeitos causados por dietas.

Contando atualmente com professores da UFF, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e estudantes da pós-graduação e da iniciação científica, o LPN iniciou suas atividades em 1994. Desde então, o objetivo é construir conhecimento acerca da natureza das condições normais e patológicas do desenvolvimento neural dos indivíduos, inclusive durante a formação do feto na gravidez. Nesse sentido, os projetos em andamento abordam questões centrais para a boa evolução desde o ventre materno com o propósito de evitar distúrbios, deficiências mentais e doenças neurodegenerativas.

A má nutrição pode produzir quadros de atraso do desenvolvimento que limitarão de forma permanente o desempenho da criança e do adolescente, diz Serfaty.

O professor e chefe do laboratório, o neurocientista Claudio Alberto Serfaty, realiza pesquisas na área de desenvolvimento cerebral há mais de 30 anos. Segundo o docente, que pesquisa o cérebro humano desde a iniciação científica, o interesse em aliar suas pesquisas à área de nutrição surgiu depois do doutorado em biofísica, quando já era professor da UFF.

O projeto de pesquisa sobre nutrição e desenvolvimento do sistema nervoso central tem como principal objetivo estabelecer os danos provocados pela má nutrição ao cérebro e de que forma é possível restabelecer o desenvolvimento normal com mudanças nos hábitos alimentares e estratégias de suplementação de nutrientes.

Atraso na fala, apatia e baixa interação social são alguns dos exemplos do que a carência nutricional pode causar. Segundo Serfaty, a expectativa é que os resultados dos experimentos que estão sendo realizados atualmente no laboratório possam contribuir para a questão da saúde pública e para a conscientização da população acerca da importância de uma alimentação equilibrada para os mais diversos aspectos do desenvolvimento humano.

A seguir, o professor Claudio Alberto Serfaty esclarece alguns tópicos importantes acerca das pesquisas do LPN:

Como surgiu a ideia de aliar as pesquisas de neurociências à área da nutrição?

A ideia surgiu porque certos nutrientes que dependem exclusivamente da dieta, tais como o triptofano e o ômega-3, têm grande importância para o cérebro. O triptofano é precursor metabólico do neurotransmissor serotonina – substância responsável por regular o humor, o sono, o apetite, entre outros – e o ômega-3 é um ácido graxo fundamental para o funcionamento cerebral.

A deficiência nutricional na mulher gestante pode afetar o desenvolvimento cerebral do feto? Por quê?

Sim, a gestante tem que ter muita atenção à alimentação. É importante ter um bom aporte de proteína de origem animal, ricas em triptofano, e também um equilíbrio na ingestão de gorduras. Quanto menos gorduras saturadas e mais fontes de ômega-3, como peixes e sementes como as castanhas, melhor. Lembrando que o óleo de coco é uma gordura saturada e prejudica o metabolismo dos ácidos graxos ômega-3. É importante ressaltar também que uma gestante ou lactante mal nutrida vai alimentar mal o feto ou o recém-nascido.

Qual é, ou em que consiste, o período crítico em que o cérebro da criança é sensível ao status nutricional e ao padrão de estímulo ambiental?

O período crítico de desenvolvimento é um período que vai do nascimento até os cinco a sete anos de vida, mas que pode se estender até o final da adolescência. Durante este período as sinapses amadurecem e são formados circuitos neuronais que são necessários ao pleno desenvolvimento das funções neurais. A estimulação ambiental é de fundamental importância para o amadurecimento do cérebro assim como uma nutrição correta e equilibrada.

Quais são as formas de desnutrição mais preocupantes durante a infância e suas consequências?

A forma mais preocupante é a desnutrição proteico-calórica, em que as crianças são de baixo peso e baixa estatura. Mas esta desnutrição é tão óbvia que é relativamente rara, ou o menos é rapidamente detectada. No entanto, existem formas de desnutrição onde a criança tem um bom aporte energético (e, portanto, não perde peso) que são tão preocupantes quanto a forma mais grave de desnutrição, ao menos para o desenvolvimento do cérebro. São elas a desnutrição proteica com restrição de triptofano, um aminoácido que só pode ser obtido pela dieta e que é necessário à síntese do neurotransmissor serotonina e má desnutrição derivada de deficiência do ácido graxo ômega-3.

