Em tempos de globalização, as universidades brasileiras estão cada vez mais voltadas para o que acontece ao redor do planeta. E com a UFF não poderia ser diferente. A ida de profissionais da própria instituição para institutos de pesquisa e universidades de fora, bem como a entrada de professores estrangeiros tem sido uma alternativa para promover a troca de experiências e a aquisição de novos conhecimentos.
Uma das medidas para atrair novos estrangeiros para lecionar na universidade foi a aprovação da Resolução CEP n°447, publicada em novembro de 2015, que regulamenta a realização de provas em língua estrangeira em concursos públicos para ingresso na carreira de professor do Magistério Superior. “Se assim desejar, cada departamento, em articulação com um ou mais programas de pós-graduação, pode realizar a prova em outro idioma. Além disso, iniciamos a oferta de disciplinas em inglês em diferentes áreas, ampliando o processo de comunicação internacional de nossos estudantes e professores. Em geral, os departamentos e institutos têm programas de recepção e acolhimento dos professores estrangeiros. A Superintendência de Relações Internacionais (SRI) oferece cursos de português para estrangeiros e, sem dúvida, é um canal de apoio não só para estudantes, como para docentes”, pontua o reitor da UFF, Sidney Mello.
A superintendente da SRI, Lívia Reis, explica que a UFF, por meio da superintendência, tem feito um esforço de fomentar o programa de internacionalização, incentivando os professores a fazerem acordos, convênios e participarem de editais em suas respectivas áreas. “Somos uma agência mediadora, no sentido de tornar o corpo docente cada vez mais internacional”.
Professora do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas há mais de duas décadas, Lívia Reis acredita que a atração dos estrangeiros pelas instituições brasileiras é a resposta a um movimento que os pesquisadores e professores brasileiros realizaram na busca por qualificação em universidades de outros países, o que permitiu um estreitamento dos laços entre o Brasil e o exterior. “Nossa internacionalização se intensificou a partir dos anos de 1970 e 80, quando fomos fazer pós-graduação fora para criar coisas que não havia aqui. Mas algumas instituições, como a Universidade de São Paulo (USP), têm uma tradição de trazer professores estrangeiros mais antiga que a nossa. Nas federais, era uma coisa muito endógena, menos comum de ocorrer”.
A docente, que cursou pós-doutorado na Universidade de Alcalá de Henares, na Espanha, e na Universidade de Santiago, no Chile, também elenca outros motivos para nossa internacionalização relativamente tardia. Para Lívia, influenciou o fato de termos apenas o português como língua oficial em um país de dimensões continentais, vizinho de outras nações de língua espanhola, em sua maioria. E cita também razões históricas, já que “o Brasil foi um dos últimos países a ter universidades, a criar pós-graduação, a publicar livros”. Atualmente, ela considera que o grande mundo globalizado carrega uma contradição, pois se tornou próximo e muito menor do que o anterior, o que requer a incorporação dessa realidade no mundo universitário.
O Brasil é um país bastante dinâmico, ao contrário do que muita gente pensa. Aqui ainda se pode fazer muita coisa nova, há um grande potencial de expansão.” – Luís Martí
Sidney Mello afirma que o Brasil como um todo cresce em relevância científica no contexto mundial. “Hoje temos a convicção de que internacionalizar é um processo obrigatório e irreversível e estamos trabalhando para fortalecer nossa brasilidade na compreensão do mundo. A UFF se destaca entre as dez maiores e melhores universidades brasileiras e, evidentemente, se insere nessa rede de pesquisadores internacionais por meio de seus docentes, estudantes e laboratórios de alto nível. A Universidade Federal Fluminense é, mais do que nunca, reconhecida como uma universidade de investigação científica”.
O reitor defende que a força da universidade depende do pluralismo e da diversidade em todos os níveis, inclusive no acolhimento aos professores estrangeiros – o que já é consolidado em instituições de todo o planeta. “Não há fronteira étnica ou cultural na docência ou na produção do conhecimento. Pelo contrário, é no ambiente acadêmico e universitário que reside a força da quebra de barreiras sociopolíticas e culturais muitas vezes impostas por governos e algumas sociedades”, diz Mello, que é professor do departamento de Geofísica e realizou parte de sua formação no exterior, na Universidade de Leeds, no Reino Unido, e na Universidade da Bretanha Ocidental, na França.
Formação de redes internacionais de pesquisadores é de interesse dos professores
A ruptura de barreiras culturais e a integração não se dão apenas do Brasil para o exterior. O intercâmbio com a rede de pesquisadores de áreas afins é um dos principais atrativos apontados pelos estrangeiros que atualmente trabalham na UFF. E eles não são tão poucos quanto se pensa. A universidade tem 127 professores estrangeiros ativos e outros 53 naturalizados, o que já corresponde a cerca de 5% do corpo docente*. Os brasileiros naturalizados são todos do quadro permanente. Já entre os estrangeiros, 119 compõem o quadro permanente da universidade, seis ocupam o posto de docentes visitantes e dois são professores substitutos. Os dados foram divulgados pela Coordenação de Pessoal Docente (CPD), vinculada à Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progepe), a partir de dados computados pela Superintendência de Tecnologia da Informação (STI), em dezembro de 2015. Os cinco principais países de origem dos estrangeiros que lecionam na UFF são Argentina (29), Peru (15), Espanha (11), Itália (11) e Cuba (7), mas a UFF também possui docentes de mais de 20 outras nacionalidades.
