Auxiliar deficientes visuais no acesso a informações e para o uso adequado de medicamentos. Esse é o objetivo do aplicativo “Bula Inclusiva”, produto desenvolvido na dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusão da Universidade Federal Fluminense (CMPDI-UFF), sob orientação da professora Suelen Adriani Marques, professora associada do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF). O app utiliza ferramentas como TalkBack – recurso de acessibilidade do Android que permite que pessoas cegas ou com baixa visão interajam com o dispositivo – além de mapas para informações sobre a bula e descarte de medicamentos.
O projeto visa solucionar um problema recorrente na saúde pública: a má utilização dos fármacos por pessoas com deficiência visual, principalmente pelas dificuldades em acessar informações da bula. De acordo com dados coletados no DataSUS a partir do Sistema de Informações de Agravos e Notificações (SINAN), 1,2 milhão de casos de intoxicação por mau uso de remédios foram registrados no Brasil, no período entre 2012 e 2021.
Hoje, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 47/2009 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabelece que as pessoas com deficiência visual podem requerer a bula acessível à companhia farmacêutica, a qual deve atender o pedido em, no máximo, dez dias úteis. Porém, esse tempo pode ser longo e comprometer a saúde do paciente.
Para reduzir esse problema, app tem suporte de leitura de texto por voz e possui configurações para definir horários de medicação, com o auxílio de alarmes e lembretes e o registro da dose a ser ingerida. Outra ferramenta é relacionada ao controle de validade do remédio, em que o utilizador insere informações sobre a data de vencimento do medicamento. Caso o fármaco esteja vencido, o aplicativo emite um alerta sonoro e disponibiliza indicações sobre locais para descarte seguro dos medicamentos, num sistema integrado com o Google Maps.
Mestre pelo CMPDI-UFF, farmacêutica e desenvolvedora do projeto, Thais Calheiros Conceição conhece bem esta dificuldade, por ser casada com uma pessoa cega. A pesquisadora explica que a interface do explica que a interface do aplicativo foi pensada para oferecer o máximo de acessibilidade possível para deficientes visuais.
“O aplicativo utiliza as fontes Arial e Times New Roman, porque pesquisas indicaram que esses formatos possuem as melhores letras para pessoas com baixa visão. Na questão de cores, foram feitos estudos com vários teóricos, que disseram que o contraste de cores traz mais acessibilidade, então o app foi pensado para aproveitar o máximo do benefício visual, utilizando cores azul, branco e amarelo. Além disso, o programa funciona de forma excelente com o TalkBack, ou seja, o usuário vai clicar e ativar esse recurso para utilizar o leitor de telas”.
Em fase final de testes, a ferramenta já foi registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e dispõe, até então, de versão para o sistema Android, desenvolvida pelo analista de sistemas, Luciano Vargas de Mattos, que utilizou o Android Studio Koala, compatível com código Java. Essa linguagem é utilizada para a criação de programas acessíveis, no caso do app desenvolvido, a ideia era permitir que o usuário utilizasse diversas janelas mantendo o celular na mesma tela, para não dificultar o uso do Talkback.
A metodologia utilizada na criação do programa foi a Design Thinking, seguindo as etapas de imersão no tema, idealização, prototipação e desenvolvimento, com o propósito de criar uma solução tecnológica que melhorasse a qualidade de vida das pessoas cegas.
“Esse método trabalha muito bem com a reversão do tema. Tivemos que entender muito bem a questão da deficiência visual, por isso nós ouvimos pessoas com baixa visão para captar e validar ideias, realizando o brainstorming. Também trabalhamos com mapas mentais para analisar como o aplicativo seria criado. No desenvolvimento, a interação com o desenvolvedor visava saber todas as ferramentas possíveis para inserção no app, a partir daí, começamos a fazer os testes e o aprimoramento contínuo”, explica Conceição.
Na etapa de validação, foram realizadas conversas com o público-alvo do aplicativo para análise de eficiência do programa. De acordo com os desenvolvedores, os feedbacks foram positivos, principalmente na utilização de cores de contraste para favorecer a acessibilidade. Além disso, as dicas farmacêuticas também foram um destaque positivo dessa etapa.
Atualmente, o app está fechado para o público e encontra-se em fase de testes com voluntários – a maioria da própria UFF -, por ser considerado “produto sensível” pela Play Store, uma vez que trabalha diretamente com medicamentos. A expectativa dos desenvolvedores é que o aplicativo seja lançado e disponibilizado para o público geral ainda no primeiro semestre deste ano.
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Thaís Calheiros Moreira é mestre em Diversidade e Inclusão pela Universidade Federal Fluminense. Possui graduação em Farmácia, com habilitação em Homeopatia e licenciatura em Ciências Biológicas, ambos pela Universidade Salgado de Oliveira. É especialista em Educação Inclusiva pela Universidade Cândido Mendes, em Farmácia Hospitalar pela Universidade Estácio de Sá e em Farmácia Clínica Direcionada à Prescrição pela Faculdade do Vale. Atua como farmacêutica na Drogaria Mais Brasil Farma e possui experiência nas áreas de Farmácia e Educação.
Suelen Adriani Marques é fisioterapeuta, neurocientista com mestrado e doutorado pela UFRJ, professora associada do Instituto de Biologia da UFF, e atual coordenadora do Programa de mestrado profissional em Diversidade e Inclusão da Universidade Federal Fluminense.