Em um cenário global, no qual sustentabilidade e inovação tecnológica ocupam papel central nas discussões sobre mobilidade urbana, a Universidade Federal Fluminense (UFF) desenvolve um projeto pioneiro de compartilhamento de veículos elétricos (VEs). A iniciativa busca criar um modelo de negócios escalável, com potencial para ser aplicável em âmbito nacional, tendo como estudo de caso o sistema de transporte coletivo da própria universidade.
A proposta desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Telecomunicações da UFF (PPGEET-UFF), abrange o desenvolvimento de um sistema de compartilhamento de VEs, desde os controladores veiculares e baterias até a criação de uma plataforma integrada para monitoramento, controle e tarifação. Além de integrar a comunidade acadêmica, a implementação almeja reduzir as emissões de gases de efeito estufa e promover uma alternativa viável ao transporte convencional para os membros da UFF.
Dentre as inovações tecnológicas, destaca-se o uso de sistemas fotovoltaicos para alimentar estações de recarga, integrados a tecnologias de gestão de energia como o Vehicle-to-Grid (V2G), uma tecnologia que permite a troca bidirecional de energia entre veículos elétricos e a rede elétrica, o que contribui para o equilíbrio do sistema energético. Esses mecanismos não apenas suportam as operações diárias dos veículos, mas também oferecem a possibilidade de injetar energia na rede elétrica, promovendo eficiência energética e contribuindo para a sustentabilidade dos campi.
Modelo de negócios
Uma das prioridades do projeto é a criação de um modelo de negócios que equilibre sustentabilidade e viabilidade econômica. Para isso, são investigadas técnicas de otimização como a programação estocástica, uma abordagem matemática que considera incertezas nos parâmetros do problema, modelando-os como variáveis aleatórias para encontrar as melhores soluções para cenários incertos. O modelo leva em consideração fatores como custos operacionais, tarifas de aluguel e lucros potenciais, garantindo que o sistema seja acessível para os usuários e lucrativo para os operadores.
O modelo de negócios desenvolvido no projeto é baseado em um sistema híbrido de realocação de veículos, que utiliza tanto o apoio de operadores quanto incentivos para que os próprios usuários ajustem suas rotas. Esse último, pondera as estações que precisam de reposição das e-bikes e oferece descontos nas viagens para os usuários que aceitarem mudar o destino da rota para a estação mais próxima que precise de reposição. Leonardo de Arruda Bitencourt, ex-aluno do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Telecomunicações da UFF, atualmente professor da UERJ e um dos colaboradores do projeto, aponta que “O modelo matemático desse sistema se mostrou mais eficiente que os tradicionais, atendendo cerca de 73% da demanda, mesmo em horários de pico”.
Os sensores integrados e a comunicação em tempo real, por exemplo, permitem o monitoramento constante da frota, otimizando a redistribuição dos veículos e o uso da energia solar. “Essa abordagem não apenas melhora a experiência do usuário, mas também reduz os custos operacionais, tornando o sistema mais sustentável e acessível. Além disso, o uso de energia solar reduz significativamente os custos de recarga das bicicletas, enquanto o excedente de energia gerado pelos painéis fotovoltaicos pode ser vendido à rede elétrica, criando uma nova fonte de receita.”, conclui o professor.
Atualmente, uma estação piloto está em funcionamento no campus da Praia Vermelha, Niterói, equipada com três bicicletas elétricas e há previsão de expansão para outros campi em 2025. A análise de dados sobre padrões de uso da comunidade acadêmica tem sido crucial para moldar as estratégias de alocação de veículos e definir tarifas dinâmicas.
Impacto na comunidade acadêmica
O projeto também se destaca por seu caráter inclusivo e colaborativo. Mais de 25 alunos de graduação, mestrado e doutorado estão diretamente envolvidos, contribuindo para pesquisas científicas que alimentam decisões estratégicas. Os laboratórios do Núcleo de Inovação Tecnológica em Engenharia Elétrica (NITEE), do Friends Lab e do MidiaCom conduzem o desenvolvimento do projeto, que também conta com a colaboração da Bike Fácil, empresa brasileira especializada em mobilidade elétrica compartilhada.
Além disso, o projeto impacta diretamente a mobilidade acadêmica. “A ideia é criar uma alternativa prática e sustentável para os deslocamentos entre os campi. O sistema melhora a mobilidade e incentiva hábitos mais saudáveis e uma maior conscientização ambiental”, afirma Bitencourt.
