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Pesquisas da UFF potencializam medicamentos a partir da nanotecnologia

Estudos laboratoriais buscam terapias com menores efeitos colaterais e dosagens mais assertivas.
Reprodução: Ana da Mata / SCS UFF

 

Um mundo no qual os medicamentos, além de combater doenças com maior eficiência, também causam menos efeitos colaterais e são administrados em doses mais precisas. Esse cenário está se tornando realidade graças à nanotecnologia, uma área da ciência que manipula a matéria em escalas extremamente pequenas na casa dos nanômetros. Ao utilizar essas minúsculas partículas, os cientistas criam formas mais precisas e inovadoras de tratar doenças. 

A pesquisa, desenvolvida no Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia (LQSN) da UFF pela aluna de doutorado Isabela Bessa, sob orientação da professora do Departamento de Química Inorgânica, Célia Machado Ronconi, usa a nanotecnologia para encapsular medicamentos com o objetivo de direcioná-los diretamente às células doentes, a fim de reduzir o impacto sobre as células saudáveis e minimizar efeitos adversos. No mesmo processo, as dosagens podem ser ajustadas com maior exatidão, o que garante maior eficácia e segurança ao tratamento. 

A busca pela assertividade na reestruturação de fármacos se deve aos efeitos bruscos nos tratamentos modernos, como a queda de cabelo no tratamento contra o câncer. Bessa explica que “esse efeito acontece, pois o fármaco utilizado não diferencia uma célula saudável de uma célula cancerosa, o que afeta todo o sistema dos pacientes. A nanotecnologia trabalha para incorporar essa substância a uma nanopartícula ou a um nanomaterial, para que ele possa ser guiado diretamente para a célula cancerosa, impedindo ou diminuindo o contato de células normais com esse fármaco. Nos nossos estudos, observamos que existe um efeito de aumento de permeação e retenção das nanopartículas das células cancerosas, que não ocorre com as células saudáveis. Logo concluímos que os nanomateriais, por terem um tamanho extremamente pequeno, têm preferência e tendência a direcionar-se para as células tumorais.”

A nanotecnologia não só promete tratamentos mais direcionados, mas também uma mudança significativa na forma como os medicamentos são administrados. De acordo com a doutoranda, as nanopartículas também podem ser projetadas para liberar medicamentos de forma controlada ao longo do tempo e,  assim, evitar a necessidade de múltiplas doses diárias e melhorar a adesão ao tratamento. Ademais, essas partículas podem ser adaptadas para responder a estímulos específicos, como mudanças no pH do ambiente ou a presença de marcadores biológicos, permitindo a liberação mais precisa e ajustada às necessidades do paciente. Com isso, tratamentos complexos, como os de câncer ou de doenças crônicas, podem se tornar mais gerenciáveis e menos invasivos.

Embora tenha um potencial inovador, vários desafios precisam ser superados para que esses medicamentos saiam do laboratório e se tornem tratamentos amplamente disponíveis. Um dos principais entraves ressaltados pela pesquisadora é a complexidade na fabricação e na escalabilidade das nanopartículas, visto que produzi-las em grandes quantidades, com consistência e qualidade necessárias para uso clínico, é um processo complexo e caro. 

“As partículas são muito fáceis de se modificar na superfície, por isso existem diversas modificações e cada uma delas vai causar uma interação diferente com o sistema biológico. Assim, se mudarmos também o corpo base dos testes, as interações vão ser diferentes. Essa é uma das maiores dificuldades no translado para o mercado e na obtenção de um controle de qualidade certeiro naquela produção da nanopartícula.”, esclarece Bessa. 

 

Reprodução: Isabela Bessa e Célia Ronconi.

Os testes, em geral, são essenciais para avaliar a segurança e a eficácia de novas terapias antes de sua aplicação em humanos. A pesquisadora explica que, no caso da pesquisa do LQSN, a metodologia utiliza biocompatíveis para realizar as testagens, o que permite observar como pequenos veículos de entrega interagem com um organismo, como são metabolizados e causam efeitos que ampliam o estudo. Esses testes permitem identificar potenciais toxicidades e avaliar a eficácia de novos tratamentos em um organismo que simula, em algum grau, o funcionamento do corpo humano. Com as nanopartículas, os pesquisadores podem investigar como essas nanotecnologias são distribuídas e eliminadas pelo corpo e  monitorar possíveis reações adversas.

“Nós publicamos um artigo esse ano sobre nanomateriais de sílica mesoporosa, um material de pequenos poros uniformes, e hidroxiapatita – mineral que compõe os ossos e dentes. A hidroxiapatita tem a vantagem de ser um material biocompatível, pois é o principal constituinte dos ossos humanos. Então, ao propormos esse trabalho, a ideia era sintetizar um material que fosse mais biodegradável, para que a sílica não se acumulasse tanto nos tecidos. Ao incorporar a hidroxiapatita numa mesma estrutura, podemos ter um material mais biocompatível. Numa aplicação prática, ela é solúvel em pH ácido, que é o meio das células cancerosas. Dessa forma, trata-se de uma proposta pensada para a melhoria dos fármacos anticancerígenos”, comentou a estudante de pós-graduação.

