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Biomas brasileiros correm risco de extinção por conta de queimadas

País registrou mais de cinco mil focos de incêndio na última quarta-feira, a maioria concentrado na Região Amazônica e no Cerrado
Em agosto o país registrou 68.635 focos de queimada, maior número desde 2010. Foto: InfoAmazonia.

 

Segundo o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil registrou 154 mil focos de incêndio neste ano até o início de setembro. Apesar da Amazônia ser o bioma mais atingido, o município com o maior número de queimadas é Corumbá, em Mato Grosso do Sul, área de Pantanal. Por conta dos incêndios ao redor do território brasileiro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destaca que o país pode perder o Pantanal até o final do século, se as tendências não forem revertidas.

Nessa mesma linha, o professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Flávio Rodrigues, acredita que a situação do bioma pode alcançar uma condição de não retorno. “O Pantanal tem sofrido com muitas queimadas e incêndios que acontecem em proporções descomunais e nunca registradas. Por conta disso, existem várias perdas de dinâmicas ecossistêmicas, biodiversidade, capacidade bioprodutiva do solo e capacidade de evaporação de rios e áreas encharcadas. Então, há uma desregulação das condições da biosfera na região, de modo que o bioma é profundamente afetado a ponto de alcançar uma condição de não retorno – quando o impacto é tão profundo que os processos ecológicos perdem a capacidade de realizar as funções ecossistêmicas no tempo e no espaço, provocando o esgotamento do bioma”.

Em 2024, o Pantanal apresenta 9.506 ocorrências de focos de fogo, apontam dados do programa do Inpe. Tal número acumulado é cerca de sete vezes maior do que o registrado pelo sistema nesse mesmo período no ano passado, com 1.298 registros. Ao longo das últimas quatro décadas, de acordo com a pesquisa MapBiomas, o bioma registrou ocorrências de queimadas em nove milhões de hectares da região, o que representa 59,2% dos territórios ocupados pelos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Na escala global, as queimadas emitem mais CO₂ para a atmosfera, gás de efeito estufa que auxilia nas mudanças climáticas, e também retiram as árvores que cumprem o papel oposto de retirar o CO₂ do ambiente, ou seja, é uma dupla perda para o clima em mudança. – Márcio Cataldi

Outros biomas em risco

A situação dos biomas brasileiros preocupa. Dados recentes obtidos pelo MapBiomas revelam que, no período entre 1985 e 2023, o país perdeu cerca de 15% das áreas naturais de floresta. Neste estudo, as informações expõem que os biomas com maior perda de florestas naturais foram a Amazônia, com 13%, e Cerrado, com 27%. 

Autor do livro “O fenômeno da desertificação”, Rodrigues explica que a desertificação ocorre em alguns locais do país, mas pode se espalhar por conta das mudanças climáticas e eventos extremos.

“A desertificação é um problema de degradação das áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas causado por ação humana ou mudança climática, nesse sentido, o Nordeste, o norte de Minas Gerais e a região sub-seca do norte capixaba são os locais do país mais suscetíveis à ocorrência de desertificação. Porém, na medida em que os eventos extremos e mudanças climáticas se dão como causa e consequência dos processos dinâmicos desse problema, a desertificação pode se espalhar para ecossistemas adjacentes e existe a chance desse fenômeno avançar para outros biomas. Nessa condição, um dos mais ameaçados é o Cerrado, por estar em contato direto com a Caatinga e possuir um clima semelhante ao semiárido”.

Cerrado é um dos biomas ameaçados pela desertificação no Brasil. Foto:Pedro Ventura/Agência Brasília/Agência Senado.

Em 2020, dados do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) revelaram que a Amazônia e o Cerrado foram os biomas mais afetados pela perda de vegetação natural. O levantamento realizado entre 2000 e 2018 aponta que a perda natural no país é equivalente a mais de dez vezes toda a extensão territorial do estado do Rio de Janeiro e quase ao dobro de todo o território do estado de São Paulo. Das florestas desmatadas, 95% foram convertidas para uso agropecuário. Já o estudo “Desmatamento, queimadas e retração da superfície da água aumentam o risco de desertificação da Caatinga”, realizado pelo MapBiomas, revelou que a Caatinga tem 112 municípios classificados como Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) com status muito grave e grave. Além disso, houve uma redução de 8,27% na superfície de água, o que tornou o bioma mais seco nas últimas décadas.

Para o professor Flávio, a situação da Caatinga é “o principal problema ambiental do nordeste brasileiro, por consequência, um dos principais problemas ambientais do país, sobretudo com mudanças climáticas, secas mais frequentes e maior ocorrência de queimadas que auxiliam no avanço e progresso desse fenômeno complexo e profundamente degradante.

A Caatinga tem 112 municípios classificados como Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD). Foto: Flickr A.Duarte/Brasil de Fato.

O docente ainda afirma que as queimadas e incêndios descontrolados colocam em risco diversos ecossistemas associados a biomas brasileiros. “As mudanças climáticas vão impor um novo ritmo que não é conhecido, para o qual precisamos nos preparar. À medida que a terra fica mais seca, o solo fica mais estéreo e a vegetação perde a sua capacidade de umidade, os riscos de ocorrências de queimadas e incêndios em grandes proporções aumentam, o que coloca em risco diversas paisagens e ecossistemas associados a biomas brasileiros”.