Quais são as gorduras saturadas e quais os efeitos graves elas podem causar no desenvolvimento do SNC?

Gorduras saturadas são gorduras de origem animal ou vegetal que não possuem duplas ligações. Ao contrário, as gorduras poli-insaturadas, notadamente os ácidos graxos ômega-6 e ômega-3 tem diversos papéis fisiológicos e exercem funções no nosso organismo. Por exemplo, os ácidos graxos ômega-e e seu principal derivado, o DHA, é fundamental para a diferenciação de neurônios, manutenção de sua sobrevida, formação de sinapses e circuitos neurais sensoriais. O excesso de gorduras saturadas (de origem animal ou vegetal) impede a conversão de ácidos graxos ômega-3 em DHA prejudicando de forma muito importante o desenvolvimento do cérebro.

Como a desnutrição por restrição de triptofano e ácidos graxos ômega-3 afeta o desenvolvimento do sistema nervoso central?

Ambas a formas causam atrasos no desenvolvimento das conexões neuronais que podem ser reversíveis, desde que a pessoa retome uma dieta equilibrada dentro dos primeiros anos de vida. Estas alterações podem vir a ser permanentes se a criança não receber a complementação adequada até os cinco anos, que é o período crítico de desenvolvimento sensorial. A má nutrição por restrição de triptofano é comum em famílias de baixa renda, já que o triptofano tem como principais fontes as carnes, derivados lácteos e ovos, é uma forma de desnutrição característica da pobreza extrema. Já a desnutrição relacionada aos déficits de ácidos graxos ômega-3 pode ser observada em qualquer classe social. Basta que a gestante ou a criança tenha uma dieta baseada em alimentos industrializados, ricos em gorduras saturadas e gorduras trans, ou até mesmo consuma excessivamente óleos vegetais saturados, como o óleo de coco. Nestas condições, o organismo produz menos DHA – produto final da via metabólica do ômega-3. Além do que, as fontes naturais mais abundantes de ácidos graxos ômega-e são relativamente raras na nossa dieta: peixes oceânicos, castanhas e algumas sementes, como a linhaça.

Por que os ácidos graxos ômega-6 são mais prejudiciais?

Os ácidos graxos ômega-6 também são importantes para o organismo. O problema é a alta concentração de ômega-6 em dietas modernas. O excesso de ômega-6, presente nos óleos vegetais saturados, é prejudicial ao metabolismo dos ácidos graxos ômega-3 e à síntese de DHA.

Essas formas de desnutrição têm relação com distúrbios neurológicos?

A má nutrição pode produzir quadros de atraso do desenvolvimento que limitarão de forma permanente o desempenho da criança e do adolescente. Crianças mal estimuladas e/ou mal alimentadas podem apresentar alguns sintomas característicos do autismo como o atraso na fala, apatia e baixa interação social. Em ambas as condições, observa-se uma menor eliminação de sinapses transitórias, que são conexões neuronais inadequadas. Durante o desenvolvimento do cérebro, produzimos um grande número de sinapses imaturas. Algumas destas sinapses não amadurecem corretamente e devem ser eliminadas (sinapses inadequadas) deixando apenas sinapses funcionais (adequadas). Este é um processo normal do desenvolvimento que é fortemente influenciado pela desnutrição seletiva de nutrientes essenciais.

Quais medidas poderiam ser tomadas para que a má nutrição não interfira no desenvolvimento do SNC?

Sem dúvida os programas sociais de renda mínima e o combate à pobreza garantem que as famílias tenham acesso à cesta básica e a um melhor padrão nutricional. Isso ajuda, com certeza. Além disso, devemos estar sempre alertas à educação nutricional. Os pais devem ficar atentos às crianças que consomem alimentos industrializados em excesso e se recusam a se alimentarem adequadamente com fontes proteicas. Comida saudável é aquela que fazemos em casa.

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