Nessas duas primeiras semanas de 2022, as taxas de internações e óbitos derivados de infecções por Covid-19 no país saíram de patamares baixíssimos em praticamente todos os principais centros urbanos do país para voltar a crescer, de forma súbita e ainda mais acelerada do que em qualquer momento anterior da história da pandemia. Trata-se da inauguração da terceira onda de Covid-19 em território brasileiro, agora com o protagonismo da variante Omicron.
Embora a elevação repentina desses números assuste, estudos desenvolvidos em todo o mundo, inclusive alguns realizados por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense, apontam para um cenário alentador no que diz respeito à evolução da doença nos próximos meses.
Com o intuito de esclarecer dúvidas a respeito dessa conjuntura, auxiliando as pessoas a entenderem as especificidades da atual onda de Covid-19 e a adotarem medidas apropriadas para evitar o avanço dos quadros de infecção, conversamos com alguns dos membros que compõem o GT-Covid-19 UFF, um grupo técnico de trabalho, constituído por médicos e especialistas da instituição; entre eles, o professor titular do Departamento de Planejamento em Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da UFF, Aluísio Gomes da Silva Junior e o médico e infectologista André Ricardo Araújo da Silva.
De acordo com o reitor da UFF Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, “o GT-Covid foi uma decisão acertada da nossa gestão. No primeiro dia, após a decretação do caso inaugural de Covid-19 no Brasil, reunimos pesquisadores altamente capacitados com o objetivo de nos assessorar diante do cenário incerto que se instalava. Desde então, o grupo cumpre um papel fundamental para ajudar nossa comunidade a enfrentar os desafios da pandemia”.
Desde a deflagração da pandemia no Brasil, em março de 2020, a equipe tem se reunido regularmente para ajudar os órgãos deliberativos da UFF e da comunidade niteroiense com informações para a tomada de decisões. Foi criada, inclusive, uma página (www.uff.br/coronavirus) que compila todas os materiais que foram produzidos não somente pelo GT-Covid, mas por uma série de pesquisadores, de todos os cursos que têm interface com a saúde e que de alguma forma estejam ligados ao enfrentamento da Covid-19.
Acompanhe, a seguir, o resultado da entrevista com os membros do GT-Covid-19 UFF:
(JORNALISMO): Após uma queda vertiginosa, nos últimos meses, do número de contaminações por COVID-19 em todo o mundo e de internações e mortes derivadas da doença, muito recentemente essas taxas voltaram a crescer, agora com a variante Omicron em ação, primeiramente na Europa, nos EUA e também no Brasil. Quais são as perspectivas do avanço dessa nova variante no país?
(ANDRÉ): No que diz respeito à Omicron, esse cenário atual era esperado que acontecesse. Temos esse avanço em todo o mundo, no hemisfério norte inicialmente. Trata-se de uma variante cuja disseminação é muito acelerada, mas existe uma perspectiva favorável em razão de já termos uma experiência advinda de alguns países, que relataram que a Omicron tem causado cerca de 30 a 40% menos ocupações em emergência e até 70% menos internações. Em termos comparativos, a taxa de transmissão dessa atual variante é de sete enquanto a cepa original da Covid-19 é de dois e meio, ou seja, em termos de quantificação a Omicron consegue ser pelo menos duas vezes e meia mais transmissível do que a cepa original, que já tinha um valor alto. Apesar de ser muito contagiosa e transmissível, a Omicron tem um potencial de ser menos agressiva quando falamos em termos de internações e óbitos. Devemos ter no país, nesse momento, um aumento da circulação desse vírus, nos meses de janeiro e fevereiro, e precisamos aguardar para entender como ele vai se comportar, mas a tendência é que haja um aumento de casos de contaminação, mas sem o mesmo impacto no sistema de saúde.
(ALUÍSIO): Por suas características de transmissibilidade maior que as outras, essa variante vai contaminar muitas pessoas em um curto espaço de tempo. Entretanto, sua letalidade é mais baixa, o que irá se traduzir em uma diminuição de casos graves. É importante frisar que os grupos populacionais que não se vacinaram ou tiveram vacinação incompleta serão os mais afetados e com possibilidade de desenvolver quadros mais sérios.