O cubano Luís Martí Orosa ingressou no Instituto de Ciência da Computação da UFF em setembro do ano passado, mas mora no país há três anos. Doutor pela Universidade Carlos III de Madrid, na Espanha, ele já foi pesquisador-bolsista de pós-doutorado na PUC-Rio, pelo programa Ciência sem Fronteiras. Passado o período do pós-doc, resolveu se candidatar a uma vaga na UFF e ficar no país, onde mora com a esposa. “Ela havia recebido ofertas de trabalho na Alemanha e no Brasil, dois países muito distintos entre si. Mas optamos pelo Brasil por ser um país bastante dinâmico, ao contrário do que muita gente pensa. Aqui ainda se pode fazer muita coisa nova, há um grande potencial de expansão”, acredita.
“No Rio há uma vida universitária muito boa, mas a UFF na minha área especificamente tem uma comunidade acadêmica de alto nível. Aqui no Instituto de Computação em particular há professores fazendo coisas bem legais. Eu estava preparado, porque já tinha vindo em conferências no país e conhecia vários profissionais renomados que atuam aqui. Mas mesmo assim foi uma surpresa muito positiva, porque antes de trabalhar é impossível ter a real noção de tudo que é feito”, acrescenta Martí, que pesquisa sobre inteligência artificial e computação evolutiva – área de conhecimento que cria soluções de otimização inspiradas nas teorias evolutivas de Darwin.
O professor norte-americano Ethan Guy Cotterill, do Instituto de Matemática e Estatística da UFF, argumenta que a universidade é um dos lugares fortes na América Latina para o estudo da geometria algébrica, principalmente por causa da interface com a comunidade científica do Rio de Janeiro e a proximidade do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), o que, segundo ele, é um diferencial. Isso foi o que o motivou a vir para o Rio no final de 2013, após a experiência de um ano como professor adjunto na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um ciclo de estudos de pós-doutorado no Canadá, Alemanha, EUA, França e Portugal. Antes disso, Ethan cursou a graduação no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o mestrado na Universidade de Paris XI, e o doutorado na Universidade de Harvard (EUA).
“Como há muitas pessoas com gostos matemáticos similares e que estudam coisas relacionadas no Rio de Janeiro, é muito prático sob o ponto de vista do trabalho. Se eu tenho qualquer dúvida sobre um determinado assunto, tenho a quem recorrer. Por outro lado, posso contribuir pra UFF porque gosto de estudos combinatórios e meus interesses matemáticos são um pouco fora do usual aqui. Acho interessante a ideia de avançar em linhas de pesquisa completamente inovadoras”, analisa Cotterill, que ministra aulas na pós-graduação em Matemática e em graduações para estudantes de diversas áreas, como estatística, química, matemática e engenharia ambiental.
Vivendo fora dos Estados Unidos há nove anos, ele percebe que a xenofobia não é uma preocupação dos brasileiros em geral. “Um dos pontos bem fortes do Brasil é que há uma abertura ao estrangeiro. Na Europa e nos EUA a xenofobia é uma força nefasta que tem uma influência sobre as pessoas. Acho muito positivo o fato de que, no contexto brasileiro, o povo não pense dessa forma. Ao andar nas ruas, observo que há pessoas que vem de todos os cantos possíveis. Então, de certa forma, acho que o Brasil é um lugar perfeito para acolher estrangeiros”, compara.
Professor do Instituto de Física da UFF desde 2014, o iraniano Mohammad Ali Rajabpour chegou ao Brasil em 2012 para um ano e meio de pós-doutorado na USP. Sem falar uma palavra de português, contou com a ajuda de colegas da área para solucionar os desafios burocráticos típicos de um estrangeiro no Brasil. “Como saí da casa dos meus pais aos 10 anos de idade para estudar, não tive choque cultural, foi uma boa adaptação. O problema é maior quando você não pode falar a língua, nem se comunicar, e não tem ninguém para te ajudar. Talvez se houvesse mais pessoas falando inglês para atender aos estrangeiros ou um sistema para auxiliar na burocracia, ajudaria muito”, aponta.
Ali também é um defensor das redes de relacionamento para maior desenvolvimento da pesquisa em países como o Brasil. “Temos um grupo de informação quântica no Estado do Rio de Janeiro em que estamos pesquisando coisas diferentes e, ao mesmo tempo, um pouco parecidas. Há uma convergência de interesses. Em geral, as regras de física são universais, o que faz com que a pesquisa seja internacional, na medida em que todos estão tentando descobrir as mesmas coisas na ciência. Possuo alguns conhecimentos que outras pessoas aqui não têm e posso transmitir esse conhecimento para os alunos, além de entender melhor o que os outros pesquisadores estão fazendo”, avalia o professor, especialista em temas como física quântica e mecânica estatística.
Na comparação entre Brasil, Irã e outras nações, ele identifica mais semelhanças do que se imagina. “Parece muito diferente, mas quando você senta e fala com as pessoas, de certa forma é quase igual. Viajei para muitos lugares diferentes no mundo, você vê quase as mesmas pessoas, o mesmo humor, piadas similares. Hábitos e festas são diferentes, num lugar você pode tomar chá, no outro, cerveja, mas no fundo é a mesma história”, diz o docente, formado pela Universidade Sharif de Tecnologia, no Irã, e pela Universidade de Turin, na Itália.
*Segundo dados extraídos do Portal de Transparência da UFF, referentes a fevereiro de 2016, a UFF tem 3518 docentes. Fonte: SIAPE – UFF