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Marlene Pinto Mendes: uma campeã em dois tempos

Olimpíadas 2016

O ano de 1933 foi marcado por acontecimentos nas mais diversas áreas. Nos Estados Unidos, Franklin Roosevelt dava início ao New Deal – conjunto de medidas econômicas e sociais que tinham como objetivo recuperar a economia do país após a crise de 1929. Na Alemanha, Adolf Hitler era nomeado chanceler. No Brasil, Tarsila do Amaral pintava a obra “Operários”, um marco modernista. Já no Rio de Janeiro nascia a futura campeã mundial da categoria Master de natação, Marlene Pinto Mendes. Além de nadadora, foi aluna e professora da UFF por 20 anos, onde cursou todo o ensino superior e trabalhou até se aposentar em 1991.

O primeiro contato de Marlene com a natação foi muito cedo, aos 6 anos. Seu pai, Erlon Pereira Pinto, remador do Vasco da Gama, a levava à Praia de Icaraí e improvisava uma piscina colocando raias no mar para ensiná-la a nadar. Treinando duas vezes por dia, de manhã e à tarde, os resultados logo apareceram. Em 1947, aos 13 anos, foi convocada para representar o Brasil no Sul-Americano de Natação da Argentina. “Fui vice-campeã nos 200 metros costas e, por ser a mais nova da delegação brasileira, recebi um beijo de Evita Perón, então primeira dama do país sede da competição”, relata a nadadora.

Apesar da pouca idade, a nadadora mantinha a dedicação ao esporte. Aos 18 anos, participou, em março de 1952, de mais um Sul-Americano, dessa vez em Lima, no Peru. Foi campeã na modalidade costas e ainda se classificou para as Olimpíadas de Helsinque, na Finlândia. Mas, no meio de tantas conquistas, uma situação ficou marcada para sempre: Marlene ficou em Lima com alguns membros da delegação, além do previamente combinado com a sua família. A quebra do compromisso levou sua mãe, Julia Damiani Pinto, a penalizá-la meses depois.

Com a aproximação das Olimpíadas de Helsinque, em julho do mesmo ano, era necessária uma tomada de decisão: deixá-la ir ou não? Depois do ocorrido em Lima, Julia optou por não permitir a participação da filha. Nem a visita do Comitê Olímpico em sua casa a fez mudar de ideia. “Ela tinha medo que eu fugisse. Fiquei muito decepcionada, chorei muito, mas não adiantou: minha mãe se manteve irredutível. E meu pai preferiu se omitir”, recorda Marlene.

Marlene e seu primeiro técnico e pai, Erlon Pereira Pinto

Não participar das Olimpíadas causou efeitos negativos, mas também positivos. Como forma de protesto, Marlene parou de nadar. Resolveu, então, focar em outra área de que também gostava muito: a língua inglesa. “Não sei de onde veio a ideia, mas aos 7 anos comecei a aprender inglês. Minha mãe, que não tinha nem curso primário, depois de muita insistência, me matriculou na Cultura Inglesa. Ali encontrei minha vida”, relembra.

Foi então que, em 1954, decidiu levar o seu inglês para o nível acadêmico. Começou a cursar Letras Anglo-Germânicas na antiga Faculdade Fluminense de Filosofia, uma das dez unidades que formariam a Universidade Federal Fluminense em 1960. Com o diploma em mãos, continuou no mesmo ramo. Foi professora da Cultura Inglesa, do Liceu Nilo Peçanha e da UFF. “Fui professora em todos os lugares onde estudei”, ressalta Marlene.

Foi também na graduação que conheceu Jorge Gandra Mendes, professor de Latim, Português e Filosofia, com quem se casou em 1958 e teve quatro filhos: Lenora (1961), Lena (1962), Leonardo (1964) e Leandro (1966). Cabe destacar que todos os filhos de Marlene têm ou tiveram algum vínculo com a UFF. Lenora e Leandro são doutores pela universidade e integram o conjunto Música Antiga da UFF. Já Lena se graduou em Cinema, fez mestrado e doutorado na instituição, além de ser diretora de Produção da universidade, enquanto Leonardo, doutor pela Universidade do Texas, fez graduação em História e Letras e foi historiador, no período de 1984 a 2005.

