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UFF inaugura projeto de assistência a trabalhadores

“Caminhos do Trabalho” oferece auxílio médico, psicológico e jurídico na região Sul Fluminense e Niterói
Mesa de abertura do projeto “Caminhos do Trabalho”. Créditos: Janine Avellar

 

A saúde do trabalhador e o adoecimento laboral são temas de grande importância no universo do trabalho. Conforme indica a Fundação Jorge Duprat Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a ocultação de acidentes e doenças ocupacionais produz impactos negativos para a sociedade, a exemplo da falta de assistência aos próprios  trabalhadores lesionados que estão em busca de seus direitos. Em paralelo, a subnotificação dificulta a análise, a avaliação, o planejamento e a adoção de políticas públicas eficazes.

Atenta a essa realidade, a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Fundacentro firmaram, na última quinta-feira (10), uma parceria através do projeto “Caminhos do Trabalho”. A iniciativa visa mapear e combater a ocultação e subnotificação dos acidentes e adoecimentos ocupacionais no território do Médio Paraíba e Niterói, e transmitir gratuitamente orientações sobre atendimento médico, assuntos jurídicos e acolhimento psicológico a trabalhadores de Niterói, de Volta Redonda e da região Sul Fluminense que tenham sido vítimas de acidentes, agravos e adoecimentos relacionados ao trabalho. 

Entre as ações ofertadas pelo projeto, existe a avaliação da correlação entre o agravo e o adoecimento com o trabalho, a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ou outros documentos e relatórios ocupacionais pertinentes a cada caso, além de apoio jurídico trabalhista e previdenciário. Os trabalhadores podem acessar os serviços por meio de WhatsApp e e-mail específicos do projeto. Inicialmente, os atendimentos serão realizados de forma híbrida (presencial e/ou online), a depender da localidade do(a) trabalhador(a).

“O projeto se encaixa no contexto de oferecer suporte a trabalhadores e gerar dados reais sobre doenças e acidentes relacionados ao trabalho. Não podemos ignorar que o Brasil, desde os anos 1970, destaca-se negativamente como um dos países com mais acidentes de trabalho no mundo”, explica o professor do Departamento de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFF (ICHS/UFF) e coordenador do projeto na universidade, Bruno Chapadeiro Ribeiro.

Vitor Filgueiras, coordenador do projeto na Fundacentro explica que o “Caminhos do Trabalho” faz parte de um programa nacional, que forma uma rede de universidades coordenadas cujo núcleo é o combate à ocultação desses casos. “A ocultação e a subnotificação de agravos e doenças ocupacionais são processos estruturais e profundos no mercado de trabalho brasileiro. Estima-se que quase 90% dos casos sejam omitidos pelas empresas e dessa forma elas se eximem de responsabilidades trabalhistas e previdenciárias”.

Todos os trabalhadores que precisarem reconhecer seus agravos de saúde, independentemente do vínculo formal ou informal, mas assalariados, podem ser atendidos pelo projeto. Embora não realize atendimentos periódicos, a iniciativa oferece assistência para encaminhamentos na rede de saúde e assistência social, abrindo canais de comunicação e auxílio que muitas vezes não são disponibilizados pelas empresas. “Esse serviço é crucial para reconhecer e documentar acidentes e doenças do trabalho, ajudando a combater a falta de dados reais”, acrescenta o pesquisador.

Chapadeiro destaca que a iniciativa pretende suprir lacunas na assistência à saúde dos trabalhadores na região Sul Fluminense e em Niterói, além de promover a integração de diferentes atores sociais, gerando dados que não apenas ajudem na assistência imediata, mas também contribuam para mudanças estruturais nos ambientes e processos de trabalho, enfrentando as causas dos problemas de saúde.

Coordenador e discentes participantes do projeto “Caminhos do Trabalho”na UFF de Volta Redonda. Créditos: Janine Avellar

“Nossa expectativa é que, ao replicar em Niterói, Volta Redonda e região esse projeto que já vem dando certo em outros lugares do Brasil, seja possível trabalhar com bases de dados primárias e secundárias, a fim de promover um atendimento técnico mais sistemático e que a produção acadêmica e de informação seja consistente, além de atuar na formação de profissionais capacitados de diversas áreas através da universidade”, acrescenta Filgueiras.

