Lavar as mãos foi uma das práticas recomendadas pelos órgãos de saúde pública durante a pandemia da Covid-19. No entanto, essa ação era um fator limitante para moradores de comunidades, em razão da falta do sabão como produto de limpeza. Além disso, a importância da mulher no cuidado com as crianças e, em muitos casos, como chefe de família, ficou evidente nesse período. Tais questões motivaram uma iniciativa da Universidade Federal Fluminense (UFF) para transformar essa realidade. O “Projeto ArteMísia: letramento social e empreendedorismo feminino no cultivo de ervas medicinais e na produção de sabonetes artesanais” atua no município de São Gonçalo e tem como objetivo mobilizar e qualificar mulheres de comunidades vulneráveis para a participação social, política e geração de renda.
Iniciado em 2022, o projeto é fruto de parceria entre a UFF e o Movimento Cidade no Feminino. A ação visa à produção e comercialização de produtos naturais provenientes do cultivo de plantas medicinais. Para isso, mulheres de comunidades receberam capacitação em diferentes áreas do projeto, que engloba dez comunidades de São Gonçalo: Itaoca, Jardim Catarina 1, Jardim Catarina 2, Jockey, Lagoinha, Monjolos, Neves, Sacramento, Salgueiro e Venda da Cruz. Além disso, a proposta recebeu o apoio de emenda parlamentar do deputado Chico D’Angelo (PDT) na fase inicial. Agora, conta com verba parlamentar da deputada Talíria Petrone (PSOL) na fase final.
Por meio da extensão universitária, as docentes Dirlane de Fátima e Maria Carolina Anholeti, do Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente e de Farmácia da universidade, respectivamente, coordenam a iniciativa, juntamente com Leila Araújo, servidora associada ao Instituto de Medicina Social da UERJ e membro do Movimento Cidade no Feminino. “Sempre direciono as pesquisas para projetos de extensão porque somos uma universidade pública. Portanto, precisamos retornar nosso serviço para a sociedade. A ideia era produzir algo para as mulheres reconhecerem sua capacidade de se organizar, trabalhar e materializar um produto de qualidade que não cause danos ambientais. Por isso, direcionamos para o cultivo de plantas medicinais. Além disso, o produto também é uma alternativa de renda para elas”, destaca Dirlane de Fátima.
A ideia inicial era produzir sabonetes naturais a partir das ervas medicinais cultivadas pelas mulheres do projeto. Porém, a não utilização de insumos químicos nos produtos inviabilizou essa proposta. Desse modo, o cultivo das plantas medicinais foi direcionado para ervas que formam bastante biomassa, resultando na inclusão de outros produtos. Além dos sabonetes, a cartela de produtos engloba escalda pés, travesseiros aromáticos e vendas de descanso para os olhos. Toda mercadoria é baseada em produtos naturais. “Nós trabalhamos com sabonete natural, um produto difícil de encontrar no mercado. Não utilizamos nenhum insumo químico. Trabalhamos com óleos vegetais e produtos naturais. Logo, não é um sabonete artesanal, é natural. Temos esse diferencial no nosso produto”, ressalta Dirlane de Fátima.
Créditos: Arquivo do Projeto ArteMísia
Em relação à sustentabilidade, o projeto promove o cuidado com o meio ambiente. Dirlane enfatiza que lavar as mãos com sabonete químico, por mais inocente que pareça, resulta no despejo de componentes danosos na água. Em razão disso, toda a proposta é baseada na perspectiva agroecológica. A importância de pensar na natureza é reforçada no projeto a partir da reutilização de resíduos orgânicos e do controle de pragas utilizando produtos alternativos.
Créditos: Arquivo do Projeto ArteMísia
O projeto foi estruturado em três etapas. A primeira é a sensibilização e o diagnóstico da comunidade. Nesse momento, a líder de cada comunidade escolheu quinze mulheres para serem capacitadas. Cento e cinquenta mulheres participaram do primeiro encontro na universidade, em agosto de 2022, e cada comunidade teve seu grupo separado de acordo com o interesse e a aptidão para habilitação em determinada área: cultivo de ervas medicinais, produção de sabonetes naturais e marketing sustentável. A finalidade do encontro foi conhecer o estilo de vida e o perfil de cada participante.
Na segunda etapa, ocorreram as capacitações com teoria e prática. As capacitações de sabonete ocorreram em outubro do ano passado; as de cultivo de ervas medicinais e marketing, em dezembro do mesmo ano, na UFF. Posteriormente, capacitações com partes práticas supervisionadas foram realizadas em São Gonçalo, em um local que também abriga os cultivos de ervas. Além disso, o projeto também contratou uma saboeira da Chapada Diamantina para fazer a capacitação e acompanhar a produção dos sabonetes. Atualmente, a saboeira realiza o monitoramento virtual desse processo.
No momento, a terceira etapa encontra-se em andamento e consiste no desenvolvimento da marca e comercialização do produto, intitulado “Lafawè” (favela ao contrário, mas com w no lugar do v). O nome foi escolhido pelas mulheres do projeto, que são, em sua maioria, negras. Elas idealizaram uma marca forte e que, ao mesmo tempo, as representasse. Por isso, o símbolo da Lafawè é a flor da favela.
Créditos: Arquivo do Projeto ArteMísia
Atualmente, as setenta mulheres que permaneceram no projeto estão em processo de formalização do registro na Cooperativa de Mulheres Saboeiras do Estado do Rio de Janeiro (COOP.MUS). A cooperativa é a primeira do estado do Rio de Janeiro e representa um resultado do projeto. Nesse sentido, a docente Dirlane de Fátima comenta sobre a finalização dessa empreitada: “Montamos um modelo de trabalho com horários flexíveis e que pode ser feito dentro das comunidades. Isso permite uma forma de trabalho dentro das condições dessas mulheres. Também criamos um produto com base em organização, diálogo e cuidados ambientais. Nosso objetivo é que o produto seja acessível para essas mulheres. Ele será vendido nas comunidades por um preço menor e para o público em geral por um preço maior. O importante é ser acessível para todos”, finaliza.