A partir de 1966, Marlene optou pela alimentação natural. No primeiro momento, foi macrobiótica e, a seguir, vegetariana, linha que segue até hoje. Seus hábitos saudáveis se estenderam aos filhos, que também foram orientados a praticar um esporte. “Como é uma atividade física completa, coloquei os quatro na natação. Mas só o caçula levou um pouco mais à frente”, relata a nadadora. Com 14 anos, Leandro foi finalista estadual nos 200 metros borboleta, costas e medley.

Família unida para a foto. Da esquerda para a direita, Márcio Selles (seu genro e integrante do Música Antiga da UFF), Lenora, Lena, Marlene, Leonardo e Leandro

O reencontro com a natação

Levando as crianças para treinar no Clube de Regatas Icaraí, o mesmo que a recebeu na juventude, Marlene se reencontrou com a natação após 25 anos e percebeu que a mágoa que sentia já havia passado. Ela entendeu que poderia retornar ao esporte que tanto amava, mesmo com 43 anos. A gradativa volta aos treinos foi o complemento perfeito para seus hábitos saudáveis. A disciplina, sempre presente em sua vida, se fez mais uma vez essencial. Passou cinco anos treinando e melhorando sua condição física até voltar a competir em 1981.

A Associação Brasileira de Masters de Natação (ABMN) começou sua história em 1984. A categoria já existia nos Estados Unidos e chamou a atenção de alguns treinadores e ex-nadadores brasileiros. Um anúncio no Jornal do Brasil dizia: “Se você já passou dos 30 e ainda se acha com disposição para disputar um campeonato de natação, procure a Federação Aquática do Rio de Janeiro”. A princípio, as competições disputadas eram de curtas distâncias, mas tamanha era a disposição dos participantes que as provas longas também viraram uma opção.

Devido à grande procura de atletas a partir dos 25 anos, criou-se a natação Master para nadadores dessa idade em diante. Dividida em subcategorias, é organizada em grupos delimitados por uma faixa etária de cinco anos e os campeonatos mundiais são disputados a cada dois anos. Em 1990, foi a vez do Rio de Janeiro ser o anfitrião. Nadando em casa, Marlene chegou ao pódio em quatro provas diferentes, ganhando o ouro em duas delas.

Uma das sócias-fundadoras da ABMN, Marlene Pinto Mendes, foi a quinta pessoa a se associar e foi uma das organizadoras das competições de Masters no Brasil e no exterior. Desde que voltou a competir, acumula em torno de 500 prêmios e muitas histórias marcantes. Em uma dessas passagens curiosas, seu filho Leandro Mendes conta que a mãe foi à Austrália em 1988 participar de uma travessia de 5 km em mar aberto: “Ela diz que chegou em primeiro porque alguma coisa agarrou em sua perna e ela não conseguia tirar. Isso a fez nadar mais rápido e acabou ganhando no final”.

A segunda chance no esporte certamente foi bem aproveitada. Marlene se tornou colecionadora de troféus, medalhas e viagens. Com a natação, conheceu boa parte do mundo. “Tive que adiar meu casamento porque mamãe estava no Japão competindo”, relembra Leandro. Sua especialidade era o nado de costas. Ainda pertence a ela o menor tempo mundial na prova, na classe 70 anos, pela Federação Internacional de Natação (Fina). Além disso, em 1999, foi homenageada com um troféu que levava seu nome no campeonato 7º Masters Mais Mais de Curitiba.

Em 2014, Marlene Pinto Mendes, que por 20 anos esteve entre as dez melhores nadadoras Master do mundo (ver tabela abaixo), encerrou sua carreira como competidora, mas sua intenção é continuar sempre treinando. “Com o meu retorno à natação Master, consegui amenizar a enorme mágoa de não ter participado da Olimpíada de Helsinque, e foi nessa nova fase que conquistei meus maiores títulos. A natação será para sempre parte da minha vida”, conclui.

Posições no ranking ao longo dos anos:

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