A conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas têm sido tema de trabalhos desenvolvidos em diversos centros de pesquisa e universidades públicas do país. Esse é o caso, por exemplo, do projeto de pesquisa “Instrumentos de Política Ambiental e Cadeias de Valor: Governança Multinível para a Biodiversidade e a Mudança climática em Brasil, Colômbia e Indonésia”, que começa a ser executado em abril de 2021 e tem a participação da Universidade Federal Fluminense através do docente do Departamento de Economia, Roldan Petro Muradian.
O estudo é produto de uma parceria internacional entre grupos de pesquisa que inclui também a Universidade de Antuérpia (Bélgica), o Centro de Leibniz para Pesquisa em Paisagem Agrícola (Alemanha), a Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (Noruega), a Universidade Gadjah Mada (Indonésia), a Universidade de Lund (Suécia) e a Universidade Federal de Santa Catarina.
O objetivo central da pesquisa é investigar as implicações das mudanças dos modos de governança de várias cadeias de valor entre três países tropicais (Brasil, Colômbia e Indonésia) e a União Europeia para a conservação da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas nos países exportadores. Roldan explica que as cadeias de valor seriam as relações comerciais entre os diferentes agentes envolvidos desde a fase de produção até o consumo final. Essas cadeias correspondem a produtos primários agrícolas ou mineiros, cultivados ou extraídos nesses três países exportadores e consumidos na Europa. No caso do Brasil, os dois produtos selecionados são ouro e carne de gado.
considerações ambientais podem causar restrições nas exportações do Brasil de várias maneiras”, Roldan Muradian, docente do Departamento de Economia da UFF.
De acordo com Roldan, “a exportação de mercadorias acontece através de ‘cadeias de valor’, que podem ser muito complexas e transpassar fronteiras nacionais (e estão reguladas por diferentes sistemas legais). O intuito do projeto é estudar como essas cadeias são governadas pelos próprios agentes que delas participam. Um supermercado na Europa, por exemplo, pode formular critérios ambientais para decidir onde comprar seus produtos. Um desses critérios pode ser, por exemplo, que a mercadoria não tenha sido produzida em zonas de desmatamento recente. Isso pode afetar de maneira positiva ou negativa a capacidade de alguns produtores brasileiros de exportar para esse comprador estrangeiro, dependendo de onde operam”, explica.
Para o economista, o desmonte atual da política ambiental no Brasil é vista com muita preocupação mundo fora. “Durante um longo período de tempo (2001-2014), o país foi exemplo no mundo com respeito a políticas públicas para reconciliar objetivos econômicos, sociais e ambientais. Naquele momento, o país conseguiu ter altas taxas de crescimento econômico, ao mesmo tempo em que diminuiu a desigualdade social e as taxas de desmatamento. Uma combinação única na história da América Latina”, enfatiza.
Porém, como ressalta o pesquisador da UFF, a partir de 2014 houve uma quebra dessa tendência, com um aumento significativo do desmatamento, processo que foi acelerado desde 2018. “Uma das motivações centrais do projeto, inclusive, é a preocupação de muitos consumidores europeus de não estarem contribuindo com o desmatamento ou o extermínio de povos da floresta no país, ao consumirem produtos exportados pelo Brasil”, esclarece.
Essa preocupação tem se traduzido, atualmente, em restrições nas importações por parte do consumidor europeu. De acordo com Roldan, “considerações ambientais podem causar restrições nas exportações do Brasil de várias maneiras. Uma é colocando em risco os acordos de livre comércio UE-Mercosul. Outra é por meio de boicotes de empresas importadoras ou de consumidores europeus aos nossos produtos. Isso de fato já está acontecendo. Muitas organizações têm anunciado que irão deixar de comprar produtos brasileiros produzidos em zonas com risco de desmatamento”.
Nosso papel é mostrar a evidência, mas isso não é suficiente. A proteção do meio ambiente e dos povos da floresta precisa de uma mudança moral coletiva. Temos que mudar nosso jeito coletivo de estar no mundo”, Roldan Muradian, docente do Departamento de Economia da UFF.
Além disso, a evolução contínua e progressiva do desmatamento nos últimos anos chegou a pontos críticos durante o ano de 2020. “Infelizmente a pandemia tem mostrado os possíveis efeitos dramáticos da negação da ciência: milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas no Brasil e nos Estados Unidos. Existe uma associação entre preferências políticas autoritárias e diferentes tipos de negacionismo, contra a vacinas ou as mudanças climáticas, por exemplo”, pontua o professor da UFF.
O economista complementa afirmando que o negacionismo das mudanças climáticas que domina atualmente a diplomacia nacional muito provavelmente vai se confrontar com a diplomacia climática do atual governo dos EUA. Segundo o docente, “estudar as causas sociais e psicológicas do negacionismo é um dos grandes desafios atuais para as ciências sociais. Não é um fenômeno brasileiro. Na França, o país onde nasceu a ilustração, a metade da população se declara cética da vacina contra a COVID-19. Estamos ainda longe de entender esse fenômeno social mundial”.
A diplomacia, as empresas transnacionais e os consumidores fora do Brasil têm um papel importante em todo esse cenário, explica o professor. “O desmonte das políticas ambientais pode ter um efeito muito negativo no desempenho do agronegócio. Paradoxalmente, esse setor, que tradicionalmente tem se posicionado contra o meio ambiente, agora está ficando mais próximo dos ambientalistas, porque sabe que uma imagem ruim do país, por causa de seu mal desempenho nessa área, pode afetar negativamente os acordos comerciais e as exportações”, desabafa.
Apesar de a maioria dos brasileiros ser contra o desmatamento, de acordo com pesquisas recentes apontadas por Roldan, essa mesma maioria teria votado por uma opção política que sempre se colocou contra a proteção ambiental. “Nosso papel é mostrar a evidência, mas isso não é suficiente. A proteção do meio ambiente e dos povos da floresta precisa de uma mudança moral coletiva. Temos que mudar nosso jeito coletivo de estar no mundo”, conclui.