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UFF de Volta Redonda cria ferramentas digitais para crianças autistas

O Transtorno do Espectro Autista, popularmente conhecido como autismo, é um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD). Recebe o nome de “espectro” porque é um transtorno que se apresenta em diferentes níveis de comprometimento. Suas principais características são a dificuldade na interação social, dificuldades na comunicação e alterações de comportamento. Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 1% da população mundial, ou uma em cada 68 pessoas, apresenta algum transtorno do espectro autista. A palavra “autismo” deriva do grego “autos”, que significa “voltar-se para si mesmo”.

Com o objetivo de auxiliar na aprendizagem de crianças autistas, o Instituto de Ciências Exatas (Icex) e o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Universidade Federal Fluminense, campus Volta Redonda, criaram o grupo de pesquisa e extensão Ambiente Digital de Aprendizagem para Criança Autista (Adaca). Através de atividades complementares no ensino de matemática, português e música, as ferramentas computacionais do projeto multidisciplinar contribuem também para a inclusão digital dessas crianças.

Atualmente, o Adaca conta com quatro docentes, uma fonoaudióloga e 25 alunos (incluindo bolsistas e voluntários) dos cursos de Psicologia, Física Computacional, Matemática Computacional, Engenharia e Ciências da Computação. A equipe de profissionais e alunos investiga e desenvolve ferramentas digitais que podem colaborar para o aperfeiçoamento da comunicação da criança com o transtorno do espectro autista.

A família tem um papel crucial que se inicia com o consentimento para que os pequenos possam participar do projeto” – Vera Caminha.

Para que o projeto pudesse funcionar, foi necessário obter uma aprovação no Comitê de Ética da UFF. “Para trabalhar com pesquisa que envolva seres humanos, é preciso obter essa aprovação da própria universidade. Portanto, tivemos que submeter o projeto na Plataforma Brasil e esperar o resultado da avaliação para iniciar o trabalho. Além disso, precisamos enviar a cada semestre relatórios parciais das atividades que estão sendo desenvolvidas”, explicou a coordenadora do projeto e professora do Departamento de Física, Vera Caminha.

A equipe desenvolveu jogos educativos que estão sendo testados e analisados a partir de seu uso pelos autistas no Laboratório do Ambiente Digital de Aprendizagem para Crianças Autistas (Ladaca). O local é dividido em três ambientes: o Lúdico, o Computacional e o Gerenciamento. O intuito do trabalho é favorecer a socialização e a melhoria da qualidade de vida dos pequenos, fazendo parte da construção de uma sociedade mais inclusiva, justa e humanitária.

Os três ambientes do Ladaca

O Ambiente Lúdico é o lugar onde se encontram diversas atividades e jogos dedicados ao auxílio na aprendizagem e desenvolvimento das crianças com autismo. Nesse ambiente acontecem intervenções com a terapia através de jogos que são realizados no chão em um tapete emborrachado, com a participação do facilitador, que tenta interagir na atividade de escolha do participante.

O Ambiente Computacional é equipado com computadores, onde estão instalados os jogos e atividades do sistema Adaca. Esses desktops possuem webcams que filmam as crianças durante a utilização, para posterior análise de seu comportamento. São gravados também o tempo de cada jogo, todo o movimento com o mouse, cliques certos e cliques errados, dentre outras etapas da atividade.

Já o Ambiente Gerenciamento é o local onde é feita a observação dos participantes através das imagens transmitidas para a máquina servidora por câmeras fixas nas paredes dos ambientes. Todas as informações captadas durante a utilização do ambiente computacional são transmitidas para essa máquina servidora com a finalidade de gerar relatórios estatísticos e análise da aprendizagem. “As crianças são estimuladas no ambiente lúdico e depois são levadas para o ambiente computacional, onde fazem as atividades e jogos propostos e implementados no projeto”, ressalta Vera Caminha.

