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Ciência contra a desinformação: pesquisadora da UFF explica a importância do combate à anticiência em tempos de coronavírus

Neste momento, vivenciamos uma corrida pelo desenvolvimento da cura da COVID-19 no Brasil e no mundo. Em meio a esse cenário crítico para a sociedade, a ciência tem sido peça-chave para enfrentá-lo. A validação do conhecimento se mostra fundamental para criar soluções eficazes frente aos novos desafios que se apresentam, e com compromisso ético. Esses valores, próprios do pensamento científico, são muito importantes para conter o aparecimento de informações que coloquem em risco a saúde da população. Além de uma pandemia sanitária, vivemos também uma crise informacional e a anticiência é uma das facetas desta disputa.

O movimento anticientífico não é novo, mas é possível observar o seu crescimento mundial nos últimos anos. Especialista na temática, a professora Thaiane Oliveira, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCOM-UFF), vem desenvolvendo estudos que buscam entender o funcionamento desses grupos. “Se, antes, esse movimento era estigmatizado e estava à margem da sociedade, nesse contexto ele está em espaços centrais nas tomadas de decisões. Tem sido crescente a presença desses indivíduos entre lideranças em diversos países. São pessoas que prezam por uma política que não é baseada em evidências científicas. Não se trata de um movimento homogêneo, mas de uma relação complexa de intensas disputas pela informação, na qual a ciência tem sido um dos alvos principais de ataques”, explicita.

Na corrida contra o tempo para conter a disseminação da doença, as fake news constantemente atravessam informações fundamentadas pela ciência. “Em razão de declarações sem respaldo científico, o medicamento ‘Cloroquina’, por exemplo, está começando a fazer vítimas pelo mundo, enquanto desaparece nas prateleiras das farmácias. Estamos a um passo de uma epidemia de intoxicações provocada pela desinformação repassada por pessoas públicas que, de maneira irresponsável, têm apoiado uma indústria farmacêutica que ignora premissas e valores éticos da própria ciência. Alguns líderes que negam o conhecimento científico e propagam teorias da conspiração globais, estão colaborando para o avanço da insensatez e da desinformação”, pontua Thaiane.

De acordo com a especialista, três tipos de propostas têm sido recorrentes para combater a disseminação das fake news. “A primeira é o controle sobre a informação. Agências de checagem de fatos são um exemplo de como esse controle tem sido utilizado. Contudo, definir o que é verdade e classificar os fatos é algo complexo. A segunda, é o investimento em letramento midiático e informacional. Ou seja, na capacidade da população em acessar, analisar, criticar e produzir informações através da mídia. Por fim, a terceira forma de enfrentar a desinformação é o investimento em educação e a abertura de dados. Tornou-se urgente o desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares, envolvendo comunicação, sociologia, antropologia, psicologia e outras áreas do conhecimento, para criar formas de confrontar a desinformação por meio de uma educação que reconheça os sujeitos também como produtores de conhecimento”, explica.

Gurus e ignorantes, ainda que influentes, terão suas narrativas desmontadas pelos fatos, mas o conhecimento científico perdura e será utilizado para avançar nas descobertas e produzir soluções. Busquem textos escritos por cientistas e ouçam o que esses pesquisadores têm a dizer – Thaiane Oliveira

No entanto, a cientista ressalta que alguns problemas aparecem no processo de colocar essas propostas em prática. “O acesso à informação é um desafio que enfrentamos não apenas pelos altos índices de exclusão digital, mas também porque as próprias instituições responsáveis por produzir informações comercializam o conhecimento que elas produzem. Jornais digitais com acesso fechado às notícias sobre coronavírus, por exemplo, se tornam um empecilho que precisa ser transposto. O mesmo vale para a ciência. A pandemia informacional têm apontado que o sistema de acesso fechado ao conhecimento, altamente lucrativo para editoras comerciais que comandam o mercado editorial científico, precisa ser combatido”, destaca. As pesquisas realizadas por Thaiane demonstram que, durante muito tempo, os Estados Unidos e alguns países da Europa – que dominavam o mercado editorial científico – , lideravam o desenvolvimento de pesquisas.

