Atualmente, existe o movimento de renovação da história com as narrativas daqueles que a fizeram, mas não a escreveram. Por isso, o Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da Universidade Federal Fluminense (UFF) possui o projeto “Niterói de todas as gentes: memória e comunidades de sentido entre o local e o global”. O objetivo da iniciativa é disponibilizar um banco de dados digital sobre a história da memória no Brasil, que inclui arquivos referentes à história de Niterói.
A história da memória é composta através dos questionamentos, que são feitos aos grupos sociais, sobre as representações do passado. A finalidade não é tornar a memória como um dado naturalizado, mas como a construção desses agentes. Nesse sentido, o Labhoi é referência em pesquisa sobre história da memória e tem o compromisso com a história das pessoas anônimas. Por meio do trabalho do laboratório, as pessoas comuns ganham rosto, nome e passam a ser reconhecidas como sujeitos históricos.
O projeto, coordenado pela professora Ana Maria Mauad, do Departamento de História da universidade, mapeou os arquivos sonoros, visuais e audiovisuais do acervo do Labhoi. Através dessa ação, que conta com apoio de verba parlamentar do ex-deputado federal Rodrigo Maia, foi possível desenvolver um banco de dados que inclui arquivos sobre a história de Niterói, com destaque para os registros da imigração (portuguesa, italiana e espanhola); festas e o carnaval; trabalhadores da construção naval; personalidades de relevância para a história da cidade (por exemplo, Carlos Ruas, Teresa DePlá, Baraúna e etc) e os eventos que a abalaram, como o quebra-quebra das barcas (1959) e o incêndio do Gran-Circus Norte-Americano (1961).
Foto: Público caminhando para as barcas de carga com destino a Niterói. Greve das barcas, outubro de 1959 / Créditos: Arquivo do Labhoi.
Além de disponibilizar o banco de dados, a ação promove a capacitação de profissionais de nível superior em metodologias para a produção do conhecimento histórico e manejo das fontes de memória, oferecendo bolsas de apoio técnico e de iniciação científica. A verba parlamentar permitiu investir em um servidor, com capacidade de armazenamento mais robusta, e na infraestrutura, com a montagem de um auditório multimídia para receber atividades da Graduação e Pós-Graduação em História. A iniciativa ainda visa a internacionalização do Labhoi-Arquivo por meio de um convênio com o Latin American Archives da Universidade de Pittsburgh, dos Estados Unidos.
De acordo com Mauad, aqueles que estudam e trabalham com a história da cidade sorriso, assim como a sociedade em geral, serão beneficiados com o projeto, que possui a preocupação de construir uma história local conectada à perspectiva mundial. “Nosso acervo vem sendo construído por diferentes comunidades de sentido. Outra questão que estamos desenvolvendo, e que o trabalho do projeto valorizou, é a dimensão de história pública: uma forma de produzir história em conjunto com a comunidade. A história pública surge como um meio da universidade estabelecer interlocução com os agentes sociais. Valorizamos não só o conhecimento produzido pelas fontes, mas também os sujeitos detentores dessas memórias compartilhadas conosco”, comenta Mauad.
Foto: Procissão na Ponta D’ Areia. Inauguração da Igreja Nossa Senhora de Fátima. Créditos: Arquivo do Labhoi.
A docente revela que o trabalho com Niterói está na origem da organização do Labhoi: “nossa relação com a cidade está na base das nossas atividades, principalmente porque atuamos na graduação em cursos instrumentais de história oral. Por isso, quando um integrante do Labhoi ministra o curso, trabalhamos com o tema ‘Niterói’. Então existe, sem dúvida, essa dimensão afetiva com a cidade.”
Por fim, o projeto fortalece o Labhoi como uma plataforma de produção de material de análise, arquivos de fontes orais, visuais, audiovisuais e instrumentos de pesquisa. O laboratório é um repositório que trabalha na renovação e discussão do uso das metodologias ligadas às fontes orais e visuais. Por isso, seu acervo é de domínio público, mas possui acesso restrito “porque envolve a vida das pessoas. Nós só liberamos o acesso mediante uma conversa. Possuímos uma série de cuidados e nos preocupamos muito com essa questão”, revela Mauad.
Foto: Ingrid Schmidt posa para foto no Clube Central / Créditos: Arquivo do Labhoi
No momento, o projeto está em andamento e com previsão de conclusão para 2024. Ele encontra-se na fase de desenvolvimento do acesso digital, criação de plataformas e protocolos de recepção de novos materiais. De acordo com Mauad, pertencer ao laboratório e divulgá-lo é importante porque ele é “referência na discussão de história oral no Brasil e no exterior. O Labhoi é, inclusive, verbete da Enciclopédia Oxford University. Além disso, quando divulgamos nosso trabalho, justificamos a nossa existência em um momento em que a universidade pública é sempre ‘bombardeada’”, conclui.
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Ana Maria Mauad de Sousa Andrade Essus é doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pós-doutora pelo Museu Paulista da USP. Atualmente, é professora titular do Departamento de História, pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da UFF, do CNPq e Cientista do Nosso Estado Faperj. Pesquisadora Visitante, Cátedra Celso Furtado, St. John’s College, Universidade de Cambridge, financiamento CAPES/Cambridge University (2018). Foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História da UFF entre 2013-2017. Desde junho de 2021 integra o CA de História do CNPq e em 2023 assumiu a sua coordenação. Dedica-se ao ensino de teoria e metodologia da história. Autora do livro “Poses e Flagrantes: ensaios sobre História e fotografias” (Eduff, 2008), organizadora da obra “Fotograficamente Rio, a cidade e seus temas” (FAPERJ/PPGH/LABHOI, 2016) e de outras obras, artigos acadêmicos e capítulos de livros sobre temas ligados à História Oral, História Pública, História visual, História cultural e História da Memória. Dedica especial interesse à reflexão crítica sobre fotografia.