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Pesquisa aponta ações para melhorar o transporte rodoviário no Brasil

Modal mais utilizado no país tem as maiores probabilidades de apresentar os piores índices de desempenho
O modo rodoviário é o mais utilizado para transporte de cargas e pessoas. Imagem: Toda Matéria

 

Mudanças na estrutura e formas de operação do transporte no Brasil podem causar impactos ambientais, sociais e econômicos positivos para toda a população e aprimorar o fluxo mercadorias, serviços e pessoas entre diferentes regiões do país. Segundo dados da Confederação Nacional de Transporte (CNT/2023), 65% das cargas e 95% dos passageiros são transportados via rodovias. Outro estudo da CNT avaliou o estado geral da malha rodoviária brasileira, com base em mais de 110 mil quilômetros de estradas pavimentadas. Do total, 67,5% foram classificados como regular, ruim ou péssimo e apenas 32,5% foram avaliados como ótimo ou bom. Tais números revelam uma leve piora nos resultados em comparação com 2022, que apresentavam, respectivamente, 66,0% e 34,0% nos mesmos índices de classificação.

Considerando essa preferência histórica de utilização do modo rodoviário no Brasil, uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) analisou o desempenho dos transportes para identificar deficiências e levantar ações e seus respectivos efeitos na melhoria do modo rodoviário. O levantamento também visa auxiliar o direcionamento das políticas governamentais no setor. Ainda que a transferência para outras formas de transporte demande projetos de longo prazo e grandes investimentos governamentais em infraestrutura, o estudo indica que a integração com modos aquaviário e ferroviário traria benefícios econômicos, ambientais e sociais e preservaria as rodovias.

“O Brasil, historicamente, sempre focou no transporte rodoviário. Somos um país com muitas dificuldades pelas dimensões geográficas e pela diversidade do território. Temos, por exemplo, a floresta amazônica e uma das maiores cidades do mundo, São Paulo, o que traz vários desafios para a movimentação de cargas e deslocamento de pessoas. Para o transporte funcionar sem ser baseado somente no modelo rodoviário, é necessária uma integração modal, o que demanda planos de investimento para desenvolver os outros modos e a integração deles com as rodovias. Observam-se em vários momentos ao longo do tempo, um incentivo à venda de automóveis para geração de emprego e renda, deixando de lado oportunidades de subsidiar uma alternativa pública de transporte de maior capacidade. O resultado disso é desastroso, então é uma questão ligada à política e à economia”, explica o professor de Administração da UFF e coordenador da pesquisa, Ilton Curty Leal Junior

A pesquisa realizada  considerou ações de cunho tecnológico (veículos e fontes de energia) e gerencial (público e privado) e seus impactos nas variáveis econômicas, ambientais e sociais  para identificar vantagens e deficiências nos modos e alternativas de transporte. Os dados revelaram que, apesar de ser o mais utilizado no país, o modo rodoviário apresentou os piores índices de desempenho nesses quesitos.

Leal Júnior explicou as bases e os critérios aplicados na avaliação. “Utilizamos o tripé econômico, social e ambiental para fazer a avaliação. Sempre com base em indicadores, de preferência quantitativos, para podermos ter uma base de referência e comparação com mais facilidade”.

A pesquisa, coordenada pelo professor Ilton, é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e faz parte de um projeto vinculado à bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq.

Análise do transporte na região metropolitana do Rio

Como parte da pesquisa, o artigo “Evaluating the sustainability of urban passenger transportation by Monte Carlo simulation” publicado na revista “Renewable and Sustainable Energy Reviews” realiza uma análise das alternativas de transporte no trecho entre Rio de Janeiro e Niterói, com foco no deslocamento de passageiros. A avaliação foi feita aplicando a simulação de Monte Carlo (SMC) – método que possibilitou obter a probabilidade dos desempenhos em relação à sustentabilidade.

“Com base em valores aleatórios que as variáveis consideradas podem assumir, a simulação de Monte Carlo fornece vários resultados possíveis de desempenho e a probabilidade de cada um deles acontecer. Os diferentes resultados obtidos possibilitam a formação de curvas de probabilidades. A partir do momento que temos as curvas, podemos estabelecer o intervalo de desempenho de cada alternativa de transporte” explicou o docente.


A análise envolveu as alternativas 1 (Aquaviário) e 2 (Rodoviário). Imagem: Artigo.

A escolha deste trecho se deve a sua importância para a circulação de pessoas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Por dia, uma média de 400 mil pessoas circulam pela ponte Rio-Niterói, segundo dados da Ecoponte. Em relação às barcas, em 2023, o número médio de passageiros transportados por dia chegou a 34.504, apontam dados do Data Rio. O artigo avaliou cinco possíveis alternativas de transporte entre as cidades. São elas: carros flex movidos a gasolina, carros flex movidos a etanol, motocicletas movidas a gasolina, ônibus a diesel e barcas.

