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UFF Angra dos Reis cria rede de educação para redução de desastres socionaturais

As águas de março fechando o verão – como na canção de Tom Jobim – não são apenas fonte de inspiração para poetas e compositores, mas também trazem preocupação para os moradores das grandes cidades. Os problemas causados pelos temporais, não só no verão, como durante todo o ano, fizeram surgir em 2015 a Rede de Educação para Redução de Desastres (RED). Formada por professores da UFF de Angra dos Reis e profissionais de diversas áreas, a iniciativa reúne diferentes grupos de pesquisa e as secretarias municipais de Educação, Proteção e Defesa Civil, Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade. Nesse sentido, foi criado o “Curso de Capacitação de Educadores para Redução de Desastres”. Considerado um dos maiores projetos de capacitação de profissionais da educação do Brasil na área, o curso se encontra atualmente em sua segunda edição.

A RED, formada também pelo Grupo de Pesquisas em Desastres Socionaturais (Gden) e pela Coordenação de Pesquisa, Extensão e Inovação do Instituto de Educação de Angra do Reis (CPEX/Iear), conta desde sua criação com a parceria do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), e a partir de 2016, com o trabalho dos Grupos de Pesquisa em Dinâmicas Ambientais e Geoprocessamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Dageop/Uerj), de Estudos Integrados em Ambiente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Geia/UFRRJ) e de Estudos da Baía da Ilha Grande (Gebig/UFF).

Todas as instituições que compõem a rede se comprometem com o trabalho coletivo. Segundo o professor do Departamento de Geografia e Políticas Públicas da UFF de Angra dos Reis, Anderson Mululo Sato, “a integração interinstitucional e intersetorial dos esforços viabiliza o aprimoramento dos projetos, melhoria de sua eficiência, eficácia e sustentabilidade”, ressalta o especialista.

Segundo Sato, a RED trabalha para criar, executar e aprimorar projetos educacionais que visam à redução do risco de desastres ambientais. Além disso, a rede monitora as áreas de risco com pluviômetros e radares de chuva, sensores de nível para medir a oscilação dos rios, sensores geotécnicos para aferir o movimento das encostas, mapeamentos de suscetibilidade, entre outros, integrando as comunidades, moradores e instituições na proteção da sociedade e defesa civil.

De acordo com pesquisas realizadas pela rede, mais da metade dos deslizamentos é provocado por ação do homem. Assim, explica o professor, o modelo atual adotado nas áreas de risco para o sistema de alerta e alarme está fadado ao fracasso, pois para a comunidade predomina a ideia de que o mais importante não é a vulnerabilidade dos moradores, mas o aviso emitido pela sirene. “Temos que desconstruir a visão de que os desastres são naturais. Devemos, sim, colocar o homem no centro da discussão e neste aspecto a educação tem papel fundamental”, enfatizou.

Na entrevista a seguir, o professor Anderson Sato fala sobre a RED:

A rede se destina apenas para a capacitação de professores?

Não, reunimos diferentes profissionais. No entanto, a RED entende que a educação para redução do risco de desastres pode e deve ser trabalhada nas práticas educativas formais e não formais. Nesse processo, o professor é fundamental e certamente nos leva a criar estratégias e metodologias muitas vezes específicas, obviamente adaptadas aos diferentes contextos de ameaças e vulnerabilidades. Daí a necessidade de trazer os educadores das escolas públicas para o debate e torná-los multiplicadores de informações.

Os recursos para criação e implantação da RED vieram unicamente da UFF ou existem também outras instituições envolvidas?

