Uma dissertação realizada no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU/UFF) explora as imagens de Niterói por mais de 30 anos – no período entre 1964 a 1996 – para estudar as mudanças urbanas ocorridas na cidade, que completa 451 anos no próximo dia 22 de novembro. Para tal, o estudo desenvolveu um método próprio que combina filosofia, morfologia urbana e história urbana.
A pesquisa “Entre o concreto e o abstrato: Uma análise sobre as imagens representativas de Niterói no período de 1964 a 1996”, orientada pela professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFF, Marlice Azevedo, e pelo pós-doutorando do PPGAU/UFF, Guilherme Mattos, propõe a criação de uma linha do tempo imagética que acompanha os principais marcos históricos e as transformações da cidade no século passado, com foco em três momentos: o perfil da cidade enquanto capital do Estado; a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara; e o reconhecimento nacional por índices de qualidade de vida.
Gabriel Soares e Marlice Azevedo recebendo menção honrosa para dissertação no 1º Prêmio Friperj-Faperj-IPP. Foto: Acervo Pessoal.
A partir da teoria desenvolvida pelo arquiteto e professor italiano Giancarlo Cataldi, o método discute a dualidade entre os conceitos de concreto e o abstrato na cidade, composta por um sistema que envolve sua forma física e imaterial, para analisar como as cidades são vividas, pensadas e sentidas. O doutorando do PPGAU/UFF e responsável pela pesquisa, Gabriel Soares da Costa, explica que a análise busca entender como as imagens são criadas e influenciadas pela individualidade e coletividade.
“O processo de construção foi baseado nas leituras ao longo das disciplinas. Como a imagem é subjetiva, eu queria, na primeira análise, entender como o ser humano cria as imagens. Nesse ponto entra a filosofia, por entender o processo da relação do ser humano com o espaço, de entender como os sentidos são uma ponte que liga o interior e o exterior e, a partir disso, tornam-se sensações, percepções e, por fim, influenciam na criação de imagens, que são afetadas tanto pela individualidade quanto pela coletividade. Com base nesse procedimento, levei essa criação de imagens para a cidade, tentando entender como esses processos individuais se tornam coletivos”.
De acordo com Soares, a pesquisa começou para compreender as narrativas construídas sobre Niterói. “O principal motivo para iniciar minha pesquisa foi minha conexão com Niterói, cidade onde nasci e cresci. Fui aluno de graduação na Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF (EAU/UFF) e escolhi este curso para aprofundar meu conhecimento sobre o lugar onde vivi minha vida toda e contribuir para seu desenvolvimento. Durante a graduação, fiz vários projetos de pesquisa relacionados à história de Niterói e, para a minha dissertação, meu foco foi investigar por que a cidade era vinculada à ideia de qualidade de vida”.
Câmara Municipal de Niterói. Foto: Cultura Niterói.
Linha do tempo imagética da cidade
Três imagens principais foram propostas: “a capital do progresso” (1964-1975), “a ex-capital” (1975-1989) e a “cidade da qualidade de vida” (1989-1996). O estudo trata de questões importantes para a construção histórica da cidade de Niterói, como, por exemplo, a perda do título de capital do Estado, a busca por uma identidade própria e a construção da ponte Rio-Niterói.
“O período entre 1964 e 1975 é um marco porque o país vivia um período de grande euforia, impulsionado pelo chamado milagre econômico e, com a construção da ponte Rio-Niterói, essa percepção de progresso refletiu na cidade. A construção da ponte gerou uma grande expectativa, com destaque para o mercado imobiliário. No entanto, a obra foi inaugurada em 1974, um ano após a crise do petróleo, que afetou investimentos no país inteiro. Além disso, em 1975 é concretizado o processo de fusão entre os estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, iniciado anos antes, finalizando esse período de entusiasmo”, analisa o pesquisador.
Construção da ponte Rio-Niterói. Foto: O Globo.
Para Soares, a transferência da capital estadual para o Rio de Janeiro causou um impacto negativo em todos os aspectos de Niterói. “A fusão representou um baque muito grande para a cidade e gerou perdas econômicas, políticas e simbólicas. O fato de uma cidade ser capital gera diversas mudanças, tanto de investimento quanto de servidores trabalhando na máquina pública, então Niterói passa de um período de grande euforia para uma época de esvaziamento político e social. Isso provocou uma reflexão sobre a identidade da cidade, que enquanto capital, visava ser uma metrópole, mas que posteriormente à fusão, viu sua capitalidade se perder e se tornar uma cidade da recém-criada região metropolitana do Rio de Janeiro. Neste sentido, o mote adotado era o de Niterói como ‘uma cidade onde viver’, reforçando suas qualidades”.
A autonomia dada aos municípios pela Constituição Federal de 1988 e a transição para a década de 90 trouxeram novas perspectivas para Niterói, que passou a se destacar pela qualidade de vida. “A nova constituição democrática reforça a importância do município e coloca-o como unidade política administrativa. Isso vai trazer para a cidade um protagonismo e uma nova perspectiva. Além disso, um ponto marcante para Niterói é a demolição do palácio da justiça, em 1989, que trouxe de volta a ideia da Praça da República, hoje tombada. Tudo isso é uma valorização do patrimônio da cidade e um resgate da identidade de Niterói. Os próximos prefeitos dessa época vão levar esse mote de valorização do cidadão e da cidade”, explica o urbanista.
O pesquisador também destaca que dados do Censo demográfico de 1991 destacavam Niterói pela qualidade de vida e pelo alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Esse passou a ser um ponto de referência e da propaganda da cidade, com reflexos, por exemplo, no preço dos aluguéis na região. Em 1992, é criado o plano diretor de Niterói, que vai direcionar a estruturação do município, culminando na construção do Museu de Arte Contemporânea (MAC), inaugurado em 1996, que acabou se tornando o principal símbolo da cidade e um elemento de virada nessa retomada da identidade e do orgulho de ser niteroiense”, esclarece o discente.
Praça da República em Niterói. Foto: Cultura Niterói.
Nova linha da pesquisa
Agora no doutorado, Soares segue uma linha de pesquisa mais focada no patrimônio municipal. “Eu queria continuar falando de Niterói, mas gosto de tratar sobre patrimônio e desenvolvi minha tese para isso. O estudo contempla paisagem, memória e patrimônio, como um tripé que auxilia na preservação do patrimônio cultural, material e imaterial da cidade”.
Com a propagação e popularização das redes sociais, as imagens tendem a se tornar cada vez mais frágeis e disputadas, sendo debatidas e contestadas em espaços online. “Hoje há uma certa democratização dos polos de discussão, que por vezes não passam pelos grandes meios de comunicação. A partir do momento em que existem vários polos descentralizados, as imagens se tornam mais frágeis, porque agora as imagens que eram construídas ao longo de décadas conseguem ser fragilizadas rapidamente. Então, algo que viralize que seja contra uma cidade consegue ter uma repercussão mundial e prejudicar todo um trabalho feito de construção de uma narrativa. Por isso, as redes se tornam algo que as cidades têm que levar em consideração e podem inclusive aproveitá-las para o atingimento de políticas públicas mais conectadas com a população, resultando em imagens mais positivas junto aos cidadãos.
——————————
Gabriel Soares da Costa é Arquiteto e Urbanista formado pela Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (EAU/UFF). Foi pesquisador do Laboratório Documental Urbanismo no Brasil (LDUB-UFF) e atualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF (PPGAU-UFF).