Notícia

Centro de Referência oferece assessoria jurídica a mulheres encarceradas

Projeto da UFF em parceria com o MDHC também promove formação de advogados e especialização jurídica

Fruto de uma parceria entre o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (InEAC-UFF), o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o Centro de Referência em Acesso a Direitos e Administração de Conflitos (CRADAC) oferece atendimento jurídico gratuito à população. Segundo o professor do Departamento de Segurança Pública da UFF e coordenador do CRADAC, Pedro Heitor Barros Geraldo, o projeto tem dois principais objetivos.

“O primeiro é assessorar a sociedade civil, em especial mulheres encarceradas, vítimas de reconhecimento fotográfico e familiares de pessoas privadas de liberdade. O segundo é formar profissionais da advocacia acerca dos procedimentos e estratégias jurídicas para a participação e compreensão dos processos de execução da pena de mulheres encarceradas e para a defesa nos processos criminais em que haja o reconhecimento de pessoas, principalmente o fotográfico, como prova”.

Para ter acesso ao atendimento, o interessado pode entrar em contato com o Centro pelo WhatsApp (21) 98120-5950 ou preencher o Formulário de Primeiro Atendimento. Já o atendimento presencial é realizado de segunda a quarta-feira, das 10h às 14h, no Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos, localizado no Campus do Valonguinho da UFF. As informações completas se encontram neste link.

Atendimentos

Do início do projeto, em janeiro deste ano, até julho, 136 atendimentos foram realizados, sendo 46 em dois mutirões em parceria com a Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro. “Dentre estes casos, conseguimos duas liberdades para pessoas que nos procuraram em busca dos serviços. Graças à competência e às diligências das advogadas, agimos rapidamente para garantir o acesso a direitos às pessoas atendidas”. Além do público dos atendimentos jurídicos, o professor destaca que “advogados e advogadas negras de diversas regiões do país se matricularam nos cursos de extensão oferecidos pelo CRADAC em busca de aprimoramento técnico e de estratégias jurídicas a partir de uma perspectiva racial para atuar no âmbito desses processos criminais”.

As mulheres negras correspondem a maior parte das pessoas que buscam o CRADAC para orientação jurídica, especialmente familiares de pessoas privadas de liberdade. “Há ainda presença significativa nos mutirões de mulheres e homens que saíram recentemente da prisão, mas que ainda respondem processo criminal ou cumprem pena, seja com o com uso de tornozeleira eletrônica ou em cumprimento do livramento condicional e, ao tomarem conhecimento do projeto, buscam o Centro para obter assessoramento jurídico”, observa o docente.

Dados do sistema penitenciário brasileiro revelam que cerca de 70% da população encarcerada são pessoas negras. São elas, também, 83% das vítimas de erros judiciários e presos injustamente por reconhecimento fotográfico, segundo pesquisas recentes da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), e a maior parte (8 em cada 10) que passam pelas audiências de custódia no estado do Rio de Janeiro. “Os dados escancaram a seletividade racial do nosso sistema de justiça e por que uma atuação voltada para esse público é imprescindível para buscar justiça racial”, comenta Geraldo. “A prioridade é o atendimento jurídico da população negra, mas o projeto atende todos os familiares de pessoas privadas de liberdade, mulheres encarceradas e quaisquer vítimas de erros judiciários por reconhecimento fotográfico que busquem assessoramento jurídico”, complementa.

Articulação entre instituições

O Centro de Referência em Acesso a Direitos e Administração de Conflitos (CRADAC) surgiu a partir da pesquisa “Antirracismo e as mobilizações profissionais no campo do Direito” em 2022, que contou com financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e permitiu a aproximação com o IDPN — instituto que oferece assessoria jurídica pro bono (gratuita) à população negra, principalmente na defesa criminal. A partir do estudo, foi elaborado o curso de extensão de mesmo nome, com objetivo de articular as redes profissionais no campo da advocacia e de pesquisadores do INCT-InEAC para qualificação jurídica de advogadas e advogados, abordando, sobretudo, o tratamento desigual pelo sistema de justiça. Na época, 30 pessoas concluíram o curso e dez ingressaram nos programas de pós-graduação da UFF.

