A Baía de Guanabara, localizada no estado do Rio de Janeiro, é considerada uma das mais poluídas do país. O local, importante tanto para a economia quanto para a comunidade da região, sofre as consequências da ocupação desordenada do seu entorno. Diante disso, estratégias têm sido desenvolvidas por algumas instituições como forma de monitorar a situação do ambiente. Um exemplo é o estudo com cistos de dinoflagelados para detectar a poluição em determinados pontos da Baía de Guanabara, produzido pelos pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
O dinoflagelado é uma alga que está na base da cadeia alimentar. Quando consegue se locomover, permanece na coluna d’água, área que comporta a superfície até os sedimentos do fundo do mar, e se reproduz. Porém, quando não existem condições favoráveis, como a falta de alimentos e de quantidade de oxigênio disponível, ela adormece no sedimento em forma de cisto (com carapaça). Existem diferentes espécies de dinoflagelados e algumas são indicadores de poluição ambiental, ou seja, quando estão presentes, sinalizam alguma característica naquele ambiente que precisa ser investigada. Nos estudos realizados, o dinoflagelado utilizado é o Lingulodinium machaerophorum, relacionado à presença de resíduos oriundos do despejo de esgoto não tratado na Baía de Guanabara.
As áreas analisadas recebem esgoto in natura, ou seja, sem tratamento. Segundo o Sistema Nacional de Dados de Saneamento Básico (SNIS) de 2020, somente 55% dos brasileiros têm saneamento básico e quase 100 milhões (45%) não têm acesso ao tratamento do esgoto. Atualmente, o Brasil só possui tratamento de esgoto primário e secundário. O primário retira a parte sólida que está sobre a água, enquanto o secundário tenta remover a matéria orgânica. No entanto, “nenhum deles limpa, por exemplo, os metais e os vírus presentes na água. Eles apenas retiram os sólidos e deixam o restante. Isso quando tem tratamento. Afinal, há várias casas com ligação clandestina que jogam o esgoto diretamente nos rios e estes despejam na Baía de Guanabara,” destaca Alex de Freitas, doutor em Dinâmica dos Oceanos e da Terra pela UFF e pesquisador do estudo.
A maioria dos poluentes persistem no ambiente, se depositam no solo, em sedimentos e podem ser transportados para longas distâncias. Assim, os contaminantes se acumulam ao longo da cadeia alimentar, representando um fator de risco para a saúde das espécies, em especial as do topo da cadeia, como o ser humano. De acordo com Alex de Freitas, muitas pessoas pescam no entorno da Baía de Guanabara e isso é um problema. “O mexilhão, por exemplo, filtra as partículas de matéria orgânica juntamente com os metais e até mesmo com os vírus. Em algum momento, esse pescado será consumido pela população, que será direcionada para o Sistema Único de Saúde (SUS) devido à intoxicação ou algum outro problema.”
Por isso, monitorar pontos da Baía de Guanabara, a partir da coleta e análise de cistos de dinoflagelados, ajuda a determinar as áreas poluídas e a identificar qual o poluente responsável pela explosão desses cistos. Os últimos estudos investigaram as amostras do Porto de Niterói e do Canal do Cunha, localizado na zona norte do Rio de Janeiro. O professor José Antônio Baptista, orientador do estudo e docente da UFF na área de Geociências, explica o objetivo desse processo: “Estamos tentando verificar como os metais afetam os organismos. Os cistos de dinoflagelados são utilizados para que possamos entender como o metal afeta toda a biota até chegar no ser humano”.
Os resultados do primeiro estudo confirmam a presença de quatro metais pesados nos sedimentos do Porto de Niterói. Entre eles, chumbo e cádmio em valores acima dos encontrados no fundo da Baía de Guanabara. O dinoflagelado Lingulodinium machaerophorum foi detectado em três amostras. Além disso, a alta mortalidade de Artemia sp. (crustáceo que habita ambientes salinos) e a presença da bactéria Víbrio fischeri ratificam os resultados do estudo. As amostras que apresentaram maior mortalidade de Artemia sp. reforçam os maiores valores de cádmio observados na baía.
O segundo estudo, realizado com amostras do Canal do Cunha, evidenciou o alto nível de poluição local pelo despejo de esgoto não tratado. Os dados detectaram a presença de Lingulodinium machaerophorum no local e a bactéria Vibrio fischeri apresentou alta toxicidade na área. Nove amostras apresentaram valores classificados como de alta toxicidade. O sedimento possui alta concentração de BPA (Bisfenol A, composto usado na fabricação de policarbonato, tipo de resina utilizada na produção de produtos plásticos) em dois pontos de coleta, próximos à ecobarreira, estrutura flutuante que bloqueia a passagem de resíduos como plásticos e descartáveis, da comunidade Maré. Nas amostras analisadas, também encontraram hormônios (estrogênios naturais E2, E3 e sintéticos EE2). Todas as amostras continham metais pesados.
Os dados emitem um alerta sobre a necessidade de criar políticas de monitoramento ambiental nessas áreas da Baía de Guanabara, com o objetivo de reduzir os impactos ambientais negativos sobre os organismos e as comunidades do entorno. “A Baía de Guanabara é um coquetel de poluentes. Nós não trabalhamos só com metais pesados, mas também com poluição por remédios. Nós precisamos dessas ferramentas biológicas para ver se, realmente, esses metais afetam a região. Quando começa a afetar a cadeia alimentar, significa que, em algum momento, o homem terá um problema sério. Afinal, esses metais causam danos, desde problemas neurológicos até câncer,” finaliza José Antônio Baptista.
Os estudos foram patrocinados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).