Para determinar a sustentabilidade de cada alternativa de transporte, os índices de desempenho variaram de 0 a 1, em que a alternativa que chegou mais próxima do 1 obteve o melhor desempenho. O estudo classifica os padrões de sustentabilidade a partir dos seguintes parâmetros:

(1) Sustentabilidade elevada: quando os índices de sustentabilidade são maiores ou iguais a 0,8;
(2) Sustentabilidade intermediária: quando os índices de sustentabilidade são maiores ou iguais a 0,5, mas menores do que 0,8;
(3) Sustentabilidade inferior: quando os índices de sustentabilidade são menores do que 0,5.

Considerando as variáveis econômicas (custos e preços de tarifas), ambientais (consumo de energia e emissão de poluentes atmosféricos) e sociais (tempos de deslocamento e índice de acidentes), as simulações revelaram que, dentre as alternativas analisadas, os veículos de transporte coletivo, como barcas e ônibus, apresentaram as maiores probabilidades de obter o melhor desempenho. Carros movidos à gasolina, dentre as alternativas mais utilizadas para se locomover entre as duas cidades, apontaram os piores índices de sustentabilidade.


Curvas de probabilidade das alternativas de transporte entre as cidades de Niterói e Rio de Janeiro. Foto: Artigo.

Cada curva representa os desempenhos registrados para cada alternativa avaliada e suas respectivas probabilidades de ocorrência. No eixo vertical, estão presentes as frequências de ocorrências de cada intervalo de desempenho. No horizontal, estão os intervalos de desempenho na escala de 0 a 1. Abaixo desse eixo, há uma tabela com os dados obtidos. Percebe-se, por exemplo, que o ônibus tem 95,26% de chance de apresentar desempenhos entre 0,6 e 0,7. As barcas possuem a maior probabilidade (37,33%) de obter desempenhos no intervalo entre 0,7 e 0,8.

“Os transportes coletivos como ônibus, barcas, VLT, metrô e trem, possuem maiores capacidades de passageiros, o que permite o ganho de escala. Quanto mais pessoas são transportadas num mesmo veículo, respeitando seus limites de capacidade, menor será o consumo de combustível, as emissões de poluentes e os custos por passageiros. Além disso, no transporte coletivo também é possível estabelecer rotas ou faixas exclusivas, reduzindo os tempos e efeitos dos congestionamentos nos deslocamentos”, explicou Leal Júnior.

Entre as sugestões para estudos futuros, o artigo cita uma nova avaliação com a incorporação de alternativas vislumbradas em novos projetos para o trecho analisado e a utilização da simulação Monte Carlo em outras aplicações que demandem uma visão mais ampla de resultados e suas probabilidades de ocorrência, de forma a apoiar decisões importantes para o desenvolvimento dos sistemas de transporte brasileiros.

Leal Júnior afirma que, com um modelo adequado, é possível avaliar os resultados de um sistema de transporte e alternativas antes mesmo de realizá-las “Para a elaboração de políticas públicas é importante que se tenha, no caso avaliado, a visão dos possíveis desempenhos de cada alternativa. Dessa forma, com um modelo adequado, como a SMC, por exemplo, é possível prever resultados de um sistema (ou alternativas de transporte) antes mesmo de sua implementação, o que é mais barato e permite maior assertividade nas decisões”.

VLT em Niterói

O município de Niterói foi escolhido para receber o investimento de mais de R$ 450 milhões do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. A ideia é realizar o projeto para a criação de um Veículo leve sobre trilhos (VLT), ligando diferentes pontos da região. O investimento foi liberado para o projeto que pretende ligar o bairro do Barreto ao centro da cidade, em um trecho de cinco quilômetros e nove estações, com um tempo médio de 20 minutos. No projeto inicial, o objetivo é ligar o Barreto a Charitas em uma linha de 11,4 km de extensão, transportando 120 mil passageiros por dia em uma travessia média de 37 minutos.

O professor Ilton explica que o projeto pode ser importante, mas deve ser integrado com outras alternativas de transporte “O projeto de um VLT pode ajudar a melhorar o trânsito no município. Pelas suas características de maior capacidade poderia incentivar a transferência de alternativas de transporte individual, como o carro e moto, para as coletivas, o que poderia reduzir o número de veículos circulando. Entretanto, é necessário entender que o transporte deve ser visto como um sistema integrado e não como modos ou alternativas operando de forma individual. Por isso, o VLT deve estar integrado a outros modos coletivos e de maior capacidade como os ônibus e barcas. Além disso, seu nível de serviço deve ser adequado para que as pessoas sejam incentivadas a utilizá-lo. Caso contrário, pode se tornar algo isolado, concorrendo com outras estruturas por espaço urbano”.

O pesquisador esclarece que caso o projeto seja implementado e operado de forma adequada, pode auxiliar uma parcela da população no acesso e utilização de outros modos como as barcas ou ônibus para o deslocamento até a cidade do Rio de Janeiro. Além disso, pode permitir também a redução do tráfego de automóveis e dos tempos de deslocamento.

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Ilton Curty Leal Junior é professor associado de Administração da Universidade Federal Fluminense (UFF). Atua também no Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA/UFF). Possui graduação em Administração de Empresas, mestrado em Gestão e Estratégia de Negócios pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e doutorado em Engenharia de Transportes na COPPE/UFRJ.

 

Por Kayky Resende
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