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Pesquisa da UFF reconta a história da pandemia a partir de relato dos idosos

Segundo o mais recente relatório da Organização Mundial da Saúde, o Brasil é hoje o segundo país no ranking mundial com o maior número de novos casos e mortes por COVID-19, estando atrás apenas dos Estados Unidos. E dos mais de sessenta mil óbitos registrados até o momento, pelo menos setenta por cento deles, de acordo com diferentes centros de pesquisa do país, advém da população com mais de sessenta anos de idade. Trata-se de uma parcela muito específica da sociedade, comumente colocada à margem dela, muito antes de a pandemia transformar radicalmente os modos de vida de todos.

Sem o mesmo direito à voz e a muitos outros direitos, os idosos, que têm tido sua vida abreviada em preciosos anos em razão da pandemia de coronavírus, até o momento não foram convidados a falar mais expressivamente sobre tão assombrosa experiência. Constatação que leva ao questionamento sobre nossa real disponibilidade para a escuta e a convivência com os modos de vida e a temporalidade que encarnam, menos acelerada e “produtiva”.

Sensível às dores silenciosas que diariamente ocupam as manchetes dos jornais, o projeto “História Oral na Pandemia”, com coordenação local da professora do Departamento de História Juniele Rabêlo de Almeida, tem convocado a população de idosos com vida social ativa a produzir relatos autobiográficos sobre esse momento, escrevendo ativamente a história que hoje estamos vivendo. A iniciativa integra o Projeto Interinstitucional “A COVID-19 no Brasil”, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, com coordenação geral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Fiocruz Minas.

De acordo com Juniele, esse acervo de entrevistas públicas que está sendo montado e que tem sido acolhido pelo Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense, “é composto por narrativas gravadas e transcritas – que apontam para a necessidade da valorização das trajetórias e das experiências cotidianas dos idosos. O material presta-se também à observação das estratégias narrativas desses sujeitos, que repensam suas trajetórias nesses tempos desafiadores”, explica.

Olympia Ávila Salsa, professora de artes aposentada e moradora de São Gonçalo, foi uma das participantes do projeto, contribuindo com um lindo relato. “Durante esse dias da pandemia tenho me sentido bem de saúde mas vivo preocupada, me observando, para ter a certeza que estou bem mesmo! Muitas vezes me sinto impotente e até me revolto com notícias que vejo na TV. Falta de honestidade, desumanidade, irresponsabilidade… Porém, não me deixo abalar! Procuro preencher meu tempo com atividades físicas, meditação, pintura e os cuidados com a casa. Também sou aluna da formação de biodança e com isso, compreendi melhor a vida e o que vem acontecendo comigo e com todos. Busco me orientar em meio à pandemia e ter os melhores aprendizados, para quando tudo tiver passado. Triste nesse período é não saber o que nos espera, como será o dia seguinte. O que irá acontecer? Não temos segurança por parte dos governos. É muito revoltante ver o número de pessoas que morrem por irresponsabilidade dos gestores. Somos marionetes em suas mãos. Quando penso nos menos favorecidos, me dói muito não poder ajudá-los. Sou grupo de risco e não poderia atuar tão próximo. E financeiramente não tenho condições. Sei que o país está vivendo momentos difíceis devido à corrupção que aqui se instalou e se perpetua. Tive que conter minha ansiedade. Pra que a pressa? Agora, tenho todo o tempo do mundo”.

Ao observar e documentar essas vozes, a ideia é justamente, como destaca a pesquisadora, “ultrapassar os números estatísticos da lógica empresarial e autoritária”, para que possam ser transformados novamente em nomes, em memórias, em afetos. Segundo a pesquisadora, utilizando como ferramenta a história oral para produzir conhecimento e também catalisar as significações sensíveis das experiências narradas, interessa ao projeto entender os impactos do isolamento social na população idosa, como essa situação interferiu nas suas práticas de sociabilidade e qualidade de vida.

Para Juniele, que tem passado o período de quarentena nos Estados Unidos, onde atualmente é professora visitante na Universidade da Califoria/Berkeley, esse momento foi experimentado como uma travessia do medo ao acolhimento em coletivos de história oral. Nesses coletivos, ela explica, promove-se uma escuta sensível em redes de apoio mútuo.

“Eu me interesso por movimentos, percursos e trajetórias. Gosto do processo, do ‘tornar-se’, do ‘quase’, da obra de arte em construção. Em 20 anos de docência, realizei o que realmente importa para mim: o vínculo, o fazer coletivo, o conhecimento aberto, crítico, dialógico e participativo. Pela primeira vez, não estou em sala de aula, e na Universidade da Califórnia vivi o impacto da pandemia. A história, continuamente reescrita, se faz no Tempo Presente. É no aqui e agora que questionamos os itinerários. Ouvir os idosos tem sido um alento, uma força para continuar o pós-doutorado em terras estrangeiras”, desabafa.

O convite a participar dessa rede está aberto. Quem tiver interesse, basta enviar as gravações o e-mail historiaoralnapandemia@gmail.com. Solicita-se, juntamente com o arquivo da gravação, o nome completo do entrevistado, a data da gravação, a cidade/país, o ano e local de nascimento. Para fornecer o direito de divulgar a narrativa de história oral, o entrevistado autoriza sua utilização para fins sociais e educativos. O entrevistador também envia os seus dados (nome completo, cidade/país, ano e local de nascimento) e o seu possível vínculo com o entrevistado.

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