A Universidade Federal Fluminense realiza um trabalho de divulgação científica de pesquisas envolvendo a língua de sinais, em diferentes áreas do conhecimento, principalmente na sua página oficial. Como um dos principais agentes nesse movimento, o projeto de extensão “Libras em Saúde”, coordenado pelas professoras Gildete Amorim e Tatiane Militão, do Departamento de Letras Clássicas e do Instituto de Saúde Coletiva respectivamente, visa melhorar a qualidade de acesso à saúde por parte das pessoas com surdez, surdos sinalizadores — usuários de línguas de sinais — e pessoas com deficiência auditiva. Através de cursos, simpósios, seminários, minicursos e palestras, a Liga Acadêmica de Libras em Saúde, associação científica que une alunos e professores que compõem o projeto, além de trabalhar a interdisciplinaridade no ensino, busca promover uma melhor relação entre futuros profissionais da saúde com os pacientes surdos para aperfeiçoamento da prática clínica.
“De acordo com o IBGE, mais de 10 milhões de pessoas têm algum problema relacionado à surdez no Brasil”
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), que divulgou estatísticas sobre os surdos no Brasil, em 2010, mais de 10 milhões de pessoas têm algum problema relacionado à surdez, ou seja, 5% da população é surda no Brasil. Dessa forma, desenvolver dinâmicas de incentivo voltadas à educação de surdos e de futuros profissionais da saúde, que vão trabalhar com esse grupo, na perspectiva bilíngue — fazendo uso das libras e do português — , é essencial para reforçar a garantia dos direitos linguísticos, civis e educacionais deste público.
A consolidação de materiais educacionais em Libras no auxílio à inclusão de surdos
Na busca de promover a participação e o protagonismo surdo, o “Fórum de Libras: Linguística, educação, ciência e saúde”, evento online composto por palestras organizadas pelo projeto de extensão e transmitidas em seu canal no Youtube, tem repercutido positivamente a inserção desse debate na comunidade acadêmica. Um exemplo disso foi a apresentação sobre Lexicografia da Libras, ministrada pela professora Joyce Cristina Souza, mestra em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e convidada pelo projeto da UFF. O evento, que contou com uma audiência de 300 pessoas, tinha como intuito apresentar aos participantes a importância do investimento científico na disponibilização de materiais pedagógicos voltados para a língua de sinais.
O formato como os materiais educacionais de Libras têm sido organizados pouco beneficia os consumidores surdos – Joyce Souza
Além disso, mostrar novas perspectivas de investigação para o campo da literatura pedagógica com o uso de Libras, ainda em construção. O foco seria a produção de dicionários para uso escolar que atendam às especificidades linguísticas e culturais, bem como às necessidades educacionais dos estudantes surdos. “Ações como esta são capazes de mobilizar toda uma comunidade, que, unida pelo mesmo objetivo, ou seja, a qualidade da educação bilíngue deste grupo, pode ganhar coro e voz em outras instâncias que vão além dos muros da universidade, rumo a conquistas maiores, melhores e efetivas no âmbito de políticas públicas, linguísticas e educacionais para a população surda”, ressalta a professora.
No Brasil, os surdos constituem 3,2% da população, ou seja, trata-se de aproximadamente 5,8 milhões de brasileiros. Contudo, tradicionalmente, o campo da Lexicografia da Libras e seus materiais didáticos têm se constituído de obras majoritariamente voltadas para o público ouvinte, aprendizes da língua de sinais, que dominam o português e, via de regra, acessam os dicionários, glossários, manuais e/ou livros ilustrados para consulta dos sinais, suas respectivas pronúncias e, raras vezes, informações sobre o uso dos sinais consultados. “O formato como os materiais educacionais de Libras têm sido organizados pouco beneficia os consumidores surdos, isso porque, na maioria das vezes, os conteúdos são colocados somente em português e também faltam informações sobre eles (definição, marcas de uso, entre outros exemplos) em Libras. Assim, é inviabilizado o aprendizado completo do surdo ou de profissionais diversos no país. Deste modo, a organização de materiais lexicográficos que atendam às demandas desses estudantes é urgente”, explica Joyce Souza.
De acordo com a professora: “A Lexicografia é uma ciência e também uma prática inter e transdisciplinar, que abarca o campo da saúde e pode gerar produções interessantes para a comunidade acadêmica e os profissionais da área. Deste modo, a palestra abre margem para a discussão e reflexão sobre as práticas lexicográficas e possíveis impactos na formação de futuros profissionais na apropriação e compreensão do léxico da Libras no contexto clínico e na interação com os pacientes surdos sinalizantes”.
Dentre os possíveis desdobramentos da palestra que trariam vantagens para as comunidades acadêmicas, um deles é o fomento à produção de instrumentos linguísticos (dicionários e glossários) adequados para públicos com demandas específicas de aprendizagem. A professora afirma que esse é o caso dos estudantes da área da saúde, ouvintes interessados na Libras como L2 (segunda língua) ou LA (língua de acolhimento), ou dos estudantes surdos da educação básica, que carecem de materiais de apoio que os aproximem da realidade linguística imposta pelo bilinguismo vivenciado por eles. “Promover espaços de troca e compartilhamento de informações e conhecimento científico desta natureza é de grande importância não só para as comunidades acadêmicas, como também para as comunidades surdas de modo geral”.
A professora afirma ainda que, no âmbito das políticas públicas, “é de suma importância que o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) olhe para esta questão e fomente a implementação de critérios, tais como os apresentados para os dicionários monolíngues”. Assim, apesar de dificuldades como a participação e o protagonismo surdo na organização de dicionários de Libras e no campo da Lexicografia como um todo, a expectativa seria de que novas tipologias de dicionários sejam instauradas, respeitando sobretudo o nível linguístico e de escolaridade dos estudantes surdos, e de que ocorram mais ações pedagógicas com futuros profissionais da saúde. Dessa forma, seria possível capacitar essas pessoas para a prática clínica com a população surda.