(JORNALISMO): Como vocês avaliam as medidas adotadas pelas prefeituras do Rio de Janeiro e de Niterói, de cancelamento nesse ano das comemorações de Carnaval, uma das festas anuais mais aguardadas pela população?
(ANDRÉ): Não temos como fazer uma previsão nesse momento de quanto tempo essa onda irá durar. Observamos as experiências de outros países, como a África do Sul, que foi um dos primeiros lugares a experimentar esse aumento no número de casos. Eles atingiram muito rapidamente um pico de pessoas contaminadas em meados de novembro. E agora em janeiro já há um decréscimo desse número. Então, vimos um aumento muito rápido seguido de uma queda mais acentuada em comparação com outros momentos da infecção. É prudente que evitemos esses tipos de festas coletivas como o Carnaval, porque não temos como controlar o fluxo de pessoas em ambientes fechados, a exemplo do Sambódromo.
Mesmo que se lance mão dos protocolos de segurança, eles não servem para evitar as doenças, mas minimizar a aquisição da infecção. Os testes usados também não têm eficácia de 100%. Ou seja, mesmo solicitando carteira de vacinação, ainda assim haverá possibilidade de transmissão da infecção. É recomendado que, pelo menos, se postergue o Carnaval. Quem sabe em algum outro momento desse ano ele possa ser realizado com mais tranquilidade.
(JORNALISMO): Como a atual epidemia de influenza no estado do Rio de Janeiro se relaciona com o cenário pandêmico? Recentemente tem-se usado, inclusive, a terminologia “flurona” em referência à infecção concomitante de coronavírus e influenza. Quais as perspectivas de progressão dessa situação?
(ANDRÉ): O que aconteceu foi algo não usual. Houve uma grande circulação do vírus da influenza no mês de dezembro. Normalmente vemos isso no final do outono e início do inverno, por volta de abril, maio, junho e julho. Tivemos, então, um período de coincidência no número de infecções. Essa não é uma situação nova, mas também não é muito comum. Em termos práticos, o que isso gera é uma dificuldade de identificar clinicamente se o paciente está acometido de influenza ou Covid. Somente a partir de um exame de secreção respiratória é que se identifica o vírus predominante. É importante salientar, no entanto, que especificamente no estado do Rio de Janeiro já observamos um decréscimo dos casos de influenza, desde o final de dezembro. Agora está predominando a Covid.
(ALUÍSIO): A ocorrência simultânea de epidemias de influenza e outras viroses respiratórias com sintomatologia respiratória mais severa, levando à ida de multidões aos serviços de emergência, é um agravante. Um número considerável de pacientes com as duas infecções tem sido detectado pelos testes realizados. Entretanto, as internações não atingiram níveis preocupantes, possivelmente devido aos altos níveis de cobertura vacinal anticovid em Niterói e no Rio de Janeiro.
(JORNALISMO): Existem estudos e pesquisas que indiquem previsões sobre o avanço da doença no ano de 2022 no Brasil?
(ANDRÉ): Trata-se de uma doença que ainda segue sendo desafiadora. Até agora não conseguimos prever um período de acalmia geral, mesmo porque precisamos também do controle da pandemia em todas as partes do mundo. Em algumas regiões, a doença permanece descontrolada, sem um percentual de vacinação adequada e, com isso, a infecção continua. Sabemos que nenhuma pandemia dura para sempre. Teremos uma queda significativa no número de pessoas contaminadas, mas ainda precisamos avançar bastante nessa situação para termos um padrão de previsão de melhora sustentada no tempo. Precisamos seguir trabalhando conforme a vacinação vai evoluindo.