A coordenadora destaca que já foi possível observar resultados positivos sobre o comportamento das quatro crianças atendidas. Elas tiveram uma ótima adaptação na sala lúdica e, com a ajuda dos jogos e brincadeiras, facilmente criaram vínculos que mantiveram as interações contínuas. “Ao chegar ao laboratório, elas se direcionam à sala lúdica com empolgação. Atentos, observam tudo o que está no espaço, sejam os jogos ou outros brinquedos e, em seguida, se direcionam ao que mais chama atenção e começam a brincar”, afirma.

Além disso, pretendemos futuramente atender mais participantes no laboratório, oferecer outras disciplinas e estender o projeto para escolas públicas da região (…)” – Vera Caminha.

Alunos do curso de Psicologia atuam como facilitadores no Adaca junto às crianças. No ambiente computacional, por exemplo, alguns dos participantes inicialmente tiveram dificuldade na forma de jogar, mas, com o auxílio dos estudantes, aprenderam a executar as tarefas e tiveram sucesso nas demais atividades. Os jogos são trabalhados por níveis, começando do mais fácil e elevando a dificuldade até chegar no nível mais difícil. “Temos duas crianças que conseguiram finalizar todos os níveis sem muita dificuldade. E todas as quatro crianças não oferecem nenhuma resistência na ida ao atendimento no laboratório”, explica.

Em uma das crianças, especificamente, os avanços e mudanças no comportamento foram bem expressivos. “Ela aprendeu a noção de esperar, entende quando é a sua vez e quando é a vez do outro, consegue compreender melhor a sua noção de espaço e está mais observadora e calma”. De acordo com Vera, antes do Adaca, esse participante apenas assistia aos vídeos. “Após sua entrada no programa, ele começou a jogar no computador e seus pais começaram, então, a reforçar as atividades desenvolvidas no projeto com alguns jogos disponíveis na internet. Além disso, houve melhora de seus TOCs e estereotipias”, declara. “Algumas famílias relataram a motivação dos pequenos com os jogos do Adaca, sejam eles virtuais ou não, e sempre os incentivam com palmas, músicas ou parabéns quando terminam as atividades”, destaca Vera.

Para a coordenadora, o núcleo familiar é muito importante na evolução da criança e no auxílio da manutenção e fortalecimento de vínculos afetivos. “A família tem um papel crucial que se inicia com o consentimento para que os pequenos possam participar do projeto. Além disso, desenvolvemos um trabalho em grupo com os responsáveis, a fim de percebermos o impacto do diagnóstico na vida familiar e o desenvolvimento de estratégias para o favorecimento de suas relações”, enfatiza.

Próximos passos

O Adaca atende atualmente quatro crianças com autismo e, em breve, serão incluídas mais quatro crianças que não apresentam o espectro autista, como grupo de controle. Apesar de o projeto estar na etapa piloto, uma aluna do curso de Psicologia já defendeu um trabalho de conclusão de curso, em que foi descrita a sua experiência de atendimento no laboratório. “Estamos fechando os dados obtidos para gerar relatórios científicos estatísticos para futura publicação”, afirmou Vera.

De acordo com a coordenadora, após a etapa piloto, os próximos passos do trabalho são: gerar um módulo de atividades e jogos específicos para o auxílio na alfabetização dessas crianças e disponibilizá-los para a plataforma Android, possibilitando que as crianças cadastradas os utilizem fora do ambiente do Ladaca. “Além disso, pretendemos futuramente atender mais participantes no laboratório, oferecer outras disciplinas e estender o projeto para escolas públicas da região, publicar resultados e reiniciar o ciclo, fazendo evoluir sempre o projeto”, ressalta.

Na avaliação de Vera, para que as atividades oferecidas no Adaca deixem de ser uma complementação ao ensino de português, matemática e música e passem a fazer parte de uma estratégia mais abrangente na formação dessas crianças, é fundamental levar o projeto para as escolas inclusivas. “Só assim, num ambiente escolar, com um grupo maior e mais específico, poderemos avaliar o real impacto dessas atividades no aprendizado, no desenvolvimento e na socialização dos alunos autistas”, conclui.

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