“Na configuração geopolítica de um mundo onde existem múltiplos centros de poder, a China tem se tornado uma grande referência no desenvolvimento científico e tecnológico. A corrida pela descoberta do tratamento da COVID-19 tem exigido que os pesquisadores publiquem o mais rápido possível suas experiências, em espaços abertos, de forma que os dados coletados em suas pesquisas possam ser utilizados por outros cientistas. Essa tem sido a postura dos países asiáticos em geral, os primeiros atingidos pelo novo coronavírus. A cooperação internacional e o conhecimento aberto têm sido fundamentais nos avanços de pesquisa sobre a pandemia. Portanto, torna-se insustentável a comercialização de informações nesse momento – modelo adotado pela mídia e pela ciência -, pois a única forma de enfrentar o atual cenário é abrindo e compartilhando os conhecimentos adquiridos em outros países, antes que o vírus avance ainda mais”, salienta Thaiane.

Apesar disso, o acesso não é o único problema que o mundo precisa superar no que se refere à disseminação de fake news. Thaiane destaca que pesquisas multidisciplinares apontam, por exemplo, que a replicação de informações equivocadas, mesmo que com o intuito de corrigi-las, gera um efeito similar ao da desinformação. Essas análises têm indicado também que a população quer buscar informações, entender as questões que afetam sua vida e participar do processo de produção de conhecimento. Porém, a crítica de figuras públicas à mídia e à ciência tem agido como catalisadora do sentimento de desconfiança generalizado que existe na sociedade em relação aos meios de comunicação. “Este sentimento tem sido utilizado como estratégia discursiva para que a informação veiculada na mídia tradicional seja descredibilizada por algumas pessoas que só acreditam em suas crenças individuais e em quem compartilha dos mesmos valores que eles. É nosso papel como cientistas compreender as demanda sociais, prezar pelo conhecimento aberto e restabelecer a confiança da população, integrando-a ao processo de produção de conhecimento”, afirma.

O excesso de circulação de informações também é uma questão que experienciamos neste momento. “A sensação de estar em alerta o tempo todo, recebendo notícias atualizadas constantemente, seja pelas plataformas de mídias sociais ou pela mídia massiva, além do sentimento de impotência e a preocupação com a vida de entes queridos em situação de risco, bem como a insegurança sobre a estabilidade financeira durante o período de quarentena, são alguns dos fatores que têm gerado pânico social. Mas isso não significa que precisamos de menos informação. Precisamos de menos alarmismo, sem minimizar a pandemia ou tomar atitudes irresponsáveis em relação ao quadro”, reitera Thaiane.

A pesquisadora enfatiza que é urgente investir nos estudos sobre fake news e disputas sobre a informação, sobretudo a científica. “A pandemia que enfrentamos hoje mostra a importância de termos pesquisadores à frente do entendimento sobre a circulação de desinformação. É preciso entender como os cidadãos consomem a informação, quais tipos de discursos são propagados, que dúvidas surgem e como respondê-las. Neste momento de crise sanitária e informacional, o investimento em pesquisas nas áreas de saúde, inovação, informação e educação é fundamental, mas o que acompanhamos nos últimos anos é um déficit no apoio a produção de tecnologias e inovações. Para servir a população com qualidade de ponta neste cenário caótico, precisamos que centros de pesquisas, universidades e o próprio Sistema Único de Saúde sejam amparados por medidas governamentais sólidas”.

Para os que desejam se manter bem informados sobre a pandemia, Thaiane recomenda que dediquem algum tempo para pesquisas, leituras e a busca por fontes confiáveis. A cientista conclui reafirmando a necessidade de selecionar as informações consumidas. “Saber qual é a origem de certas notícias, procurar conhecer a carreira de quem está assinando as matérias, ler seus trabalhos anteriores e sua trajetória na área de divulgação científica é fundamental para discernir qual informação é útil e qual se mostra duvidosa. Gurus e ignorantes, ainda que influentes, terão suas narrativas desmontadas pelos fatos, mas o conhecimento científico perdura e será utilizado para avançar nas descobertas e produzir soluções. Busquem textos escritos por cientistas e ouçam o que esses pesquisadores têm a dizer”.

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