Notícia

Pantanal em chamas: professores da UFF explicam os incêndios recentes e seus efeitos

Desde meados de 2020, o rico bioma do Pantanal vem agonizando com incêndios de proporções históricas. O número mensal de focos de incêndio é o mais alto desde 1998, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) deu início a esses registros. Os dados da instituição mostram que em setembro deste ano foram registrados 6.048 pontos de queimadas na região. O recorde mensal anterior era de agosto de 2005, quando ocorreram 5.993 focos de queimada. Em setembro de 2019, foram detectados 2.887 focos em 30 dias; porém, neste ano o mesmo mês já apresenta uma alta de 109%.

O docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF e especialista em Ecologia, Renato Vallejo, acredita que o Pantanal está sofrendo com essa situação muito além do que se observou em momentos anteriores. “O período que vai de maio a setembro tem sido o mais crítico ao longo de várias décadas, principalmente nos meses de agosto e setembro. Áreas do cerrado e nos limites da Floresta Amazônica – começando pelo estado de Mato Grosso até os estados nordestinos – têm sido afetadas sistematicamente por incêndios e queimadas. E nos dois últimos anos o problema vem se agravando ainda mais”.

Segundo o professor do curso de Ciências da Natureza da UFF e pesquisador na temática, Kenny Tanizaki, os incêndios florestais ocorrem por diversos motivos. “Fogueiras de caçadores e pescadores, queimadas controladas que saem do controle, ateamento de fogo criminoso, disputa de terras. A grande maioria deles tem sua origem nas atividades humanas. Existe também a combustão espontânea que ocorre, por exemplo, no território do cerrado, por ser um local de maior incidência de raios solares”.

Kenny explica que um fator relevante para o crescimento dos incêndios espontâneos é o aquecimento global. “O clima está se tornando mais quente e seco, de forma mais intensa e prolongada. O desmatamento da Amazônia é outro fator que chama atenção, pois reduziu a umidade que circula da região da floresta para o centro-oeste, os chamados ‘rios voadores’”. O docente ressalta, entretanto, que a ocorrência de incêndios naturais no Pantanal não é muito comum. “Nessa área, o fogo está associado à limpeza do terreno nas fases anteriores ao plantio e à conversão de áreas nativas em pastagem através de queimadas provocadas por produtores regionais”.

Já de acordo com Renato Vallejo, as políticas ambientais recentes afetaram diretamente a fiscalização do IBAMA e do ICMBio e contribuíram no disparo do índice de queimadas propositais nos biomas brasileiros. “Por conta da diminuição de recursos para o deslocamento de equipes e da substituição de especialistas ambientais em posições estratégicas, as ações fiscalizatórias foram reduzidas e os proprietários de terras se sentem mais à vontade para degradar os biomas a fim de ampliar zonas agrícolas. Em relação ao Pantanal, outro aspecto importante está relacionado às sucessivas intervenções nos rios da região. Por conta do licenciamento de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), o volume de água está sendo reduzido e a zona vai ficando menos úmida e suscetível às queimadas”.

Efeitos do fogo

Para o professor Armando Pires, do Instituto de Saúde Coletiva da UFF, o grande sofrimento que os incêndios causam na área de saúde está na destruição da vida em si. “A saúde coletiva considera que não há vida humana fora da relação social e ecológica; portanto, toda perda de vida de um ecossistema impacta os seres humanos que interagem com ele. Fauna, flora, capacidade de solo estão sendo destruídos pelo fogo em uma escala que pode ultrapassar a capacidade de regeneração desses biomas e é preciso ressaltar que um quarto da carga global de doença no mundo envolve a interferência do homem nos ecossistemas”, ressalta.

O médico explica que a combustão causada pelo incêndio, além do impacto direto, causa piora na qualidade da água, do ar e do solo. “O desgaste do solo afeta também a qualidade dos alimentos produzidos na região. Os elementos presentes na fumaça podem agravar doenças respiratórias e cardiovasculares já existentes em populações que vivem no entorno dos incêndios, ou nos locais para onde as nuvens migram. Será notável o aumento da morbidade em crianças menores de cinco anos, idosos e pessoas com problemas respiratórios e cardiovasculares pré-existentes nos locais onde houver presença dessa fumaça. A poluição será um complicador notável para o gerenciamento da saúde coletiva, principalmente no atual momento, em que o sistema de saúde já está sobrecarregado pelas demandas da COVID-1”.

Além disso, no cenário local o docente destaca a importância de notar o impacto sobre os trabalhadores envolvidos na resolução dos incêndios. “Os brigadistas, bombeiros e voluntários estão se desidratando e se intoxicando na exposição aos incêndios. Os fiscais e agentes públicos que estão agindo nos incêndios sofrem com condições inadequadas e insegurança institucional e jurídica. Em outro campo de trabalho, temos os que estão em busca dos animais feridos, na tentativa de salvar a fauna local e passam por grande carga psíquica em razão do sofrimento que estão identificando e as poucas condições concretas que eles têm para atuarem”.

Para lidar com esse quadro, o professor Kenny Tanizaki destaca que é preciso haver interesse em estruturar um sistema de gerenciamento ambiental eficiente, para reduzir os prejuízos da má gestão e punir aqueles que não respeitam as leis. “Além disso, educação e esclarecimento dos prejuízos decorrentes dos incêndios para a saúde e meio ambiente também deveriam ser implementados para ajudar a população a ter mais cuidado com o uso do fogo. Da mesma forma, instituições governamentais devem dar suporte às boas práticas junto aos produtores, sejam eles pequenos ou grandes. É necessário criar estratégias de longo prazo para estimular práticas menos danosas ao meio ambiente, conciliando a produção com a conservação dos ecossistemas”.

Nesse sentido, o docente Renato Vallejo acredita que o Brasil já tem as ferramentas legais e administrativas necessárias para esse fim, mas sofre com o “negacionismo” ambiental. “Recursos orçamentários para execução das ações preventivas e fiscalizatórias deveriam ser garantidos; entretanto, foram praticamente anulados nos últimos anos. Os órgãos do governo responsáveis pela fiscalização precisam ser valorizados e reaparelhados para exercerem seu papel, incluindo as intervenções de preservação. Enquanto a política implementada for de ‘passar a boiada’, o país vai perder ainda mais credibilidade internacional nas ações sobre o meio ambiente, além de recursos financeiros de projetos ambientais importantes, como Fundo Amazônia”, conclui.

Pular para o conteúdo