A expressão machine learning ou aprendizado de máquina pode, a princípio, soar estranha. No entanto, para o chefe do Departamento de Engenharia Elétrica da UFF, professor Vitor Hugo Ferreira, essa é uma área da inteligência artificial que muito tem a contribuir para a sociedade.
De acordo com o pesquisador, esses sistemas podem ajudar na resolução de diversas questões, tais como: tomada de decisão em ambientes com múltiplas informações incertas e imprecisas, mobilidade urbana e segurança pública; extração de conhecimento de múltiplas bases de dados em benefício da sociedade ou até mesmo a criação de sistemas inteligentes para manutenção em ambientes industriais de alto risco.
Segundo Ferreira, algoritmos inteligentes já estão inseridos nas nossas atividades diárias e nem percebemos. “Quando escolhemos um filme no Netflix ou encomendamos um livro numa loja virtual, por trás dessas escolhas há a influência de algoritmos de recomendação. Também são baseadas nesta tecnologia as sugestões de rotas por aplicativos de trânsito, precificação de uma corrida no Uber, aprovações ou negações de créditos no comércio, preços dinâmicos para passagens aéreas e até as rotineiras buscas que fazemos no Google”, exemplifica.
“Serviços como o de tradução automática ou de assistente pessoal em dispositivos móveis ainda não são 100% precisos, mas há alguns anos era impensável uma interface dessas no nosso bolso, em um smartphone”, explica o professor. Hoje, devido à evolução dos softwares e dos hardwares ao longo do tempo, temos uma combinação de capacidade computacional, dados e algoritmos que permite aos computadores realizar tarefas impensáveis há uma década.
Para Ferreira, a pesquisa com Machine Learning, iniciada na UFF em 2009, contribuirá para o desenvolvimento num futuro próximo de computadores capazes de pensar e aprender a resolver os mais diversos problemas da sociedade a partir da experiência e informações recebidas. Com isso, a própria máquina passará a tomar decisões racionais com base no que já aprendeu na interação com o ambiente, analogamente ao processo decisório dos seres humanos. “O cinema vem explorando o tema há décadas em superproduções como “2001, uma odisseia no espaço”, “O Exterminador do Futuro”, “Eu, Robô”, entre outras, mas o que antes era só ficção está agora perto de se tornar realidade”, afirma.
Estamos atentos aos desafios e oportunidades que as rápidas mudanças na sociedade apresentam à UFF”, Antonio Claudio da Nóbrega.
O principal projeto do grupo, informa Ferreira, foi executado junto a três empresas de transmissão de energia (Cachoeira Paulista Transmissora de Energia, Linhas de Xingu e Linhas de Macapá) com recursos do programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Chamado de Sistema Inteligente para Diagnóstico de Faltas em Linhas de Transmissão, o projeto propõe o desenvolvimento de um ambiente computacional integrado para a gestão técnica de empreendimentos de transmissão, com foco na análise e diagnóstico de perturbações em linhas de transmissão. Utilizando técnicas de inteligência computacional e reconhecimento de padrões, o sistema subsidia o processo de tomada de decisão nos centros de operação da concessionária, por meio da geração de relatórios com a detecção do instante de falta de energia, classificação do tipo de falta e ainda uma estimativa da localização do defeito na linha de transmissão em análise. Além disso, complementa o professor, é capaz de reduzir o tempo de restauração da função em virtude da identificação e localização de uma determinada falha, permitindo direcionar as equipes de campo de forma mais adequada para o restabelecimento do sistema.
Os estudos na área, esclarece o professor, surgiram com a intenção de agregar pesquisadores das mais diversas vertentes da Inteligência Artificial (IA), que atuavam de forma independente em pesquisas sobre como representar computacionalmente os mecanismos e processos de aprendizagem utilizados pelos seres vivos para a resolução de problemas.
Outros projetos serão utilizados para o desenvolvimento das mais diversas áreas, incluindo sistemas para previsão e apoio à tomada de decisão no mercado financeiro até sistemas computacionais para apoio ao diagnóstico remoto de pacientes, entre outras dezenas de aplicações. Para isso, foi criado um grupo de trabalho, que vem mobilizando diversos professores dos departamentos de Engenharia de Telecomunicações, Engenharia de Produção, Engenharia Elétrica e Instituto de Computação, bem como alunos dos cursos de graduação e pós-graduação.
O desenvolvimento de sistemas com capacidade para a tomada de decisão autônoma traz uma série de questionamentos éticos para o futuro. Para coibir excessos, entrará em cena a Ética, o Direito e as legislações vigentes que defendem a cidadania, os direitos humanos e o interesse público.
Segundo um dos estudantes envolvidos no projeto, Douglas Aranil Magalhães Barbosa – do curso de Engenharia Elétrica – o desenvolvimento de pesquisas ligadas ao campo de inteligência artificial tornará a UFF, num futuro breve, uma referência no campo da IA. “Para a sociedade, este desenvolvimento representará melhorias durante a aplicação dos recursos disponíveis, uma vez que estes métodos podem servir como apoio na tomada de decisões. Em minha pesquisa, trabalho com a utilização da inteligência artificial para auxílio do planejamento do setor elétrico, que quando realizado de forma ideal representa uma economia de recursos econômicos e naturais durante a operação do setor”, explicou.
Ferreira aprofunda essa questão relembrando uma entrevista concedida por um dos mais importantes pesquisadores na área da IA: Ray Kurzweil. Ele afirmou que os robôs humanoides que vivem entre nós talvez precisem de seu próprio conjunto de leis, uma realidade já prevista para 2029 por ele e outros especialistas. “A inteligência artificial na infância é um bebê fabricado por seres humanos. Assim como as crianças, devemos dar espaço para a inteligência artificial errar, aprender e crescer – mas a quem podemos confiar a educação da próxima geração da nossa humanidade?”, indaga Kurzweil.
Interdisciplinaridade
A intenção é que os estudos na área de Machine Leaning estreitem as relações entre as disciplinas e os diversos departamentos da universidade. A Escola de Engenharia já possui pesquisadores de diferentes departamentos trabalhando com técnicas de Machine Learning na resolução de problemas dos setores elétrico e também de petróleo e gás. Outro exemplo é a parceria que está em andamento entre as Faculdades de Medicina e Computação, no campo do ensino, pesquisa e extensão. “Temos interesse em estender esses estudos para aplicações também na área da biomedicina e da saúde”, afirmou Vitor Hugo.
Para o vice-reitor e médico, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, a integração entre as diferentes áreas da universidade através de pesquisas que envolvam tecnologia é essencial. “Estamos atentos aos desafios e oportunidades que as rápidas mudanças na sociedade apresentam à UFF. Tenho feito um trabalho de aproximação das diversas competências na área de Machine Learning e Inteligência Artificial inicialmente entre a Medicina e a Computação em função de projetos que já existem na área de apoio à decisão clínica e exploração de banco de dados tipo Big Data, mas a intenção é formar uma rede ampla e aberta de cooperação, sem filtros ou restrições, uma verdadeira construção coletiva adisciplinar”, conclui.