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Renda Básica de Cidadania: pesquisadores da UFF participam da ampliação de projeto social pioneiro em Maricá

Sancionada em janeiro de 2004, a Lei 10.835 procurou mudar o cenário de desigualdades sociais no Brasil ao instituir um programa garantindo benefício monetário anual para brasileiros residentes e estrangeiros residentes há, no mínimo, cinco anos no país. No entanto, a iniciativa ainda não foi aplicada em nenhum município, com exceção de Maricá, cidade do estado do Rio de Janeiro, onde o Programa Renda Básica de Cidadania (RBC), projeto operacionalizado pela Secretaria de Economia Solidária do município, oferece apoio econômico para as famílias maricaenses. A renda é concedida na forma de uma moeda social (denominada mumbuca, em homenagem ao principal rio que abastece a cidade), de uso local e administrada por um banco comunitário.

Diferentemente dos outros programas de distribuição de renda no Brasil, como o Bolsa Família, os benefícios do RBC são oferecidos através dessa moeda social, a Mumbuca (com paridade de 1 para 1 com o real), de forma que os gastos deverão ser feitos no próprio município – dinamizando, assim, sua economia. Até o momento, já há mais de 2 mil unidades comerciais cadastradas para receber pagamentos com a moeda social Mumbuca. Além disso, o programa é concedido de forma incondicional: de acordo com o professor Fábio Waltenberg, “para ter direito ao benefício (R$130 por pessoa), basta constar do Cadastro Único nacional, que inclui famílias com renda até 3 salários mínimos mensais e residir em Maricá há pelo menos três anos”.

Pensada primeiramente no século XVI pelo filósofo Thomas More, a Renda Básica de Cidadania é um sistema de proteção social que procura beneficiar monetariamente os cidadãos a fim de atender às despesas mínimas com alimentação, educação e saúde. De acordo com o estudo sobre mobilidade social realizado em junho de 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma família brasileira demora nove gerações para deixar a faixa dos 10% mais pobres e alcançar a renda média do país. Tal quadro reflete o cenário de disparidades sociais em que tanto o Brasil como outras nações do mundo estão inseridas em contexto histórico.

Países como Quênia e Finlândia utilizaram projetos-piloto do Programa de Renda Básica, mas a única experiência que se pode considerar como comparável à de Maricá em alguns aspectos é a do estado do Alasca (EUA). No Alasca, entretanto, embora toda a população residente seja beneficiária, o pagamento não é mensal e sim anual, o valor não é predeterminado e os benefícios não são pagos na forma de moeda social como em Maricá.

Tendo como foco a ampliação do programa, o Jain Family Institute (JFI), instituto de pesquisas privado de Nova York, financiará estudos para a avaliação do Renda Básica de Cidadania. “O benefício alcança 26 mil pessoas e será expandido para 52 mil em 2020, com, inclusive, intenção de expandir o programa a toda a população do município”, afirma Fábio Waltenberg, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretor científico da Rede Brasileira de Renda Básica. O pesquisador será coordenador de uma equipe brasileira que irá analisar o RBC, visto que a avaliação se enquadra nas atividades do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFF e do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento (Cede).

“Enquanto demandas, temos a contratação de empresas especializadas para a realização de surveys (pesquisas de mercado quantitativas) e entrevistas com beneficiários do programa, não beneficiários e também com figuras públicas da cidade de Maricá”, ressalta o coordenador. Além disso, a equipe também pretende aderir a um serviço de monitoramento sistemático das menções à política de RBC.

A etapa de elaboração do projeto está sendo realizada na UFF, em parceria com o JFI. Reuniões entre a equipe do instituto e docentes da universidade foram realizadas com uma posterior visita à Secretaria de Economia Solidária de Maricá e ao Banco Mumbuca, contando também com quatro alunos da UFF, que estão envolvidos no projeto desde a etapa preparatória. Com a coleta de dados programada para dezembro, “conforme se ampliem as fontes de financiamento, pretendemos incluir mais professores e alunos da universidade. Trabalhos de conclusão de curso e pesquisas sobre os mais variados temas poderão ser realizadas com os dados e informações que serão levantados ao longo dos 12 meses da pesquisa”, constata Fábio.

“É difícil prever o impacto de todos os fenômenos previstos sobre consumo pessoal, qualidade de vida, emprego, renda, demanda e produção. Daí a necessidade de investigá-los de perto”, Fábio Waltenberg

De acordo com a doutoranda em Economia na UFF Roberta Mendes e Costa, pesquisadores de Economia Social Aplicada estão acostumados a trabalhar com dados secundários – informações levantadas por outras pessoas ou instituições, como, por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Participar de um estudo no qual iremos levantar dados primários é uma experiência muito enriquecedora, pois possibilita trabalhar em todas as etapas de uma pesquisa aplicada: desde a elaboração do questionário, passando pela coleta dos dados, até a análise dos resultados”, constata.

“A pesquisa, no geral, tem por objetivo entender os efeitos que o programa RBC tem sobre diferentes aspectos da vida dos beneficiários, como o bem-estar, padrão de consumo, oferta de trabalho, percepções sobre políticas públicas e engajamento político”, sintetiza Roberta. O estudo também tenciona compreender as etapas de desenvolvimento e implementação do programa RBC, motivo pelo qual serão conduzidas entrevistas com os principais atores envolvidos nesse processo.

Por ainda estar em fase de implementação, a análise da ampliação da iniciativa se mostra uma etapa imprescindível para o sucesso do processo, sendo possível observar seus resultados iniciais em níveis individuais e coletivos. Acredita-se que os beneficiários ganharão com a segurança econômica proporcionada pela renda garantida, planejando melhor seus gastos e investimentos. “O aumento da renda domiciliar regular poderia também estimular as famílias a contratarem no mercado certos serviços de cuidados, como os de creches, asilos, babás, cuidadores de idosos e de portadores de deficiência, liberando mais profissionais da área a participarem do mercado de trabalho”, destaca Fábio.

Todavia, segundo o pesquisador, existem temores acerca da implementação do projeto. O mais comum se baseia na redução da jornada de trabalho que alguns profissionais poderiam aderir — ou até mesmo se demitirem — devido à concessão do benefício de forma incondicional e sem contrapartidas. “Também há certo temor sobre a inflação, visto que, no agregado, haverá mais dinheiro em circulação nas mãos dos maricaenses. Se isto ocorresse, e se a inflação atingisse produtos da cesta de consumo dos mais pobres, as pessoas teriam rendas nominais mais elevadas, mas seu poder de compra não aumentaria na mesma medida, correndo risco de cair”, alerta.

De acordo com Fábio, a participação da UFF posiciona a universidade como um importante centro de pesquisa, além de gerar possibilidades futuras de parcerias em estudos com outras instituições. Mesmo com algumas incertezas, o Programa Renda Básica de Cidadania é uma iniciativa pioneira frente a outros programas similares distribuídos ao redor do mundo, o que possibilita oportunidades únicas de pesquisa que irão contribuir para a literatura de Renda Básica. “É difícil prever o impacto de todos os fenômenos previstos sobre consumo pessoal, qualidade de vida, emprego, renda, demanda e produção. Daí a necessidade de investigá-los de perto”, finaliza.

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