Notícia

Ressaca em Camboinhas: Pesquisadores da UFF alertam para ineficiência da limpeza da praia

O litoral do município de Niterói é composto por praias de muita beleza natural e atrativos para o turismo da cidade. Conhecida como região oceânica, a costa de mar aberto niteroiense está cada vez mais popular entre os banhistas locais, os de cidades próximas e até turistas de outros estados, por sua tranquilidade e encanto. Um desses refúgios é a praia de Camboinhas, que possui uma longa faixa de areia que termina no canal da Laguna de Piratininga – Itaipu. Grande parte de sua extensão não possui quiosques, o que reduz o impacto humano especialmente sobre a área de restinga, que são importantes formações vegetais em solos arenosos de regiões costeiras. Muitas espécies de animais e plantas, além do próprio valor turístico e econômico do local, dependem da preservação efetiva do espaço.

Os professores do Departamento de Biologia Marinha da UFF (GBM/UFF), Bernardo Gama e Abílio Soares, explicam que, assim como as outras praias da região, Camboinhas tem uma grande relevância socioambiental para Niterói. “Além de ser menos urbana, está fora da Baía de Guanabara; por isso, suas águas costumam ser menos poluídas. Entretanto, mudanças climáticas globais podem trazer mais ressacas marítimas. Quando esse evento acontece, o mar devolve todo o lixo que jogamos nele, o que causa problemas para a dinâmica de uso da praia. A última, que ocorreu no começo do mês de agosto, além de destruir algumas entradas da praia, também retirou bastante areia da restinga. Em situações como essa, é preciso observar atentamente quais são as ações tomadas para limpeza e recuperação do local”.

Bernardo Gama e Abílio Soares publicaram recentemente um artigo na revista internacional Regional Studies in Marine Science chamado “Cleaning efficiency in a Southwestern Atlantic sandy beach” (Eficiência da limpeza em uma praia do sudoeste Atlântico). A pesquisa avalia a limpeza da praia de Camboinhas, a fim de perceber se esta é capaz de gerenciar e reduzir os resíduos encontrados. “Nesse estudo, constatamos que plásticos, seja na forma de isopor, embalagens, copos, talheres ou canudos, compõem o tipo de lixo numericamente mais comum no local. A decomposição desse detrito demora séculos e muitas vezes desaparece de vista quando as partículas se quebram em microplásticos”, pontua Bernardo.

O professor Abílio acrescenta que a ingestão de plástico pode causar a morte direta ou indireta de muitos seres marinhos e terrestres que habitam as praias, e por isso o descarte desse material no mar é considerado atualmente o maior problema ambiental dos oceanos. “Esse lixo encontrado nas praias é geralmente produzido pelos banhistas ou trazido de locais distantes pelas correntes marinhas e ação das marés. Em uma ressaca, os detritos se depositam na franja da restinga. De acordo com a pesquisa, a limpeza feita na praia de Camboinhas não é eficiente para a quantidade de sujeira produzida normalmente, menos ainda após uma ressaca como a que ocorreu recentemente. A coleta é feita somente na faixa de areia, onde os banhistas costumam ficar. Já na parte da restinga, os resíduos raramente são recolhidos”, explica.

Para o pesquisador, uma avaliação periódica dos órgãos municipais de gestão da limpeza deveria ser adotada no intuito de orientar sobre as melhores práticas de recolhimento de lixo nas praias. “Nas praias da região da Baía de Guanabara, a sujeira é retirada durante o dia, o que aparentemente melhora a eficiência da coleta. Em Camboinhas, o lixo é retirado à noite por uma pequena equipe que recolhe somente os elementos maiores e mais perceptíveis. Essa atividade nas praias da região oceânica deveria ser realizada à luz do sol, manualmente, além de incluir a limpeza da restinga, adotando-se os devidos cuidados para não causar danos à vegetação”, recomenda o docente.

Bernardo Gama acredita que “as praias de Niterói seriam mais limpas se houvesse controle constante sobre os frequentadores, através de fiscais contratados pela prefeitura ou mesmo por voluntários de projetos de conscientização ambiental, a fim de evitar o acúmulo de tudo aquilo que a limpeza mecanizada regular não consegue remover. É necessário também dar maior atenção à preservação das restingas, evitando que se guarde ou lance qualquer tipo de material estranho a este importante ambiente, assim como desenvolver um sistema de limpeza da praia eficiente. Restingas conservadas tendem a ser mais resilientes, pois possuem não somente vegetação rasteira segurando o solo, mas também árvores nativas, como as aroeiras e pitangueiras, por exemplo, que além de ajudarem na estabilidade do bioma, alimentam aves, animais e humanos”, alerta.

Os professores destacam que os gestores responsáveis pela limpeza das praias da região oceânica podem agir na regulamentação, orientação, educação e fiscalização para o uso adequado da área da faixa de areia e restinga. “Também é preciso haver controle do lançamento de lixo, além da preservação, proteção e reconstituição da restinga com espécies nativas. De maneira mais abrangente, é responsabilidade do município implementar formas de banir o uso de plásticos nas praias. Se descartáveis, canudos, talheres e copos podem ser de papelão ou madeira de reflorestamento. Esses itens ainda podem ser de metal, vidro ou louça, para serem reutilizáveis. Certamente a natureza preservada agradecerá em dobro o investimento feito”, garantem os biólogos.

Garimpeiros do mar: ressacas marítimas atraem pessoas à procura de objetos de valor

A restinga é uma área que deve ser protegida, mas em vez disso acaba servindo como acesso à faixa de areia, ou sendo utilizada para guardar pertences de usuários, como banhistas, esportistas e comerciantes. Nesse processo de usar a praia como depósito, muitas coisas podem se perder no local, inclusive peças de valor. A maré de uma ressaca também traz de volta esses objetos perdidos em tempos distintos, em meio ao lixo de plásticos e embalagens.

“Os chamados garimpeiros do mar existem há muitos anos e povoam as praias depois que uma ressaca vem. Quando o declive da praia muda, muita coisa que estava perdida no mar é jogada de volta na areia. Antigamente, pessoas mais humildes faziam esse tipo de garimpo com um cabo de vassoura e um ímã amarrado na ponta. Elas iam atrás de cordões, anéis, pulseiras e outros objetos metálicos que pudessem ter valor comercial. Certos objetos são facilmente detectados dessa forma, como moedas antigas, que nos dias de hoje podem até ser itens valiosos para colecionadores”, conta Bernardo.

Segundo os professores, atualmente os garimpeiros usam detectores de metais profissionais e existem pessoas que vivem dessa atividade. “Quando objetos que estavam enterrados em pontos mais fundos no mar são lançados à superfície, os garimpeiros do mar aparecem, pois podem encontrar mais coisas. Na última ressaca, esse mês, na praia de Camboinhas, muitos deles chamaram a atenção dos locais”. Bernardo e Abílio reforçam que é melhor não guardar pertences pessoais na restinga das praias. “Além da possibilidade de perdê-los, você pode ser responsável por gerar mais lixo que ficará escondido na vegetação da restinga. Saber usar a praia também colabora para produzir menos sujeira em ressacas futuras”, concluem.

Pular para o conteúdo