O Rio promove o carnaval mais conhecido do mundo que atrai turistas de todas as partes e é, por excelência, um campo riquíssimo para as pesquisas sobre as relações entre turismo e carnaval, inclusive na perspectiva histórica. Indo nesta perspectiva, a professora de Turismo da UFF, Valéria Guimarães, analisa como é a retomada de um dos maiores fenômenos culturais na cidade do Rio de Janeiro.
“Controlada a pandemia de COVID-19, com vacinação em massa da população, foi possível ver novamente o carnaval de volta ao seu lugar”, relata a pesquisadora após pesquisas conduzidas entre 2020 e 2021. O “jejum” do carnaval impactou severamente os trabalhadores desta atividade, que buscam alternativas para se sustentar e agora retomam suas atividades.
A atual gestão da cidade do Rio é favorável ao carnaval e percebe sua importância estratégica para o município. A prova disso é a visita de autoridades tais como o prefeito Eduardo Paes e a Ministra do Turismo Daniela Carneiro aos barracões das escolas, na companhia de Jorge Perligeiro e Elmo José dos Santos, respectivamente presidente e diretor de carnaval da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA). Em suas falas, o prefeito e a ministra ressaltaram a importância do carnaval para a cultura carioca, fluminense, nacional e para o turismo, destacando a força econômica da festa, especialmente neste ano em que a pandemia está controlada e a população vacinada. Outros pontos de destaque nas falas são relativos ao potencial de empregos diretos e indiretos gerados com a extensa cadeia produtiva do carnaval e os aspectos tradicionais e simbólicos dessa manifestação popular.
Legenda: Carnaval de Rua no Rio de Janeiro. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil
Para ter uma ideia da magnitude do desfile das escolas de samba, “só a Grande Rio mobiliza cerca de 7 mil profissionais”, segundo a guia da Cidade do Samba pelo Carnaval Experience, Heloísa Viana, que tem também formação em Cinema na UFF. A guia acrescenta que há um interesse especial dos turistas e dos moradores da cidade por experiências diferenciadas, como a oferecida no barracão da Grande Rio, que nesta alta temporada recebe, em média, 500 turistas de procedências diversas, incluindo os moradores da cidade e do estado do Rio de Janeiro.
Com a proximidade do porto e a presença dos transatlânticos, o número de tours oferecidos no Carnaval Experience, segundo Heloísa, salta de 3 para 10 por dia. Além disso, Valéria relata que o teletrabalho contribuiu para o aumento da presença de estrangeiros na cidade, vindos especialmente de países mais frios, que fixaram residência e se interessam pela cultura, pela alegria, pela comida e pelo clima locais. Cabe destacar que essa nova tendência mundial, baseada no conceito work from anywhere, inspirou o projeto “Nômades Digitais”, da Empresa de Turismo do Rio (Riotur), criando incentivos para esse tipo de viajante permanecer na cidade e vivenciar a cultura local, incluindo o samba e o carnaval.
As expectativas das autoridades públicas, gestores carnavalescos, trabalhadores e gestores do trade turístico são de superação dos números de 2020, anteriores à pandemia, quando o carnaval já tinha apresentado crescimento na capital fluminense, no estado e no país, de uma forma geral. Para 2023 o Ministério do Turismo espera uma movimentação de 46 milhões de pessoas nos principais destinos carnavalescos do país. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por sua vez, projeta um faturamento de R$ 8,1 bilhões no país durante o Carnaval.
Valéria relata que no Rio de Janeiro são esperados 4,5 bilhões de reais para a cidade, de acordo com estudo da Riotur e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação, em parceria com a Fundação João Goulart. Esse montante representa um terço da arrecadação de todo o país no período do carnaval, 12% a mais do que no carnaval de 2020. O estudo, publicado em 13 de fevereiro de 2023, denominado Carnaval de Dados, aponta ainda que só os blocos cariocas gerarão 1,2 bilhão de reais e que a cada real investido no carnaval da cidade, o retorno é de 6 reais, causando impactos positivos na economia do país.
Já a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata), projeta que a cidade receberá no carnaval cerca de 80 mil turistas, contra os 55 mil que chegaram em 2020. Outro recorde alcançado no carnaval 2023 será a ocupação de 100% do Sambódromo, palco do desfile das escolas de samba do Grupo Especial, que receberá mais de 100 mil pessoas, de acordo com o presidente da LIESA. O setor hoteleiro também espera ocupação de 100% durante o carnaval.
Os mestres em Turismo pela UFF e guias de turismo com atuação direta no carnaval carioca, Danilo Fontes e Leandra Serrano, associados ao Grupo de Pesquisa Histur (Conexões entre História, Cultura e Turismo), da Faculdade de Turismo e Hotelaria da UFF, corroboram, com suas observações baseadas em suas práticas profissionais, que a demanda de turistas na cidade neste período está muito mais alta que nos anos anteriores. Além disso, as agências de turismo estão investindo na contratação de novos guias de turismo para o carnaval, mas ainda é pouca a oferta de mão de obra qualificada no mercado.
A professora Valéria reforça que turismo nesta época não se resume às cidades que atraem turistas para os festejos, alcançando também aquelas que se oferecem como um recanto para quem quer fugir da folia ou realizar retiros. Nesse sentido, o estado fluminense apresenta muitas opções, no interior e no litoral, havendo também carnavais em cidades de menor porte, mas não se tem muitos dados a respeito da economia gerada no carnaval no estado.
Legenda: Carnaval de Rua no Rio de Janeiro. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil
Valéria comenta que acompanha com interesse o crescimento do carnaval de Niterói e do desfile das escolas de samba no município, que vê como um evento da maior importância para a cultura popular, para os profissionais das diversas artes e ofícios envolvidos, para o turismo e para a geração de recursos para a cidade. Lembra ainda que parte dos turistas que vêm para o carnaval do Rio, além de movimentarem a economia local e visitarem os atrativos da cidade, também fazem passeios de um dia ou mais em cidades como Niterói, Cabo Frio, Búzios, Arraial do Cabo, Paraty e Angra dos Reis, aumentando o seu tempo de permanência e seus gastos no estado fluminense. Segundo a Neltur, espera-se atrair 850 mil foliões.
Outro fato interessante também, mas igualmente pouco estudado, é o aluguel para turistas das casas de moradores de cidades com alta demanda no carnaval, como o Rio de Janeiro, que, por sua vez, partem para outros destinos turísticos e também se tornam hóspedes nesse período.
Além disso, a docente sinaliza que os bastidores da grande festa geram o ano inteiro um produto turístico interessante, mas ainda timidamente explorado. As escolas de samba de todos os grupos e os blocos carnavalescos possuem grande potencial para receberem visitantes em outros momentos off carnaval, baseadas nas vivências e saberes da cultura carnavalesca e de seus mantenedores, guardiões de tradições e costumes que remetem à ancestralidade africana. Por fim, há uma percepção muito positiva do carnaval, em que fica claro que a cidade retomou este elemento cultural, tão importante para o Brasil como vitrine e também para uma parte considerável da população do Rio e suas regiões metropolitanas.