O ano de 2020 tem sido de superação para muitos de nós. Já estamos em setembro e o mundo continua na corrida para combater o novo coronavírus. O controle da doença também não tem sido muito eficaz em alguns países, já que o crescente número de infectados e mortos ainda é uma realidade. Em meio a tudo isso, existem pessoas: crianças, pais, famílias, colegas de trabalho, amigos. Existe vida, lazer, redes de relacionamento. Como manter a sanidade mental frente a tudo isso?

No mês em que todo ano se discute sobre suicídio e saúde mental, vamos debater essa temática do ponto de vista do atual momento, em que muitas pessoas, inclusive nós servidores, continuam isoladas nas suas casas por receio de se contaminar ou para proteger os familiares que estão no grupo de risco. Para além desse fato, existem ainda aqueles que perderam seus entes queridos e ainda estão lidando com a dor. Confira a entrevista sobre o tema com o psiquiatra Jairo Werner, da Faculdade de Medicina da UFF.

1. Setembro é o mês em que se fala muito sobre suicídio e ações preventivas. Como proteger a nossa sanidade mental frente a esse cenário de pandemia?

O nosso corpo e a mente são indivisíveis e vivemos em permanente tensão entre o biológico e o social. Muitas vezes não nos damos conta que, diante de experiências novas e contextos extremos – guerras, epidemias, ambientes inóspitos – podemos ficar com o nosso funcionamento psíquico muito modificado. Nesse sentido, é preciso reconhecer que dificuldades emocionais são frequentes e as manifestações psíquicas devem ser consideradas como sinais de luta e não representam, por si só, doença ou fraqueza.

2. Quais principais transtornos mentais têm se revelado neste período e como saber qual o momento de pedir ajuda?

O mais comum é apresentar sinais de ansiedade e estresse. O humor, popularmente chamado de “estado de espírito”, também pode apresentar variações. Quando o humor está rebaixado ou deprimido é percebido como baixa energia, desânimo, apatia e irritabilidade. Aumento das alterações no estado de humor estão sendo identificadas durante a pandemia. O ideal é receber orientação profissional adequada sempre que for necessário, buscando ajuda especializada, caso se sinta em estado de intensa ansiedade, pânico, humor muito para baixo, choro frequente, agitação excessiva, explosões de ira, insônia, perda da vontade de viver, isolamento, incapacidade de relaxar, de se divertir, de pedir e de aceitar apoio. O aumento do uso de álcool e outras drogas, incluindo o tabaco, para diminuir sentimentos de ansiedade, angústia ou tristeza, ideias de suicídio e desesperança são sinais para procurar ajuda médica urgente.

3. A dinâmica das famílias mudaram. Crianças em idade escolar em casa e muitos pais em home office também. Quais as consequências do isolamento para o relacionamento interpessoal de bebês e crianças?

Há diferenças significativas entre as famílias, pois vivem em contextos diferentes, mesmo antes da pandemia. Muitas crianças das camadas populares, por exemplo, foram para rua brincar com as outras crianças, pois, não têm espaço em casa e nem contam com alternativas à ausência da escola. Já as crianças de classe média se voltaram mais para jogos eletrônicos e telas. Há casos preocupantes de desregulação de humor e desistência da criança e do adolescente em acompanhar as atividades escolares online. Ainda é cedo, entretanto, para falar das consequências psíquicas permanentes do isolamento, a longo prazo, sobre as crianças. Considero que vai depender, principalmente, das interações e mediações da família e da escola, no pós pandemia. O comportamento da criança sempre irá refletir o estado emocional e as condutas dos adultos. No momento, é importante observar que as falhas pedagógicas da casa e da forma de ensinar das escolas ficaram mais evidentes e precisarão ser mais bem direcionadas.

4. Situações difíceis, como essa que vivenciamos atualmente, deixam marcas e também aprendizados. No que tange à saúde mental da população, quais aspectos positivos você destacaria diante desse contexto?

Aprender com a pandemia a localizar melhor as nossas verdadeiras necessidades, reconhecendo que os nossos sintomas – de estresse, ansiedade e depressão -, muitas vezes representam sinais de alerta, de luta e não são fraquezas. São defesas necessárias ao nosso crescimento e trabalham em prol do nosso organismo e do desenvolvimento da nossa personalidade. Muito preocupante também é quando o indivíduo não sente que está em risco, precisando de ajuda, negando para si mesmo o que está sentindo.

5. Muitas pessoas continuam em isolamento social, embora algumas cidades já tenham afrouxado as suas medidas de contenção. Quais as consequências desse longo processo de isolamento em um futuro próximo, ainda mais quando voltarmos à normalidade e nos depararmos com coisas básicas do cotidiano para além dos paredes de nossas casas?

Mudanças no plano familiar, escolar e social já passaram a vigorar, desde já, mesmo que ainda não as percebamos completamente. Ainda que algumas novas formas de viver não venham a se consolidar, todos estamos e seremos modificados. Depois de experiência tão significativa como a da pandemia, o social muda, o cultural se transforma e o indivíduo vem a reboque, queira ou não, mesmo que procure resistir, consciente ou inconscientemente. Tem gente que é mais rígida e busca manter seus “antigos personagens” a todo custo, havendo, com isso, o risco de formação de neuroses, agindo como tapa buraco entre o desejo e a possibilidades do sujeito. Surgem, nesse caso, novos alertas na forma de sintomas. Em recente viagem de pesquisa à Antártica, pude constatar, de forma intensa como o isolamento e o confinamento exigem “mudanças de personagem” para sobreviver e se relacionar com os outros expedicionários. Aqui e agora, portanto, devemos aproveitar a ocasião para  construir e fortalecer nossos novos personagens e viver da melhor forma possível!

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