O ato de brincar ou até mesmo de produzir seus próprios brinquedos não se restringe às crianças. Criar, construir e promover jogos e atividades lúdicas pode fazer parte do universo de pessoas de qualquer faixa etária. Interessadas neste tema, as professoras Mônica Ledo Silvestri e Andrea Serpa, do Departamento Sociedade, Educação e Conhecimento, criaram há 12 anos o grupo Centro de Aprendizagens, Pesquisa e Extensão: Cultura, Arte e Brinquedo em Educação (Cabe).
Desde então, compreender como a imaginação e a brincadeira podem ser utilizadas na capacitação de professores e de profissionais da saúde é um dos principais intuitos do grupo. As pesquisas desenvolvidas no local visam entender o universo infantil e criar metodologias de ensino e aprendizagem para crianças, jovens e adultos, com o objetivo de potencializar os estudos e investigações na área, além de promover a formação inicial e continuada de educadores e futuros médicos.
O Cabe integra o Laboratório de Brinquedos, Jogos e Brincadeiras (LAB) (www.lab.uff.br), localizado na Faculdade de Educação. “Todo o processo desenvolvido está alicerçado em projetos de ensino, pesquisa e extensão voltados à compreensão dos usos e sentidos que diferentes grupos infantis dão aos brinquedos”, ressalta Monica Silvestri.
Duas latas de conserva e um pedaço de barbante se transformam num telefone sem fio” – Mônica Silvestri
De acordo com Andrea Serpa, o trabalho realizado pelas equipes do LAB estimula um diálogo com princípios que se voltam à autoria infantil, com suas lógicas, saberes, experiências, memórias e formas singulares de aprender brincando. Ao promover isso, explica a professora, a experimentação e a investigação a respeito da especificidade dos brinquedos, jogos e brincadeiras na educação das crianças, bem como as reflexões encontradas nos diversos projetos e atividades, estão presentes em suas relações com os brinquedos e na forma como elas constroem seus conhecimentos.
As docentes afirmam que a ação de transformar o mundo por meio de jogos e brincadeiras ocorre quando dois princípios interagem de forma positiva: a sustentabilidade e a diversidade cultural. Segundo elas, esses princípios são indissociáveis e têm norteado não só as atividades desenvolvidas por elas até agora, como os futuros projetos na batizada Estação Brinquedo (LAB).
Sustentabilidade e Reciclagem
A sustentabilidade direciona todas as atividades elaboradas pelo grupo envolvido no projeto. São reaproveitados diversos materiais, como tampinhas de garrafas plásticas, papelão, retalhos de pano, entre outros. Produtos industrializados também são reutilizados, pois para brincar não é necessário que o brinquedo acabe de vir da loja. O intuito é estimular o espírito de reinvenção, de criação e a vontade de imaginar novas possibilidades. Este é um aspecto criado coletivamente e que caracteriza o “fazer-pensar” na Estação Brinquedo.
A professora Mônica Silvestri afirma que no laboratório não há o compartilhamento de uma concepção estética dominante, baseada na lógica de materiais prontos para o consumo. Para ela, essa visão política é a que fundamenta as brinquedotecas de restaurantes, condomínios, clubes e de algumas escolas, mas nem sempre abre espaço para a criação, o pensar e o repensar o mundo, dominado pelo consumo rápido e de descarte de material e da criatividade. “Em nosso projeto buscamos promover a estética, que interage com a ética, tramando uma perspectiva lúdica que busca a manutenção da vida com inteligência afetiva, social e política”, acrescenta.
As crianças, jovens e adultos se educam por meio da ação, da convivência e da partilha, e, preferencialmente, em um espaço fluido, vivo, que se cria e recria na intervenção das próprias pessoas. “Elas vão deixando suas marcas no lugar, propositalmente”, relata Mônica Silvestri.
O LAB é também um lugar de encontro, partilha, parcerias, desenvolvimento e produção, fato esse, que, segundo as professoras, nortearia outro princípio, o da autoria. “Compreendemos a Estação Brinquedo não apenas como um lugar onde se colecionam, guardam e emprestam brinquedos, mas um espaço produzido pelas mãos, mentes e corações dos indivíduos que nele escrevem suas histórias, sejam crianças, jovens ou adultos”, explica Andrea Serpa.
Reutilizar objetos que originalmente possuíam outro destino e função é um convite para que professores, alunos e todas as pessoas envolvidas olhem para cada uma das formas, cores e texturas, imaginando não apenas a determinação da indústria ou de quem o fez originalmente, mas as diferentes possibilidades de transformação, de reutilização e de alegria que essas descobertas apontam. A Estação Brinquedo coloca em movimento o processo de imaginação, ferramenta que permite aos usuários do laboratório projetar mundos e torná-los possíveis. “Duas latas de conserva e um pedaço de barbante se transformam num telefone sem fio”, ressalta Mônica Silvestri.
Parceria com a Medicina
Alunos do curso de Medicina da UFF, por meio do Instituto de Saúde Coletiva (ISC), vêm participando das atividades do LAB há cinco semestres consecutivos, na disciplina Trabalho de Campo Supervisionado I/Infâncias. A ação interdisciplinar entre o laboratório e o instituto proporciona a troca de experiências e a formação dos futuros médicos. Além disso, contribui para o processo de ensino-aprendizagem baseado no diálogo, na afetividade e no reconhecimento do brincar como traço da cultura infantil, questões fundamentais de humanização dos cuidados pediátricos e da educação das crianças e dos profissionais de saúde.
Nas oficinas, os estudantes exploram situações nas quais se conectam às crianças. As trocas e brincadeiras motivadas nos encontros, bem como os materiais utilizados, permitem, por exemplo, a construção de ambulâncias feitas com papelão, fantoches que representam germes, cenários lúdicos que retratam situações reais da medicina. Em seus relatórios, os futuros médicos enfatizam as percepções sobre as crianças, não apenas como pacientes, mas como seres ativos que sabem, inclusive, comunicar suas dores.