A UFF tem desenvolvido muitas pesquisas, principalmente na Faculdade de Medicina, em relação ao comportamento da Covid-19, tanto em adultos quanto em crianças. Entre os mais de 20 atuais trabalhos em andamento na Faculdade, destacam-se: a investigação dos efeitos pós-Covid nas pessoas; a compreensão do impacto da vacinação na população pediátrica em relação à eficácia e ao controle dos casos graves; o uso de equipamentos em pacientes acometidos por Covid, entre outros. Acredito que devemos ter resultados bem animadores nos próximos meses em relação a isso.
(JORNALISMO): Sobre a atual polêmica envolvendo a vacinação de crianças, o que os estudos científicos mais recentes informam a esse respeito?
(ANDRÉ): A vacinação de crianças de cinco a 11 anos foi liberada pela ANVISA, no Brasil. Temos um amplo estudo que avaliou crianças dos EUA, da Finlândia e da Espanha que receberam essa vacina entre meados de julho e outubro de 2021. Elas foram acompanhadas durante dois meses e meio. Nesse grupo de mais ou menos 1500 participantes, tivemos um perfil de segurança favorável que mostrou poucos efeitos adversos, como dor de cabeça, vômito e náuseas, sintomas que acabam ocorrendo também com outras vacinas, de forma esperada.
O maior questionamento é em relação ao acompanhamento a médio e longo prazos. Não temos tempo hábil para saber se haveria algum efeito colateral que pudesse ser importante e também se a vacina diminuiria sua eficácia progressivamente. Esses estudos vão continuar, e a vacina será estudada durante mais tempo, possibilitando que essas questões possam ser discutidas de forma mais clara. Temos que poder balancear nesse momento os custos, os riscos e os benefícios.
(JORNALISMO): Como vocês avaliam o grau de adesão às campanhas de vacinação no país diante de tantos movimentos negacionistas e anticiência?
(ANDRÉ): A população brasileira historicamente adere muito às campanhas de vacinação, então sempre que temos eventos desse tipo os índices de pessoas vacinadas e de adesão são superiores a 90, 95%, o que é muito positivo do ponto de vista do controle de uma determinada infecção. Temos um programa no Brasil reconhecido internacionalmente, que é o Programa Nacional de Imunizações, que existe há mais de 45 anos e oferece vacinas gratuitas via SUS. Então, não temos nenhuma dificuldade em oferecer vacinas e atingir públicos mais remotos, como populações amazônicas e periferias. Apesar de haver muitas pessoas que ainda questionam as vacinas, esse não é um problema marcante no território nacional, tal como em alguns países europeus, como a França e EUA.
(ALUÍSIO): Especificamente em Niterói, onde um bom trabalho de prevenção e atenção sanitária e social foi realizado no âmbito municipal, a adesão da população aos esforços de distanciamento social, uso de máscaras e higiene das mãos foi muito relevante nos resultados traduzidos por internações e mortes por Covid-19, atingindo os menores níveis da região metropolitana do Rio de Janeiro.
(ANDRÉ): Além disso, precisamos melhorar na discussão de todos os aspectos relativos às vacinas, não somente seus benefícios. As vacinas são ligadas a empresas farmacêuticas que, em última análise, têm o lucro como uma de suas finalidades e precisamos de estudos que sejam independentes e não financiados pelas próprias empresas farmacêuticas para termos uma visão ampla sobre o assunto. A história das vacinas remonta há mais de duzentos anos. Trata-se de imunizantes submetidos a extensos testes e rigorosos protocolos e ainda existem os estudos pós-comercialização, quando é analisado o desempenho das vacinas, momento em que se colocam na balança seus riscos, benefícios e efeitos colaterais. Isso tem que ficar claro: nem toda vacina vai ser efetiva. A imensa maioria delas têm os efeitos benéficos muito maiores do que os colaterais, mas precisamos de uma maior sinceridade em relação a essa discussão.