O recurso humano, composto por professores, alunos e gestores da universidade, da prefeitura de Angra dos Reis e de outras universidades e centros de pesquisa, foi o principal meio para possibilitar a criação e a manutenção da RED. Devemos valorizar esse capital, pois o tema desastres vai muito além do âmbito institucional. Acima de tudo, é uma questão de cidadania. Vale lembrar que desde a sua criação em 2015 foram investidos R$ 4.800,00 de uma bolsa de iniciação à inovação (Pibinova 2015-2016) da Agência de Inovação (inserir link: http://www.agir.uff.br/) da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (Agir/Proppi) da UFF e aproximadamente 2.500 horas de trabalho da equipe que coordena as ações e projetos. Em 2017, estamos pleiteando bolsas de extensão à Pró-Reitoria de Extensão (Proex). Outras ações e projetos têm se viabilizado pelo apoio de instituições e de empresários que atuam como parceiros.

Qual foi a expectativa de investimento?

Existe uma clara limitação por parte dos profissionais envolvidos nas ações e projetos, pois eles não possuem como única atribuição sua atuação na RED. Os professores das universidades participantes também fazem parte de outros projetos e têm outras responsabilidades, assim como os gestores municipais. Temos resultados que indicam que o trabalho na rede gera grande satisfação aos seus participantes, aumentando a integração interinstitucional e intersetorial dentro da própria Prefeitura Municipal de Angra dos Reis e do Instituto de Educação do município. O ideal seria investir ainda mais tempo da equipe no desenvolvimento da RED, mas sabemos que há entraves. Atualmente, estamos expandindo nossa atuação por meio do “Projeto Gestão de Risco de Desastres por Eventos Extremos e por Condutas Humanas: Cidades Resilientes – Angra dos Reis”, com coordenação da agência de desenvolvimento alemã GIZ e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da Organização das Nações Unidas (ONU).

Quais serão as regiões beneficiadas pela RED?

O modelo desenvolvido em Angra dos Reis é um exemplo de tecnologia social, que possibilita o diálogo entre a população, educadores e gestores públicos visando à redução do risco de desastres, e que pode ser adaptado aos diversos municípios fluminenses. Na região da Costa Verde, de alguma forma, já existe uma troca entre Angra dos Reis e os municípios vizinhos, por ser a maior cidade da região, o que não impede que sejam pensadas outras ações específicas nesses locais. A RED também já foi consultada por agentes da Defesa Civil de Niterói sobre a possibilidade de adaptar a metodologia do curso à realidade do município. Na região Serrana, mais especificamente em Nova Friburgo, já existe grande intercâmbio entre a Rede de Gestão de Riscos de Desastres (Reger) da bacia hidrográfica do Córrego Dantas com a RED. Cabe ressaltar que a rede foi reconhecida pela Agência de Inovação (Agir) através do Prêmio de Iniciação à Inovação de 2016 e foi uma das representantes da UFF no Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica do CNPq do ano passado e que será divulgado este ano. Além disso, o projeto recentemente recebeu uma moção de aplausos, homenagem prestada pela Câmara de Vereadores de Angra dos Reis.

Que legado a RED deixará para a sociedade?

A educação para a redução de desastres pode ser analisada sob diferentes perspectivas. A curto prazo, podemos salvar vidas, pois estimular a percepção do risco de desastres na população pode se converter em medidas preventivas imediatamente. Exemplos poderiam ser dados pela correção de sistemas de drenagem e descarte de águas pluviais e esgoto sanitário, que são uns dos principais vilões na iniciação de deslizamentos de terra em encostas, assim como a adoção de medidas de proteção da vida em momentos de chuvas fortes aos moradores de áreas de risco de desastres, ou mesmo na execução de medidas de atendimento pré-hospitalar. A médio prazo, almeja-se desenvolver uma cultura de prevenção de desastres na sociedade, assim como promover uma visão crítica sobre os processos sócio-político-econômicos que são indutores da geração e desenvolvimento desigual do risco no espaço e para os diferentes grupos sociais. Por fim, a longo prazo, busca-se promover a sustentabilidade sócio-ambiental, o que naturalmente não inclui somente os afetados por desastres, mas uma mudança de paradigma sobre o desenvolvimento para a sociedade em geral.

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