Desânimo, fadiga, alterações do sono, do apetite e do desejo sexual, tristeza, desinteresse, falta de perspectiva, descrença no futuro e, às vezes, pensamentos suicidas. Esses são alguns dos sintomas mais frequentes da depressão, um transtorno mental que pode ter intensidades leve, moderada ou grave. A doença é multifatorial e suas causas têm aspectos biológicos, genéticos e psicológicos. Afeta as emoções, altera o humor e o comportamento, gerando diversos prejuízos na vida cotidiana do indivíduo. De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, um dos mais amplos inquéritos de saúde do país, em média 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido um diagnóstico médico da patologia entre setembro de 2021 e fevereiro de 2022.
A professora e pesquisadora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cristine Mattar, relata que até o século XIX falava-se em melancolia quando a pessoa era atingida por medo e tristeza persistentes. “Após a Segunda Guerra Mundial, o termo depressão passa a ser usado pela psiquiatria, psicopatologia e pelas pessoas em geral, aparecendo como tema em jornais, revistas e programas de TV. O fenômeno se configura diferente da melancolia, uma vez que passa a contar com uma explicação neurofisiológica, com uso de medicamentos específicos”.
De acordo com Cristine, muitos autores vêm relacionando a depressão ao modo como passamos a viver: acelerado, com altas exigências de sucesso, felicidade, juventude, magreza, riqueza e produtividade. “A liberdade herdada dos anos 50 a 70 do século passado se tornou, na verdade, um fardo. A exigência por ser mais feliz, realizado e satisfeito o tempo todo tem gerado cansaço e fadiga, além de uma sensação de culpa, caso o indivíduo não consiga se manter nesse estado. A indiferença na construção de relações interpessoais, o isolamento, o consumo desenfreado, a violência também são fatores relacionados à depressão. Nesse contexto, o sentimento de inadequação e fracasso estão conectados ao aumento da depressão em geral”.
Os altos índices de depressão, principalmente depois da pandemia mundial de Covid-19, podem ser repensados coletivamente através da rearticulação das redes de solidariedade e da melhoria das condições de vida das pessoas, sobretudo da população periférica, que vivencia situações de risco e inúmeras violências, através do desamparo ético-político a que estão submetidos seus membros – Cristine Mattar
A professora aponta que, atualmente, segundo a OMS, 322 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão. “No Brasil, são 11,5 milhões de casos. Este é o maior índice na América Latina e o segundo maior entre as Américas, atrás apenas dos Estados Unidos. Idosos são os mais afetados: cerca de 13% da população entre 60 e 64 anos possui esse diagnóstico. Quanto ao gênero, a frequência maior se dá entre as mulheres (14,7%), em comparação aos homens (7,3%). Muitas vezes a doença se confunde com as condições sociais de vida das mulheres, que sofrem mais com desigualdade, precariedade e violências. Pessoas negras também têm seu sofrimento desconsiderado ou subnotificado, considerando que o Brasil é um país estruturalmente racista”.
Os transtornos psicológicos como a depressão já eram uma questão que demandava atenção no mundo inteiro; porém, no contexto da pandemia se exacerbaram. “Ao todo, a Pesquisa Vigitel 2021 entrevistou 27.093 pessoas com 18 anos ou mais, residentes em todas as capitais brasileiras e no Distrito Federal entre setembro de 2021 e fevereiro de 2022. Em média, 11,3% dos entrevistados relataram ter recebido um diagnóstico médico de depressão em contraponto aos dados de 2019 da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontaram 10,2% de pessoas com 18 anos com diagnóstico da patologia. O aumento no número de pessoas deprimidas no Brasil durante a pandemia está certamente relacionado às perdas pessoais com as mais de 600 mil mortes no país, bem como às perdas de trabalho, renda, moradia e direitos fundamentais”, relata a docente.
Cristine salienta ainda que várias circunstâncias e condições de vida no mundo atual, sobretudo econômicas, sociais e culturais, vêm sendo relacionadas à depressão. “O diagnóstico da doença tem se tornado cada vez mais difícil de fechar, uma vez que o termo ganhou notoriedade e amplitude, sendo usado para quase toda a forma de tristeza e mal-estar psicológico. A avaliação psiquiátrica e o acompanhamento psicoterápico serão fundamentais à pessoa acometida pela depressão, de preferência com profissionais que ouçam com atenção o relato do indivíduo e identifiquem nele a situação depressiva a partir de sua própria experiência, tratando o sofrimento psíquico com intervenção medicamentosa ou não, a depender do caso”.