A ciência é uma eterna mutação. Não existe verdade absoluta em ciência, porque o conhecimento é gerado a cada momento e os conceitos são revistos de forma periódica. Determinada afirmação que é feita hoje pode não ser válida em um momento posterior. Por exemplo, tivemos na história da medicina várias situações bem interessantes, como o cigarro, que no início do século XX era recomendado por médicos, o que foi sendo reavaliado ao longo do tempo. Hoje sabemos que o ato de fumar é muito prejudicial para a saúde, então precisamos ter um pouco de cuidado ao colocar a ciência como soberana. Ela serve para ser desafiada sempre e não temos respostas definitivas para tudo.
(ALUÍSIO): É importante acrescentar que as dificuldades na vacinação no Brasil surgem mais por desinformação e desabastecimento do que propriamente por um grande movimento anticiência e antivacina.
(JORNALISMO): Quais orientações passar à população nesse momento?
(ANDRÉ): No estado do Rio de Janeiro, teremos um grande número de infecções de Covid, a princípio mais brandas, em que as pessoas vão precisar ficar em casa, pelo menos no espaço de uma semana, até se recuperarem. Nesse momento, é muito importante evitar festas, aglomerações, ambientes fechados etc. Pedimos às pessoas um pouco mais de paciência para evitar esse tipo de situação, mantendo a higienização de mãos e a utilização de máscaras. Em relação à vacinação, todos aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de receber as vacinas que procurem os postos de saúde e recebam o imunizante. A vacina diminui bastante as chances de a pessoa ter uma doença grave, com internação e outros problemas decorrentes da infecção pela Covid. E, em caso de suspeita de infecção, orientamos à população de Niterói que se direcione ao Centro de Testagem de Covid-19 da UFF, que está em atividade em formato de drive-thru no campus do Gragoatá, funcionando em horário comercial. Trata-se de um grande serviço que a universidade tem prestado à comunidade.
UFF dobra o número de guichês em formato drive-thru para testagem de Covid-19
No dia 6 de janeiro, a UFF reabriu o Centro de Testagem em formato drive-thru para oferecer testes rápidos de antígeno, não somente para a comunidade da universidade, mas para a população niteroiense de uma forma geral, auxiliando na detecção dos eventuais casos suspeitos. Em face da grande demanda e procura no primeiro dia de funcionamento do drive-thru, que realizou mais de 1200 testes em um só dia, os guichês de atendimento foram dobrados nos dias subsequentes.
O coordenador do Centro de Testagem de Covid-19 da UFF, o professor de Bioquímica e Biologia Molecular Fábio Alves, destaca que essa parceria da UFF, por meio do reitor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega e do Superintendente de Operações e Manutenção Mario Ronconi com a Secretaria de Saúde da Prefeitura de Niterói está ocorrendo num momento providencial: “a cidade está se deparando com uma escassez de kits de testagem frente à enorme procura do momento, derivada do aumento vertiginoso no número de infecções. No Centro de Testagem, estamos aumentando o número de testes e de oferta de vagas para agendamento na plataforma Dados do Bem, para quem apresentar sintomas gripais, do primeiro ao oitavo dia ou quem tiver contato com casos confirmados. Os testes rápidos oferecidos são os de antígeno e não o de PCR. Eles são muito eficientes e têm nos mostrado a positividade aumentando”.
Segundo o reitor da UFF, “diante do aumento no número de casos de Covid-19 registrados no estado nos últimos dias e a presença da nova variante, estamos intensificando as ações de combate ao vírus, como a parceria com a Prefeitura de Niterói para o drive-thru de testagem no campus do Gragoatá, que está atendendo toda a população, e o acordo com a Fiocruz, em que recebemos dois mil kits de RT-qPCR para serem utilizados em nossa comunidade acadêmica, em especial nos profissionais do Huap. No hospital, estamos com uma atenção redobrada e buscando soluções. Com a alta do casos, os profissionais e o sistema ficam sobrecarregados e precisam de apoio institucional e do poder público”, finaliza Antonio Claudio Lucas da Nóbrega.
Endereço: R. Alexandre Moura, 8 – São Domingos, Niterói – RJ, 24210-200
Horário de atendimento: de segunda a sexta, das 8h às 17h, com coleta até 16h e sábado das 8 às 12h, com coleta até 11h.