Parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ) adiaram, na terça-feira (4), a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 45/2023, também conhecida como PEC das drogas, que pretende criminalizar a posse ou o porte de qualquer quantidade de entorpecentes. O pedido para analisar o texto tem um prazo de duas sessões, ou seja, a expectativa é que a próxima votação na CCJ ocorra na próxima terça, dia 11. A proposta tramita simultaneamente ao julgamento do Superior Tribunal Federal (STF) para descriminalizar o porte da maconha para uso pessoal.
Vista como uma resposta ao STF, a medida insere no art. 5º da Constituição a determinação de que é crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. No mês de abril, a PEC foi aprovada no Senado Federal com 52 votos favoráveis e apenas 9 contrários. De acordo com a professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em Direito Penal, Roberta Duboc, a PEC pode representar um conflito entre os dois poderes do país.
“A proposta está sendo votada a toque de caixa pelo Congresso Nacional, sem o devido debate público, e pretende inserir na Constituição uma ordem para criminalização de condutas. O fundamento é que existiria um suposto princípio da proibição da proteção deficiente do bem jurídico. O que se trata, sem dúvida alguma, de uma distorção, trazida pelos conservadores – em maioria no parlamento brasileiro – em dissonância com os demais poderes”, explica a especialista.
Sessão da CCJ na Câmara. Foto: Lula Marques / Agência Brasil
Medida pode aumentar população carcerária
Para críticos do texto, a falta de critérios específicos para diferenciar usuários e traficantes abre margem para um maior encarceramento de usuários. “Não há clareza na diferenciação entre as categorias do usuário e do traficante, o que conferirá uma larga margem de subjetividade e discricionariedade”, avalia a professora Roberta. Segundo a docente, essa margem para interpretações pessoais pode reforçar preconceitos sociais e raciais.
“A falta de objetividade nos critérios deixa espaço para todo o tipo de preconceito por parte dos agentes do Estado, permitindo uma repressão generalizada em territórios de pobreza, como já é recorrente, produzindo mais letalidade e encarceramento em massa. Vale lembrar que o Brasil possui a polícia que mais mata no planeta e detém, em números absolutos, a terceira maior população prisional do mundo”.
Um estudo do Ipea revelou que hoje, 27% dos condenados por tráfico de drogas presos por apreensão de maconha seriam absolvidos caso o limite de 25 gramas por usuário proposto pelo ministro Luis Roberto Barroso fosse aprovado. Para Duboc, essa realidade de superencarceramento por falta de critério não olha para o real problema que a sociedade enfrenta. “As prisões destroem famílias, enviam crianças para abrigos, sem resolver o problema concreto que a dependência química de algumas drogas ilícitas pode provocar. O país segue necessitando de políticas de saúde pública inclusivas”.
Próximos passos
Caso seja aprovada na próxima votação da CCJ, a proposta segue para uma comissão especial criada para debater o tema e, por fim, será apreciada no plenário da Câmara, onde a PEC precisará do apoio de no mínimo 308 deputados – em dois turnos – para ser aprovada.
A proposta é de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. O texto reafirma a Lei de Drogas – 11.343/2006 e estabelece que o juiz, a partir das provas, deverá definir se a pessoa flagrada com drogas é traficante ou usuária. O relator da PEC na Câmara, Ricardo Salles (PL-SP), pretendia equiparar traficante e usuário, mas não fez alterações buscando acelerar as discussões e evitar uma segunda análise dos senadores.
Países têm debatido as políticas de drogas
Nos últimos anos, vários países do mundo têm debatido sobre as políticas de drogas como o Brasil tem feito. Em abril deste ano, a Alemanha legalizou o uso recreativo da maconha, fazendo uma campanha de conscientização sobre os riscos do consumo e traçando limites para o uso perto de adolescentes e crianças. O Canadá e alguns estados dos Estados Unidos também já legalizaram o uso recreativo da droga.
Na América do Sul, o Uruguai ganhou destaque em 2013 ao se tornar o primeiro país do mundo a legalizar e regulamentar totalmente o uso e a produção da cannabis em nível nacional. Cada usuário uruguaio tem três formas de adquirir maconha: clubes, cultivo pessoal e farmácias. Cada cidadão adulto pode cultivar até 6 plantas, mas não deve ser superior a 480 gramas por ano.
_____
Roberta Duboc é professora Adjunta de Criminologia e Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Professora Permanente Credenciada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional (PPGDC/UFF). É graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Tem pós-doutorado em criminologia e Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.