Depressão pós-parto: um desafio a mais na saúde mental das mulheres
Puerpério é o nome dado ao período pós-parto pelo qual as mulheres mães passam. Muitas vezes, quando se fala do período puerperal pensa-se naquela fase mais imediata após o parto, do primeiro ao décimo dia. Porém, de acordo com a professora Paula Land Curi, do Departamento de Psicologia da UFF, o puerpério pode ir além do quadragésimo segundo dia após o parto. “Cada mulher vai vivenciar de forma bastante singular esse processo de tornar-se mãe, que não começa na gestação e não termina com o nascimento de um bebê. Muitas vulnerabilidades se apresentam neste momento, sejam elas de cunho emocional ou social. É um momento de transformações e adaptações, não só fisiológicas, mas também psicossociais da mãe”.
Paula destaca que a fase puerperal merece muita atenção, sujeita aos chamados “transtornos da maternidade”, assim cunhados pela psiquiatria. “Baby blues, depressão e psicoses puerperais são alguns desses transtornos. Importante circunscrever que o ‘baby blues’ não é exatamente uma doença, mas sim um quadro que fala de uma instabilidade passageira, de adaptação à nova rotina. Pode estar relacionado aos fatores hormonais deste momento e apresenta sintomatologia leve, marcada por tristeza, ansiedade, irritabilidade, insônia e alteração de humor, que costumam durar pouco tempo, mesmo sem intervenção medicamentosa. Já a depressão pós-parto é um transtorno mais intenso e duradouro que pode dificultar a realização das atividades da mulher-mãe com o bebê. Para o seu diagnóstico e tratamento, faz-se relevante uma boa análise de todo o contexto, sendo por vezes fundamental intervenção psicoterápica e medicamentosa”.
Durante a pandemia, o programa extensionista da UFF coordenado por Paula e intitulado “Mulherio: tecendo redes de resistência e cuidados”, e o campo de estágio com mães em perinatalidade que a docente supervisiona, reuniram relatos nos quais a maioria das puérperas contaram que se sentiam deprimidas. “Contudo, os atendimentos psicológicos nos mostraram que essas mulheres, nesse novo momento de suas vidas, efetivamente queixavam-se de um puerpério sem rede de apoio, além do sofrimento com a divisão sexual do trabalho, que as imputam todas as tarefas domésticas e de cuidados com os seus filhos. Muitas falam da dificuldade em ‘dar conta de tudo’, inclusive da própria sustentação dos atendimentos psicológicos remotos”.
Cristine e Paula ressaltam que a pessoa com depressão não deve ser tratada como preguiçosa ou acomodada, pois essa é uma enfermidade que leva ao sofrimento agudo e, muitas vezes, à ideação suicida. “Os altos índices de depressão, principalmente depois da pandemia mundial de Covid-19, podem ser repensados coletivamente através da rearticulação das redes de solidariedade e da melhoria das condições de vida das pessoas, sobretudo da população periférica, que vivencia situações de risco e inúmeras violências, através do desamparo ético-político a que estão submetidos seus membros. Para a mulher puérpera, o acolhimento em um espaço onde ela possa falar e ser escutada também colabora muito no diagnóstico de depressão e outros transtornos do período pós-parto. Em caso de suspeita da doença, deve-se procurar ajuda, pois o isolamento é um grande agravante dos sintomas. Pessoas com depressão não devem se sentir sozinhas, pois seu sofrimento diz respeito não somente a elas, mas à toda a sociedade”, finalizam.
Serviço: Se você está passando por algum tipo de sofrimento psíquico, procure ajuda. Ligue para o Centro de Valorização da Vida (CVV) no número 188. A UFF também oferece serviços de apoio psicológico a diferentes públicos (servidores, alunos, comunidade etc.). Entre eles, está o Serviço de Psicologia Aplicada (SPA): http://spa.sites.uff.br/