Nos últimos anos, as homenagens às mulheres, no mês dedicado a elas e ao longo de todo o ano, passaram a ser diferentes na Universidade Federal Fluminense. Em vez de comemorações pontuais, a instituição passou a se comprometer com ações efetivas que mudassem a realidade dessas mulheres dentro e fora da universidade, a curto, médio e longo prazo, combatendo a discriminação e garantindo a equidade de gênero.
Dentre muitas medidas instauradas com esse objetivo, em 2018 foi instituído um grupo de trabalho nomeado de “Mulheres na Ciência”, vinculado à Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (PROPPi), sob a coordenação de Letícia de Oliveira, também coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências Biomédicas, e Karin Calaza, professora do Departamento de Neurobiologia. O GT é composto por docentes de diversas áreas do conhecimento, além de uma técnica-administrativa e uma representante discente.
Desde sua inauguração, o grupo vem acumulando muitas conquistas a partir de alguns eixos principais de atuação, como a construção de políticas de incentivo à participação feminina na ciência, em especial em áreas de sub-representação, como a física, a matemática e a computação; a discussão sobre a maternidade e a instauração de medidas de apoio locais para pesquisadoras que são mães; a implementação de uma igualdade de gênero na composição de comitês de avaliação e órgãos decisivos na universidade e a conscientização da comunidade acadêmica sobre estereótipos de gênero.
Entre essas conquistas, destaca-se a elaboração de um edital apresentado à FAPERJ para atrair e viabilizar a permanência de meninas e mulheres nas áreas de exatas e tecnológicas intitulado “Meninas e Mulheres nas Ciências Exatas e da Terra, Engenharias e Computação”. Além disso, a UFF passou a inserir em seus editais políticas de apoio à maternidade, sendo a primeira universidade no país a apoiar cientistas mães em um edital, o PIBIC de 2019.
Outra medida de peso e também pioneira foi a adoção por parte de dois programas de pós-graduação da UFF – em Química e Ciências Biomédicas (Fisiologia e Farmacologia) –, de políticas de apoio à maternidade em seus editais de credenciamento para docentes, sendo que o segundo também adotou políticas de apoio à maternidade para a seleção de discentes de pós-graduação.
Por fim, e não menos importante, ao longo de todos esses anos de trabalho a própria gestão da UFF definiu metas para uma melhor distribuição de gênero nos altos cargos de comando da instituição, convergindo com os objetivos do GT. Atualmente, como pode ser constatado nas gestões em vigor nas pró-reitorias e superintendências, há uma distribuição igualitária entre os cargos no que diz respeito aos gêneros.
Para o reitor da UFF Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, “igualdade de gênero se faz na prática. Dia após dia, buscamos reduzir as assimetrias, com uma distribuição mais justa dos servidores e servidoras que ocupam os cargos de gestão na reitoria, por exemplo. Sabemos que os avanços ainda são poucos frente à grande disparidade que existe socialmente, mas seguimos firmes no propósito de construir coletivamente uma universidade mais igualitária através de iniciativas reais”, enfatiza.
A atual pró-reitora de pesquisa, pós-graduação e inovação da UFF, Andrea Latge, é uma das mulheres na universidade em um cargo de comando e que tem mudado o curso da história até aqui ao inaugurar no posto o gênero feminino, como muitas de suas colegas. “Na UFF, vivemos numa bolha que não respinga em todos os cantos. Ao contrário, bem pertinho, na comunidade acadêmica, o número de bolsistas de órgãos de fomento (CAPES, CNPq, FAPERJ) vai se estreitando para as contempladas mulheres à medida que as bolsas vão passando da iniciação científica às de produtividade e equivalentes”.
Andrea enfatiza que no universo da ciência, dependendo da área, ainda há pouca representação feminina: “precisamos nos mostrar, divulgar exemplos de pesquisadoras, contar histórias tristes e alegres de mulheres guerreiras. Precisamos ainda contar de nosso trabalho e como fazemos para vencer. Aqui na UFF, temos feito um grande trabalho com respeito a isso, de luta pelos direitos de mães mulheres, sendo elas discentes ou docentes, que tem sido bem acolhido nos vários programas de pós-graduação e em vários editais de fomento”.
Na atual gestão da pró-reitora, também foram desenvolvidos grupos de trabalhos e cursos com o intuito de mostrar às meninas e mulheres a importância de se lançarem para a pesquisa de forma integral. Nas palavras de Andrea, “vencendo uma série de barreiras externas e outras muitas enraizadas internamente por uma cultura de exclusão de longa data”.
