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Aplicativo revoluciona o cuidado com a saúde mental na Antártica

Desenvolvido pela UFF, o SAÚDEANTAR-IA leva atendimento psicológico a regiões isoladas no planeta e está em uso na Operação Antártica deste ano

O isolamento extremo, o frio intenso e a vastidão branca da Antártica formam um cenário que desafia não apenas a resistência física, mas também a saúde mental dos que vivem e trabalham nesse ambiente. Foi nesse contexto que uma pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF) desenvolveu o aplicativo (app) SAÚDEANTAR-IA, que visa ampliar o monitoramento e o cuidado com o bem-estar psicológico em situações de confinamento extremo.

Ao combinar inteligência artificial, conectividade via satélite e teleatendimento especializado, a ferramenta já está em uso na Estação Antártica Comandante Ferraz e em navios polares, como apoio da Marinha do Brasil (Secirm). Agora, será testada pela primeira vez em acampamentos localizados em ilhas remotas da Antártica.

Coordenado pelo psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da UFF, Jairo Werner, o projeto tem o suporte financeiro do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e já atraiu a atenção de pesquisadores pelo mundo. “O desenvolvimento do aplicativo com o doutorando Gabriel Lins, foi motivado pela necessidade de respostas rápidas às demandas de saúde mental durante as expedições à Antártica. Diferentemente de outros sistemas, nossa plataforma não busca diagnosticar patologias, mas identificar perfis de vivência antártica. Ele funciona como um canal de expressão, ao possibilitar autorreflexão e assistência em tempo real”, conta o professor.

Foto: Laboratório do Projeto SAÚDEANTAR-IA / Estação Antártica Comandante Ferraz / 43ª Operação Antártica do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR)

O projeto tem como principais objetivos aprofundar a compreensão sobre as relações entre alterações no ciclo circadiano e os estados de humor, bem como explorar as representações sociais dos papéis desempenhados no ambiente antártico. Ademais, busca investigar as estratégias de enfrentamento utilizadas por indivíduos em condições extremas de isolamento, desenvolver programas e protocolos específicos para preparação e assistência em saúde mental, e oferecer suporte tanto individual quanto grupal diante de crises e situações de estresse. Outro propósito fundamental é contribuir para a implementação de um modelo de supervisão remota em saúde mental, utilizando a infraestrutura do Sistema de Telepresença Holográfico da UFF como base para um apoio matricial eficiente e inovador.

A inovação representa um avanço significativo em relação à “Caderneta Antártica de Saúde Mental”, criada em 2019 pela equipe de Werner. Enquanto a caderneta servia para registrar informações manualmente, o aplicativo permite a coleta de dados diários, em tempo real, sobre sono, humor e sentimentos. Além disso, oferece ao usuário uma interface interativa, auxiliada por inteligência artificial, para orientar em questões emocionais, médicas e farmacológicas.

Reprodução: Aplicativo

Resultados animadores e desafios em meio ao gelo

“Os primeiros resultados são positivos, assim como a receptividade dos expedicionários”, afirma o psiquiatra. Ao monitorar os perfis de sono, humor e sentimentos, o aplicativo é capaz de emitir alertas em caso de risco psicológico. Ademais, conta com um chat integrado, que permite aos usuários solicitar atendimentos remotos com a equipe de psicologia e psiquiatria do projeto. “Estamos acompanhando relatos de como a ferramenta oferece segurança e amparo emocional, mesmo em condições extremas”, acrescenta Werner.

Implementar um sistema digital em um dos lugares mais inóspitos do planeta exige superar barreiras técnicas e logísticas. O professor destaca três grandes desafios enfrentados pela equipe: a conectividade, a confiabilidade dos equipamentos e a aderência dos usuários. “A conexão à internet é essencial para o funcionamento do aplicativo. Por isso, firmamos parcerias estratégicas com provedores de satélite. Manter os equipamentos funcionais, como baterias e dispositivos móveis, e o uso disciplinado do aplicativo pelos expedicionários são importantes para o desenvolvimento. Caso os usuários não o utilizem corretamente, isso pode gerar ruídos nos dados e comprometer os resultados. Por isso, é fundamental integrá-lo à rotina dos participantes.”

Embora a plataforma do SAÚDEANTAR-IA tenha sido concebida para o ambiente antártico, seu potencial vai além. Werner acredita que a ferramenta pode ser adaptada para outros cenários de isolamento e confinamento, como missões espaciais ou plataformas de petróleo. “Situações de risco que exigem monitoramento constante da saúde mental são ideais para a aplicação do nosso sistema, desde que sejam feitas as adequações necessárias. Ainda, a próxima fase do projeto prevê a ampliação do escopo do aplicativo para outras áreas da saúde, como endocrinologia, cardiologia e dermatologia. Essa evolução permitirá um cuidado ainda mais integral para aqueles que vivem e trabalham em situações extremas”, acrescenta o pesquisador.

Impacto positivo gera reconhecimento ao projeto 

 Na operação antártica anterior, a equipe do SAÚDEANTAR-IA já havia apresentado outro projeto inovador: o Consultório Virtual de Saúde, montado no módulo Meteoro, que integra o Projeto Telessaúde e realiza atendimentos conduzidos a partir do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP-UFF), com a transmissão holográfica de imagens.

Mais do que uma ferramenta tecnológica, o novo app avança no cuidado com a saúde mental em ambientes extremos. “Nosso objetivo é não apenas monitorar, mas criar um espaço seguro para que os expedicionários reflitam sobre sua vivência antártica enquanto ela acontece. A combinação de inteligência artificial, telemedicina e suporte humano, demonstra que podemos usar da inovação para cuidados mesmo nos cantos mais remotos do planeta. O próximo passo é levar essa experiência a novos contextos, ampliando ainda mais os horizontes do projeto”, completa o coordenador.

Módulo Meteoro, localizado na Estação Brasileira na Antártica. Foto: Acervo do Projeto Telessaúde

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Jairo Werner Junior possui graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense, Mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense e Doutorado em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas, Professor Titular da Faculdade de Medicina Universidade Federal Fluminense nas disciplinas/áreas: Neuropsiquiatra Infantil / Psiquiatria infantil / Desenvolvimento Infantil. Tem dedicado sua carreira docente no campo da Medicina, na especialidade – Psiquiatria / Psiquiatria da Infância e Adolescência (Registro de Especialidade 18360 e 18361). Coordena o Setor de Psiquiatria da infância,Juventude e Família / MMI – Faculdade de Medicina da UFF. Fundador do Instituto de Pesquisas Heloísa Marinho. Coordena o Projeto de pesquisa “SAÚDEANTAR:DIMENSÕES DE SAÚDE MENTAL NO ISOLAMENTO ANTÁRTICO” que faz parte do PROGRAMA ANTÁRTICO BRASILEIRO (CNPq-CHAMADA 2018).

 

Por Lívia Galvão
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