Fumaça e clima seco afetam a população brasileira

Nas últimas semanas, grande parte da população brasileira tem sido afetada por conta de fumaças tóxicas causadas pelas queimadas que ocorrem na floresta Amazônica, Pantanal e Cerrado. Composta por gases prejudiciais à saúde humana, como o monóxido de carbono, por exemplo, a fumaça encobre cidades das regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste e afeta a visibilidade do ar, o que resulta no fenômeno ‘sol vermelho’, visto em todo o país. 

Céu de Brasília encoberto pela fumaça causada por incêndios florestais. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil.

No mês de agosto, o Estado do Amazonas registrou mais de 10 mil queimadas, o pior índice desde 1998, quando o Inpe começou a monitorar os focos de calor na região, por conta disso, o governo estadual decretou situação de emergência ambiental e de saúde pública. Os incêndios são causados pela maior seca que o Brasil já registrou na sua história recente. Além disso, em São Paulo, por exemplo, doze pessoas foram presas por atear fogo propositalmente em áreas de mata. De acordo com um levantamento da empresa MetSul Meteorologia, 200 cidades do Brasil registraram níveis de umidade menores que os do Saara, deserto localizado no norte da África. 

Segundo o meteorologista e professor do Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente da UFF, Márcio Cataldi, a seca atual ocorre por conta de um bloqueio atmosférico na região central do Brasil. 

“Nos últimos anos observamos um aumento de bloqueios atmosféricos no Brasil, principalmente nas regiões Centro-oeste e Sudeste. Durante os meses de verão, quando esses fenômenos ocorrem no centro do país, por exemplo, a chance de chuva é praticamente inexistente. Apesar da situação no mês de setembro ser crítica, tende a melhorar a partir do próximo mês, historicamente tido como início do período mais úmido, que vai até março. As previsões indicam que entre os meses de outubro e dezembro o país pode ter um regime de precipitação próximo da média histórica, mas a partir de janeiro os bloqueios atmosféricos voltarão a predominar na região central do Brasil e vão fazer com que a chuva esteja abaixo da média histórica até meados do próximo ano”, explica o docente.

A MetSul alerta que, nesta semana, a fumaça que cobre uma extensão de quase 5 milhões de quilômetros quadrados, ou seja, 60% do território nacional, e deve chegar a estados da região sul que não foram atingidos até o momento. Segundo informações da MetSul, esse fenômeno ocorrerá devido às correntes de vento de norte para sul com ar quente pelo interior do continente e vai aumentar a área coberta pela fuligem, que irá atingir as cidades de Buenos Aires e Montevidéu, capitais da Argentina e do Uruguai, respectivamente.

Cataldi explica que as queimadas aumentam o aquecimento e a seca, além de causarem uma dupla perda para o clima por conta da emissão de dióxido de carbono (CO₂) e da derrubada de árvores. “As queimadas aumentam o aquecimento e a seca, não só na região onde ocorrem, mas também influenciam em escala global. Localmente, o fogo altera o albedo da superfície – quantidade de radiação solar que o ambiente reflete – e faz com que a radiação, antes bloqueada e assimilada pelas árvores, chegue até ela, o que causa aumento na temperatura e no processo de evaporação, contribuindo para o aquecimento e diminuição da umidade na região. Na escala global, as queimadas emitem mais CO₂ para a atmosfera, gás de efeito estufa que auxilia nas mudanças climáticas, e também retiram as árvores que cumprem o papel oposto de retirar o CO₂ do ambiente, ou seja, é uma dupla perda para o clima em mudança”.

Recomendações do Ministério da Saúde

Na quarta-feira, o Ministério da Saúde divulgou orientações para a população brasileira e gestores de saúde tomarem para cuidar dos efeitos causados pela fumaça tóxica das queimadas que invadiu mais da metade do território nacional. A ministra da pasta, Nísia Trindade, afirmou que o governo disponibilizará tendas de hidratação e nebulização em locais onde a situação está crítica. Confira as orientações para a população:

  • Aumento da ingestão de água potável;
  • Evitar atividades físicas em áreas abertas;
  • Evitar ficar próximo aos focos de queimadas;
  • Evitar exposição prolongada em locais com partículas no ar;
  • Em casos de sintomas como náusea, vômito, falta de ar, tontura, confusão mental ou dores de cabeça intensas, buscar o atendimento médico.

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Flávio Rodrigues é professor do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFF. Possui graduação em geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Licenciatura e Bacharelado, Mestrado pela Universidade Estadual do Ceará e Doutorado em Geografia pela UFF. 

Márcio Cataldi é professor associado e coordenador do curso de recursos hídricos e do meio ambiente da Universidade Federal Fluminense, docente do programa de pós-graduação de engenharia de biossistemas (PGEB/UFF). Possui graduação em meteorologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestrado em Engenharia Mecânica pela UFRJ e Doutorado pela UFRJ.

 

Por Kayky Resende
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