Detalhamento das fases do projeto
O desenvolvimento do sistema está estruturado em quatro fases que visam garantir a qualidade, a funcionalidade e a sustentabilidade do projeto. Cada etapa é planejada desde a pesquisa inicial até a implementação prática.
Fase 1: pesquisa e desenvolvimento (P&D)
A primeira fase, atualmente em seus estágios finais, envolveu a criação dos componentes básicos do sistema. Isso incluiu o desenvolvimento de controladores para os veículos, a análise do ciclo de vida das baterias e a concepção de um software integrado para monitoramento e tarifação.
O projeto é coordenado por professores do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica (PPGET) de diferentes laboratórios, e de pesquisadores de outras instituições como UERJ e UFJF. Durante essa fase, foram realizados estudos para otimizar o desempenho dos veículos elétricos, desde o consumo energético até a conectividade com o sistema de gerenciamento central.
Fase 2: implementação piloto
Com o protótipo funcional desenvolvido, a implementação piloto foi realizada no campus Praia Vermelha da UFF. A estação foi equipada com painéis solares para carregamento sustentável e três bicicletas elétricas. Essa etapa tem como objetivo validar o sistema em um ambiente real, permitindo ajustes com base no feedback dos usuários e no desempenho operacional.
Durante os testes, foram utilizados algoritmos de otimização para ajustar as tarifas e posicionar estrategicamente as estações, a fim de maximizar a utilização das bicicletas e minimizar os custos operacionais.
Fase 3: expansão nos campi da UFF
Prevista para 2025, a fase de expansão busca instalar novas estações nos campi Valonguinho e Gragoatá, também da UFF. Essa etapa inclui a ampliação da frota de bicicletas e a integração de um aplicativo mobile para facilitar o acesso dos usuários.
Segundo Bitencourt, “Com o aplicativo, estudantes poderão localizar estações, reservar bicicletas e acompanhar informações sobre a disponibilidade e o nível de carga das baterias. Esse avanço tecnológico é essencial para aumentar a adesão ao sistema e garantir sua sustentabilidade financeira.”
Fase 4: modelo de negócio e escalabilidade
O ponto culminante do projeto é a definição de um modelo de negócios escalável. As pesquisas desenvolvidas pelo grupo idealizador indicam que um sistema híbrido, que combina realocação baseada no operador e no usuário, é o mais eficiente tanto em termos de custos quanto de satisfação dos usuários. Além disso, a possibilidade de vender a energia excedente gerada pelos painéis solares representa uma nova fonte de receita, ampliando a viabilidade do modelo.
Perspectivas para o futuro
O projeto de compartilhamento de veículos elétricos da UFF aponta para um futuro em que a mobilidade sustentável seja uma realidade acessível e eficiente em diferentes contextos. Partindo de uma proposta voltada à comunidade acadêmica, o sistema transcende os limites da universidade ao apresentar um modelo de transporte que pode ser facilmente adaptado a outros ambientes, como centros urbanos, outras universidades e comunidades de diferentes escalas, como afirma o artigo “Shared e-bike operational planning under different relocation schemes: a smart campus case“, publicado em junho de 2024 pelos pesquisadores envolvidos na elaboração.
Ao combinar tecnologia avançada e inovação em planejamento energético, o projeto integra não apenas aspectos técnicos e operacionais, mas também sociais e ambientais. Com melhorias na mobilidade, e o engajamento de tecnologias limpas e acessíveis, reflete-se um compromisso em criar soluções que vão além do retorno financeiro. Fatores como a integração entre inovação, sustentabilidade e impacto social são elementos centrais no impacto positivo almejado.
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Leonardo de Arruda Bitencourt é graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal Fluminense (2015). Ele concluiu o curso de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e de Telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (2018), e o curso de Doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2022). Possui experiência na área de Planejamento Energético, atuando principalmente nos seguintes temas: fontes renováveis de energia, modelagem de sistemas de distribuição e veículos elétricos. Outras experiências em Engenharia Elétrica, com ênfase em Sistemas Elétricos de Potência, incluem principalmente os seguintes temas: programação linear, qualidade de energia e simulação de sistemas de potência, sistema de otimização, sistemas fotovoltaicos e simulink.