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Maternidade e mídias sociais: Pesquisa avalia relatos sobre a vida de mulheres com ou sem filhos no mundo digital

Estudo aborda o fenômeno da maternidade a partir das experiências compartilhadas por mães e não mães nas redes sociais

Com o objetivo de entender como as narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade circulavam pelos espaços virtuais, como quais disputas e conflitos com relação à maternidade ou à vida sem filhos eram divulgados, Ana Luiza de Figueiredo Souza, doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF), desenvolveu a pesquisa “‘Me deixem decidir se quero ou não ser mãe!’: Narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade nas mídias sociais”. Em 2022, a dissertação da autora, nessa mesma linha de pesquisa, deu origem ao livro “Ser mãe é f*d@!: Mulheres, (não)maternidade e mídias sociais”, publicado pela editora Zouk, que preenche uma lacuna de publicações sobre o fenômeno da maternidade on-line, além de destacar o “lado b” dela, ao tratar dos aspectos negativos e das expectativas que surgem sobre as mães.

Figueiredo explica que para a construção da pesquisa analisou postagens publicadas no Facebook e em diferentes blogs, que tratavam sobre maternidade ou sobre a vida sem filhos e, a partir dessas publicações, observou que cada uma levava a um aspecto diferente da maternidade. “Durante a pesquisa, analisei os principais comentários das mulheres nas postagens escolhidas para entender quais construções e disputas de sentido surgiam, como um lado enxergava o outro e quais valores circulavam pelas mídias sociais”, explica. “Na época, notei que essa discussão estava mais expressiva no Facebook, depois tivemos uma mudança no final de 2020 para o Instagram, porque vários criadores de conteúdo saíram de uma plataforma para a outra e, naturalmente, as pessoas migraram em maior volume para o Instagram”, comenta a doutoranda.

Segundo a autora, a maternidade é um aspecto que, desde cedo, é relacionado às mulheres, que “praticamente são treinadas para ocupar esse papel materno”. Para ela, existe uma expectativa da função materna sobre as mulheres de modo geral, que se expressa de maneiras distintas considerando os diferentes recortes femininos. “É no meio desse fenômeno de mulheres usando as redes para falarem de maternidade que surge a pesquisa, até como uma tentativa de não apenas trazer esse tema para a academia, mas também pensando na troca. Algo que reparei é que as mulheres que sabiam da existência do estudo davam muito valor para isso e perguntavam pelos resultados quando fosse concluído”, analisa. “Digo que nós, mulheres, somos bem carentes de fala, então noto que, nos trabalhos dedicados a trazer falas de mulheres para mulheres, costuma haver uma adesão muito grande. Como a maternidade é tão fundamental na vivência feminina, em termos de ser uma das nossas principais referências, senão a principal, acredito que a junção desses fatores fez que a pesquisa fosse muito bem recebida”, acrescenta.

Com relação ao que foi encontrado sobre a maternidade — ou a não maternidade, no caso de mulheres que não possuem o desejo de serem mães ou não conseguiram ter filhos —, o primeiro aspecto apontado pela pesquisadora é a pluralidade de experiências. Ela explica que, geralmente, quando se pensa tanto em mães quanto em mulheres sem filhos, as pessoas tendem a interpretá-las como um único bloco identitário, ou associam a elas uma série de características que tendem a ser muito mais complexas do que os estereótipos demonstram.

Outra observação comentada pela pesquisada são contradições pontuadas pelas próprias participantes da pesquisa, como na famosa frase “Amo meu filho, mas detesto ser mãe”. “É um paradoxo porque você só ama o seu filho e tem essa relação com ele por ser mãe. Se você fosse tia, avó ou madrinha, haveria amor, mas seria uma relação diferente. É a maternidade, com seu enorme peso simbólico e cultural, vivenciada nesse lugar único, de uma só mãe para um ou mais filhos, que concede esse tipo de relação”, explica. A maternidade também surge com uma série de renúncias que as mulheres, por mais que desejem ser mães, em muitos casos não estão preparadas para fazer ou mesmo não querem fazer, o que ela define como “paradoxo materno” — “são desejos conflitantes, e por isso sua coexistência dentro da mesma mulher é paradoxal”.

No estudo, também é destacada a alta cobrança sobre as mulheres que são mães, considerando a cultura de alta performance em que estão inseridas. “A maternidade de alta performance seria justamente o caso em que a mãe, por mais que se prepare e dê o seu melhor, ainda vai ser cobrada, e se sentir internamente cobrada, para fazer mais. Além disso, vivemos na cultura do consumo, em que somos obrigados a sempre escolher algo”, argumenta. “O mercado nos apresenta uma série de opções e, a depender da condição que temos, principalmente financeira, podemos optar por elas ou não, mas o que acontece é que somos estimuladas, até pressionadas, a querer vivenciar todas essas possibilidades de uma vez. Você quer estar com o seu filho o máximo de tempo possível, mas você também quer se afastar e ter tempo só para você. Ou você está decidida a permanecer sem filhos porque a maternidade não combinaria com seus planos, mas quer receber uma atenção especial no Dia das Mães”. Muitas vezes, esses quereres são incompatíveis.

Figueiredo também avalia que o abismo entre mães com diferentes capacidades econômicas tem se mostrado cada vez maior. A doutoranda comenta dos “rituais” que surgem a partir da cultura do consumo e da alta performance, refletidos na conduta de algumas influenciadoras digitais, que vão desde o ensaio realizado com o bebê recém-nascido à prática de comemorar cada mês de vida, os chamados “mêsversários”, durante o primeiro ano da criança. Para ela, isso provoca uma demanda sobre as mulheres para participarem dessas novas tendências, especialmente porque compartilhar desses costumes demonstra o quanto se importam com seus filhos. “Isso vira mais uma influência, e tem um lado que acredito ser muito desgastante e custoso para as mães também”, analisa. “Você cria uma série de demandas sobre a maternidade que são o tempo inteiro reforçadas pelo tipo de conteúdo produzido pelas mães que você acompanha nas mídias sociais. Isso gera ainda mais parâmetros de maternagem, com a diferença crucial de que as influenciadoras recebem para produzir esse tipo de conteúdo, ao contrário da maioria das mães”.

Além disso, a pesquisadora afirma que, nas dinâmicas de debate on-line nas mídias sociais, não é necessariamente o lugar que aquela pessoa ocupa enquanto mãe ou mulher sem filhos que valida o argumento que ela divulga, mas sim aquilo que ela compartilha. Figueiredo apresenta como exemplo que, em uma discussão sobre os desafios da maternagem, mães que contam que sua rotina materna “não é tão complicada” terão maior rejeição do que mulheres sem filhos que comentam que ser mãe é muito difícil. “O que percebi é que não é tanto o fato de você ser uma mulher com filhos ou sem filhos naquela discussão que vai fazer você ser mais ou menos levada a sério, o que importa é o quanto o que você diz conversa com a pauta e com o tipo de posicionamento de quem está discutindo aquele assunto. No fim, temos mais uma confirmação de que as mídias sociais, embora muitas vezes passem o discurso de conectar diferente pessoas, com diferentes perspectivas, trabalham para conectar semelhantes”, conclui.

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Ana Luiza de Figueiredo Souza é mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (PPGCOM-UFF), na linha de Estéticas e Tecnologias da Comunicação. É bacharela em Comunicação Social pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ), habilitada em Publicidade e Propaganda. Integra os grupos de pesquisa MiDICom (UFF/CNPq) e Comunicação, Gênero e Desigualdades (UFSM). É gestora no GP Tecnologias e Culturas Digitais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).

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