Perfil de adoecimento e agravo ocupacional em Volta Redonda

Segundo pesquisas preliminares feitas pelo professor Bruno Chapadeiro Ribeiro, a partir dos dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança (SmartLab SST) do MPT com a OIT, entre 2012 e 2022 a Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) teve um total de 841 ocorrências notificadas e de 242 sem emissão de CAT, ou seja, são 28,8% de casos subnotificados. Os setores econômicos com mais ocorrências são os de produção de laminados e plano de aço (18,6%), seguido de atividades de atendimento hospitalar, com 13,2%. 

Dentre as ocupações, os técnicos de enfermagem (8,31%), seguidos dos mecânicos de manutenção (6,74%) e operadores de máquinas fixas (5,6%), foram os mais notificados nas CATs. Além disso, os agentes causadores dos acidentes foram, em sua maioria, veículos rodoviários motorizados (28,6%), seguidos de motocicletas (17,1%) e fornos, estufas ou aquecedores (11,4%).

Em relação aos afastamentos trabalhistas por acidentes ou agravos que geram os benefícios previdenciários B91 – acidente relacionado ao trabalho – e B31 – acidente não relacionado ao trabalho -, entre 2012 e 2022, em ambos os tipos, homens entre 25 e 29 anos com a ocupação de faxineiro constituem o perfil com maior número de casos (5,38%). Já o Código Internacional de Doenças (CID) que fundamenta essas licenças estão relacionados, em sua maioria, ao CID-M54 (Dorsalgia), com 13,1% e ao CID-S62, (Fratura do punho ou da mão), com 7,92%.

Complementam, ainda, dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde, que registram, entre 2007 e 2022, na cidade de Volta Redonda, 2.449 casos em que a exposição a material biológico é o maior motivo de agravos (44,5%), seguido por Lesão por Esforços Repetitivos (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), com 22,6%, e Acidente de Trabalho Grave (21,2%).

Para Chapadeiro, esse cenário específico da cidade pode ser explicado pela presença da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e os problemas de mais de duas décadas causados por rejeitos químicos depositados pela empresa. “Pesquisas anteriores já constataram que tanto moradores como trabalhadores da indústria estão sendo expostos a elementos potencialmente tóxicos. Contudo, a região ainda enfrenta desafios para coletar essas informações, e, nesse ponto, o projeto pode ter um papel importante para a melhoria do panorama dos dados ao facilitar o acesso dos trabalhadores aos serviços públicos”.

“Caminhos do Trabalho” é parte de programa nacional

O projeto “Caminhos do Trabalho” existe desde 2017. Iniciado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), integra o Programa de Extensão “Intersetorialidade e combate à ocultação do adoecimento ocupacional no Brasil” criado pela Fundacentro. A iniciativa já conseguiu ganhos significativos na luta contra a subnotificação, especialmente no reconhecimento da necessidade de alteração de benefícios previdenciários para trabalhadores acidentados por afastamentos comuns não relacionados ao trabalho e para trabalhadores com acidentes ou doenças diretamente relacionadas ao ofício. As principais diferenças observadas entre os benefícios previdenciários podem ser observadas no quadro a seguir:

Créditos: Instituto Nacional de Seguro Social (INSS)

Em 2023 o projeto foi estendido para todas as regiões do Brasil. Até agosto desse ano, a iniciativa já havia atendido 332 pessoas em nove estados: Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. A maioria dos atendidos reclamou de não reconhecimento do benefício errado, mas, após os atendimentos realizados, constatou-se a relação entre agravo e trabalho em 86% dos casos, com emissão de CAT pelo projeto em 50% daqueles em que houve a identificação.

Atualmente, as atividades acontecem em parceria com 15 universidades públicas do país, distribuídas nos estados nove estados mencionados, e também conta com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).

 

Para acessar o projeto através da UFF entre em contato com o número (24) 99228-9070 ou pelo Instagram: http://instagram.com/caminhosdotrabalhouff 

 

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Bruno Chapadeiro Ribeiro é Psicólogo (2009) e Mestre em Ciências Sociais (2013), Doutor em Educação (2018) com período sanduíche na École des hautes études en sciences sociales (EHESS/Sorbonne) em Paris, França e Pós-doutor em Saúde Coletiva. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF) e tem experiência na área de Psicologia Social do Trabalho atuando principalmente nos seguintes temas: Saúde do Trabalhador; Saúde Mental Relacionada ao Trabalho; Perícias psicológicas em saúde mental e trabalho; Assédio Moral no Trabalho; Riscos Psicossociais do Trabalho; Psicopatologias do Trabalho; Nexo Causal.

 

Por Fernanda Nunes
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