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Escalada do conflito no Oriente Médio aumenta tensão global

Avanço das ofensivas no Oriente Médio geram impactos econômicos, humanitários e geopolíticos; Brasil e Sul Global observam consequências.

Na semana em que a guerra na Faixa de Gaza completa um ano, o conflito entre Israel e grupos armados no Oriente Médio se intensifica, com bombardeios diretos ao Líbano e a outros países vizinhos. O cenário se agravou após explosões de walkie-talkies usados pelo Hezbollah, organização paramilitar apoiada pelo Irã. Desde então, cidades libanesas, incluindo a capital Beirute, têm sido alvo de intensos bombardeios israelenses, que já deixaram mais de mil mortos e cerca de um milhão de cidadãos desabrigados.

A morte do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, no final de setembro, e a rápida retaliação do Irã, com o lançamento de mísseis contra Israel no início de outubro, aumentaram as tensões na região e preocupam a comunidade internacional diante da possibilidade de uma guerra total. Em meio ao agravamento das fissuras na ordem internacional e da crise humanitária, no Brasil a semana foi marcada pela chegada dos primeiros repatriados que estavam em território libanês, enquanto o Governo Federal condena os ataques e pede cessar-fogo. 

Escalada do conflito põe em risco o sistema internacional 

O conflito atual representa uma grave fratura no sistema internacional estabelecido após a Segunda Guerra Mundial. De acordo com o professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense e integrante do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB/UFF), Bernardo Kocher, “nem mesmo a Guerra Fria produziu um tensionamento tão grande, já que esta foi vivenciada fortalecendo as normas que permearam o estabelecimento do atual conjunto de práticas políticas e jurídicas que regem a vida dos Estados Nacionais, como a descolonização da Ásia e África”. 

O especialista argumenta que a falta de adaptação das instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), às novas realidades geopolíticas, somada ao surgimento do poder econômico da China e à recuperação da Rússia, resultou em uma competição insustentável para as potências ocidentais.

Dentro desse cenário, o Oriente Médio passou a desenvolver um modelo de governança pautado na religião, o chamado “islã político”, em reação à dominação ocidental, especialmente das políticas imperiais dos Estados Unidos (EUA) e da Europa. A criação e manutenção do Estado de Israel, apoiado por esses países, é, segundo o professor, o principal instrumento de intervenção na vida política da região, exacerbando as tensões. 

“Daí o confronto com as políticas imperiais de EUA e Europa Ocidental que por variados caminhos se recusam conceder autonomia nas decisões nacionais para grandes produtores de energia fóssil e controladores de caminhos que interligam o mundo ocidental e o extremo oriente. O principal instrumento destes países é a manutenção subsidiada do Estado de Israel, principal instrumento de intervenção na vida política dos países do Oriente Médio.  Estes estão forçados a se confrontar com uma situação quase colonial trazida com a instauração de um Estado Nacional baseado no sionismo.”

Política externa brasileira e o limite da influência

Em relação à postura brasileira diante da atual crise no Oriente Médio, o especialista avalia a atuação do governo como “satisfatória, mas limitada”. O Brasil, por estar distante geograficamente e sem projeção significativa de poder, acaba restrito ao papel de mediador em iniciativas multilaterais de Estados coligados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, adota uma política externa de tom elevado, com repercussão internacional, mas que não tem o poder de concretizar medidas mais drásticas, como o rompimento de relações diplomáticas com Israel. Essa posição reflete as limitações do Brasil como mediador no conflito, embora haja esforços diplomáticos e de repatriação de brasileiros em zonas de guerra.

Com aproximadamente 20 mil brasileiros vivendo no Líbano, o Itamaraty e o Ministério da Defesa coordenam operações para trazer de volta pelo menos 3 mil pessoas que se encontram em situação de perigo, especialmente após o início dos ataques israelenses na região de Beirute. A operação já repatriou 673 pessoas, desta que é a maior comunidade brasileira no Oriente Médio, em uma ação que envolve logística complexa e colaboração internacional.

Os laços históricos entre Brasil e Líbano são antigos e baseados em uma longa história de imigração. Desde o final do século 19, muitos libaneses emigraram para o Brasil, estabelecendo uma das maiores comunidades da diáspora libanesa no mundo. Essa conexão moldou aspectos da cultura e economia brasileira e criou vínculos de solidariedade, evidentes na resposta brasileira aos eventos no país. 

 

Foto: Reuters/Jim Urquhart

Impacto econômico e geopolítico no Sul Global

A entrada do Irã no conflito, aliado ao Hezbollah e importante produtor de petróleo, traz implicações graves para o Sul Global. Kocher alerta para a vulnerabilidade do Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 30% da produção mundial de petróleo: “Um eventual bloqueio colocaria o Golfo Pérsico no mesmo patamar de restrição de mobilidade que o Mar Vermelho. De uma forma geral, uma guerra que envolva o Irã afetará, tal como ocorreu durante a Guerra Irã x Iraque (1980-1988), todo o Sul Global”, explica.

Com a recente adesão do Irã aos BRICS, há a possibilidade de uma intensa disputa pelo controle do mercado de energia fóssil, reflexo das complexas alianças geopolíticas globais. Além da relação amigável com a China, o Irã se tornou um importante aliado russo, fornecendo mísseis e drones em troca de recursos financeiros e suporte técnico. 

Ao mesmo tempo, embora seja improvável um envolvimento militar direto, os EUA reafirmaram publicamente seu apoio a Israel. “Caso o Irã entre em guerra, cujas consequências são incomensuráveis no presente momento, estará se travando indiretamente uma disputa de poder entre EUA e Europa Ocidental e o Sul Global, via BRICS”, afirma o professor.

Estreito de Ormuz. Território situado entre Irã, Omã e Emirados Árabes Unidos. MODIS Land Rapid Response Team, NASA GSFC

Desafios humanitários e diplomáticos

Diante da crise humanitária provocada pela guerra, milhões de pessoas enfrentam a fome e o deslocamento forçado, pressionando a comunidade internacional a intensificar a assistência humanitária. O Brasil, embora distante geograficamente, pode ser solicitado a contribuir em ações de socorro e a integrar negociações diplomáticas multilaterais. 

No último ano, mais de 41.909 palestinos, entre eles 17 mil crianças e 10 mil mulheres, foram mortos em Gaza, e outros 2 milhões estão refugiados em consequência dos bombardeios israelenses. Um estudo da revista The Lancet aponta que o número total de mortes, incluindo vítimas indiretas, pode chegar a 186 mil, com muitos corpos ainda sob escombros. Do lado israelense, o mesmo estudo revela que ao menos 1.139 civis morreram em decorrência do conflito. Enquanto a comunidade internacional pressiona por um cessar-fogo, a escalada do confronto continua a gerar mortes, destruição e um futuro incerto para a região.

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Bernardo Kocher é graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (1983), Mestre em História (1987) e Doutor em História (1997) pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é Professor Associado 4 da Universidade Federal Fluminense em regime de Dedicação Exclusiva. Tem experiência na área História das Relações Internacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Globalização, Terceiro Mundo, Oriente Médio e Política Externa Brasileira. Possui também experiência em pesquisa, orientação e ensino em Economia Política, notadamente a Economia Brasileira.

 

Por Gabriel Guimarães
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