Atualmente, as formações do CRADAC acontecem com cursos de extensão voltados para os profissionais da advocacia. Os editais para extensionistas ficam disponíveis no site do Centro. O primeiro curso, “Estratégias jurídicas para os processos de execução da pena de mulheres encarceradas”, foi concluído em julho de 2024, e o segundo, “Os desafios das nulidades da prova na prática processual penal: erros judiciários e atuação criminal em casos de reconhecimento de pessoas”, segue em andamento. Integram o projeto: docentes, discentes da graduação e pós-graduação e técnicos-administrativos que possuem vínculo com a UFF, além da diretoria, as advogadas e a articuladora social do IDPN.

Os professores coordenam as atividades no projeto, enquanto os estagiários do curso de Segurança Pública e Social são responsáveis pelo acolhimento presencialmente e pelos atendimentos, tirando dúvidas e realizando agendamentos. Já as advogadas do IDPN são as responsáveis pela assessoria jurídica, atuando nos casos que integram o eixo de atuação do projeto. Parcerias como a Associação Eu Sou Eu – A ferrugem, a Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro, o Mecanismo Estadual de Combate à Tortura do Rio de Janeiro da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), o Escritório Social de Niterói e o Escritório Social de Bangu também atuam em conjunto.

A equipe do CRADAC considera expandir o eixo de atuação para o sistema socioeducativo e, ao mesmo tempo, colaborar com a criação de outros escritórios, a fim de promover a qualificação e o aprimoramento de mais advogados na área criminal do estado do Rio de Janeiro. “Segundo o recente censo da advocacia realizado pela Ordem dos Advogados Brasileiro (OAB), há 7% de advogados que atuam com direito penal no Rio de Janeiro que, por sua vez, possui a segunda maior população carcerária. Isso é algo que precisamos refletir juntamente com a equipe e os parceiros do projeto a partir da demanda e, principalmente, do interesse do MDHC em continuar apoiando institucional e financeiramente o projeto”.

Sistema judiciário

Para o professor, o Poder Judiciário brasileiro produz e reproduz o tratamento desigual dos cidadãos. “A população negra está sujeita às violências praticadas pelas instituições, como as abordagens policiais, as condenações arbitrárias, o reconhecimento fora do procedimento e a uma dificuldade de acesso aos direitos e às informações”, exemplifica.

“Isso decorre dessa conformação enquanto Poder, em que as audiências ocorrem em espaços restritos, o processo penal se organiza de forma excludente, sem a participação dos interessados, e com uma dificuldade de compreensão por parte dos réus dos significados dos seus rituais e práticas. Reconhecemos este quadro como a produção e reprodução de um racismo institucionalizado no âmbito destas instituições no qual a população negra é alijada de seus direitos”.

Geraldo, assim, defende ser necessário repensar o sistema judicial do país, e destaca as pesquisas conduzidas pelo INCT-InEAC que demonstram como a desigualdade jurídica leva a uma desigualdade de tratamento no âmbito do Poder Judiciário. “Há, no Brasil, uma maioria de população prisional negra, enquanto na composição do judiciário há menos de 15% de magistrados negros, por exemplo. Nos grandes escritórios, pesquisas apontam que pessoas negras correspondem apenas a 1% dos quadros societários. Esses números sobre a composição da nossa justiça também favorecem um tratamento desigual em relação às pessoas negras. A busca por equidade racial nas carreiras jurídicas e o fortalecimento da atuação prática da advocacia negra, que é uma das propostas do CRADAC, são caminhos possíveis para buscar justiça social e racial”, descreve.

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Pedro Heitor Barros Geraldo é professor do Departamento de Segurança Pública e vice-diretor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (InEAC-UFF). Doutor em Ciência Política pela Université Montpellier 1, pesquisador do INCT-InEAC, bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e bolsista de produtividade 1E do CNPq, atua também professor permanente do Programa de Pós-graduação em Justiça e Segurança (PPGJS-UFF) e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD-UFF) e como professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, é editor da Revista de Estudos Empíricos em Direito (REED) e coordena o Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito (NSD) e o Centro de Referência em Acesso a Direitos e Administração de Conflitos (CRADAC).

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