“O importante é que notamos sucesso em nossos movimentos e, por isso, nos sentimos cheias de força para replicar e nos multiplicarmos nos vários espaços da universidade e fora dela. O mês de março, da ‘festa’ das mulheres, é apenas uma referência simbólica para ativar nossos planos de vencer o desafio da desigualdade de gênero em todas as estações. Ainda precisamos de muitos movimentos”.
Alguns dos destaques das mulheres da ciência na UFF, dentre muitas que poderiam ser citadas, são as professoras Lúcia Helena, do Instituto de Letras, e Maria Ciavatta, do Programa de Pós-graduação em Educação. Ambas possuem um importante indicador de produtividade no CNPq, o chamado PQ-1A, sinalizando o grau de excelência de seus trabalhos em suas respectivas áreas.
Maria destaca que o avanço das conquistas das mulheres nos espaços sociais e científicos representa, também, um avanço do gênero humano na liberdade e na autonomia, na superação das formas históricas da dominação política e familiar da mulher. “A possibilidade de uma boa educação científica e humanista levou-me até os espaços de professora de pós-graduação em uma instituição pública, a Universidade Federal Fluminense, e de pesquisadora credenciada no CNPq, na FAPERJ e em outras entidades”.
Mais do que uma atividade acadêmica, Maria enfatiza, “o exercício da pesquisa, com apoio institucional, é a oportunidade de expandir o pensamento, de ampliar a compreensão do mundo no sentido social do conhecimento científico, da formação de jovens gerações, de contribuir para a preservação dos valores da vida nos desalentos da humanidade”.
Apesar de todos os avanços que a universidade vem conquistando nessa direção, muitas ainda são as assimetrias encontradas no que diz respeito a uma equidade de gênero no universo científico e, consequentemente, os desafios para mudar essa realidade. Prova disso é o artigo “The 100,000 most influential scientists rank: the underrepresentation of Brazilian women in academia”, publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências pela coordenadora do GT “Mulheres na Ciência”, Letícia de Oliveira, em coautoria com outras pesquisadoras. Nele, analisa-se o ranking, criado por Loannidis e colaboradores em 2020, dos 100 mil cientistas mais influentes do mundo.
“Quando observamos a proporção de mulheres entre os cientistas brasileiros nesse ranking, ficamos chocadas. A porcentagem é de apenas 11%. Este dado mostra um círculo vicioso: as cientistas mulheres são menos citadas devido a vieses de gênero e, por isso, aparecem menos nestes rankings. Por não serem incluídas, elas têm menor visibilidade, o que afeta o número de citações. Como sair desta armadilha? Precisamos de políticas de equidade de gênero que apoiem e promovam mulheres que são destaque em suas áreas”.
Letícia destaca ainda a importância de todas as universidades, agências de fomento e instituições de pesquisa terem setores institucionais para a construção de um plano de equidade de gênero, com planejamento, execução e monitoramento das ações. “No contexto geral, temos ainda poucas mulheres em espaços de liderança e decisão; nas áreas exatas e tecnológicas, enfrentamos as consequências dos estereótipos de gênero, e da violência institucional na forma de assédios morais ou sexuais; mulheres mães ainda têm pouco apoio na academia. E mesmo a UFF sendo pioneira em diversas políticas para equidade de gênero, temos muito para avançar!”
A pró-reitora de graduação Alexandra Anastácio, em compasso com essa necessidade apontada por Letícia, enfatiza as ações no âmbito da PROGRAD que têm colaborado para a diminuição dessas assimetrias; entre elas, as bonificações para mulheres mães nos programas de monitoria e de educação tutorial e as bonificações para pesquisadoras mães nos editais de Pibic e Fopesq.
Além disso, Alexandra ressalta que, desde 2018, mães com seus bebês podem ingressar no restaurante universitário e que fraldários foram instalados em banheiros masculinos e femininos em parte dos campi da universidade. Outra medida pioneira foi a resolução do Conselho de Pesquisa, Ensino e Extensão da UFF que determinou que, durante a pandemia, houvesse flexibilização de atividades para mulheres em cuidado de crianças e pessoas com deficiência.
Todas essas conquistas sinalizadas por Alexandra, Letícia, Maria e Andrea convergem em uma grande ação coletiva e institucional em prol da diminuição sistemática das desigualdades de gênero dentro e fora da universidade. Trata-se da Comissão Permanente de Equidade de Gênero na UFF, a CPEG, que, não coincidentemente, está sendo inaugurada essa semana. A proposta é a de construir um plano de equidade e executar ações que garantam esse objetivo a partir do envolvimento de muitas mulheres, de diferentes espaços de atuação dentro da instituição.