A pesquisa citada pela estudante revela dois tipos de nanomateriais criados ao combinar os componentes hidroxiapatita e sílica mesoporosa. O primeiro tipo, HAP-MSN, apresentou uma estrutura alongada e uma mistura sutil de sílica e hidroxiapatita, enquanto o segundo, MSN-HAP, mostrou fases distintas: uma esférica de sílica e a outra formada por nanocristais de hidroxiapatita. Esses materiais foram carregados com doxorrubicina (DOX), um medicamento utilizado no tratamento de câncer. Dessa forma, destacou-se que, apesar de ambos os nanomateriais liberarem DOX de forma mais lenta e controlada em ambientes ácidos, o MSN-HAP demonstrou menor toxicidade e uma liberação de medicamento mais lenta.

De forma geral, apesar do estágio inicial da pesquisa, os resultados atingidos indicam um potencial promissor para a medicina, especialmente para tratar doenças ósseas e prevenir infecções em implantes. O uso desses nanomateriais pode tornar o tratamento mais eficaz e direcionado, aproveitando a capacidade de liberar medicamentos de forma controlada e prolongada. 

Reprodução: Ana da Mata / SCS UFF

Cenário brasileiro na nanotecnologia

A nanotecnologia avança cada vez mais no cenário brasileiro. Para a coordenadora da pesquisa, Célia M. Ronconi, alguns dispositivos estão em um estágio maior de desenvolvimento. “No país, temos muitos dispositivos que já estão mais avançados e têm uma maturidade tecnológica maior. Posso citar, por exemplo, aqueles para tratar queimaduras e algumas doenças de pele, usando nanopartículas inorgânicas ou sais dispersos em membranas de celulose”. 

Além de uma maior assertividade, a busca pela nanotecnologia também se refere à redução de dosagens aos pacientes, que é prevista nos resultados in vitro das pesquisas. “Ao aumentar a biodisponibilidade de um fármaco no organismo – ou seja, a medida de quanto e quão rapidamente um medicamento ou nutriente é absorvido e disponibilizado no corpo após aplicado – através do biomaterial hidroxiapatita, observamos que há uma retardação dessa liberação em estudos celulares in vitro. No câncer de esôfago, foco do estudo, a capacidade das células de se manterem vivas caiu mais lentamente. Isso faz com que precisemos fazer doses menores no paciente, uma vez que aquele fármaco vai ser consumido pelo organismo aos poucos e não de uma vez só”, acrescentou a pesquisadora Isabela Bessa. 

As pesquisadoras ainda ressaltam, como fator de inovação, o potencial de redução nos custos associados ao desenvolvimento e à administração de medicamentos, visto que, com a diminuição de dosagens aos pacientes, e consequente redução da quantidade de medicamento utilizada, a nanotecnologia pode moderar os custos de tratamento a longo prazo. Ronconi complementa que “menos efeitos colaterais significam menos necessidade de tratamentos adicionais, aumentando o bem-estar do paciente”. Logo, à medida que essas tecnologias avançam e se tornam mais acessíveis, espera-se uma era de terapias mais inteligentes e personalizadas, trazendo benefícios não apenas para os pacientes, mas para a evolução do sistema de saúde.

Uma das principais forças do Brasil na área de nanotecnologia é o sistema acadêmico e de pesquisa do qual as instituições de ensino superior e os centros de pesquisa integram. Esses centros são o pontapé inicial das pesquisas nanotecnológicas no país e ampliam a compreensão das aplicações da nanotecnologia em campos como a medicina e a farmácia.

 

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Célia Machado Ronconi é professora Associada IV do Departamento de Química Inorgânica (GQI) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Cientista do Nosso Estado-RJ (Faperj), bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e Fellow of The Royal Society of Chemistry (FRSC). Editora associada no Journal of the Brazilian Chemical Society, membro do Advisory Board da Dalton Transactions (RSC), coordenadora da área química da Faperj e membro da Rede de Nanotecnologia do Estado do RJ. Fundadora e coordenadora do Laboratório de Química Supramolecular e Nanotecnologia e do Laboratório Multiusuário de Caracterização de Materiais da UFF, com trabalhos de pesquisa na área de nanotecnologia envolve a obtenção de nanomateriais e nano válvulas para o diagnóstico e tratamento de doenças. Também desenvolve materiais nanoporosos para captura e separação de gases.

Isabela Alves de Albuquerque Bessa é Bacharel (2020) e mestre (2023) em Química, com ênfase em Química Inorgânica, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente, é aluna de doutorado no Programa de Pós Graduação em Química da UFF, onde sua pesquisa abrange a síntese e caracterização de nanomateriais inorgânicos e sistemas supramoleculares. Seus interesses incluem o desenvolvimento de tecnologias para a adsorção de CO2, criação de biossensores para detecção de viroses e formulação de sistemas veiculadores de fármacos, com aplicações no tratamento do câncer, leishmaniose e doenças neurológicas. 

 

Por Lívia Galvão
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