O Sistema Único de Saúde (SUS) testemunhou e participou de momentos políticos e históricos importantes, integrando-se ao cotidiano dos brasileiros e cuidando daquilo que é um direito da natureza humana – preservar a vida, a saúde e o bem-viver. No livro “SUS: uma biografia”, escrito pelo médico e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Luiz Antonio Santini e pelo historiador e escritor Clóvis Bulcão, a trajetória do maior projeto de saúde pública do mundo é contada através das perspectivas de seus protagonistas. O lançamento da obra está agendado para o dia 09 de maio, às 18h, no salão de fotografias do Centro de Artes da UFF (CEARTE), com mediação do reitor da UFF, Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, e apresentação dos autores, Luiz Santini e Clóvis Bulcão.
A participação do reitor destaca a relevância da obra e a relação da Universidade com a construção do SUS. “Após a trágica experiência da pandemia, o SUS ganhou uma notabilidade ainda maior na sociedade brasileira. Então, nada mais apropriado do que fazer uma análise histórica crítica e propositiva de soluções a partir de quem participou do nascimento, de toda história que embasou e de todos os desdobramentos do SUS até hoje como o professor Santini. Como instituição pública, é de grande relevância colaborar para a divulgação dessa obra”, destaca Antonio Claudio.
Um dos articuladores da construção do SUS, nos anos 70 e 80, Santini acredita que, apesar de haver muito material sobre o assunto, apresentar essa história a partir do olhar de quem testemunhou o processo desde o início era uma lacuna que precisava ser preenchida. Fundamentado em relatos de profissionais da saúde e pesquisa meticulosa, “SUS: uma biografia” oferece uma visão abrangente da construção desse notável sistema de saúde pública e destaca a importância contínua da luta pela sua preservação.
“Esse livro é fruto de minha preocupação acerca da importância de que as novas gerações compreendessem como foi a construção do SUS, já que às vezes a sociedade tem uma ideia muito segmentada dessa trajetória, imaginando que houve um momento mágico e que a saúde do Brasil se transformou nesse sistema vigente. Na verdade, houve todo um processo impulsionado por demandas sociais e algumas perspectivas internacionais”, conta Santini.
O docente aponta que a luta pela democracia no Brasil foi o primeiro pilar na constituição da saúde pública, pois criou uma oportunidade para se discutir a importância da saúde como um direito básico da sociedade. “Contudo, isso só foi possível porque o Brasil já tinha uma tradição em saúde pública desde o início do século XX, com uma forte base científica, como por exemplo, na luta contra a febre amarela, a peste, entre outras doenças transmissíveis, sobretudo por vetores animais. Nesse cenário estão Oswaldo Cruz, Rodrigues Alves Pereira Passos, entre outros importantes sanitaristas. Portanto, já nesse contexto havia uma concepção científica, social e econômica da saúde pública no Brasil”, acrescenta.
Como segundo pilar da construção do SUS e da saúde pública no Brasil, o autor adiciona o envolvimento da questão do trabalho e a Previdência Social. “Quando o governo Vargas instituiu a situação do trabalhador como fundamental para o Brasil, a Previdência foi um dos primeiros apoios às necessidades e às reivindicações dos trabalhadores. O terceiro pilar foi uma discussão muito importante que a própria Organização Mundial de Saúde desenvolveu com relação à atenção primária à saúde, sobre a educação médica, que aconteceu sobretudo a partir dos anos 70. A partir desses alicerces, surgiu a ideia da construção de um sistema de saúde público, universal, democrático e igualitário”.
Desde sua criação em 1988, o SUS se tornou o principal sistema público de saúde do Brasil, oferecendo assistência médica gratuita para mais de 190 milhões de pessoas em todo o país, abrangendo consultas, cirurgias, transplantes e medicamentos. No entanto, essa jornada não foi isenta de desafios, com obstáculos como desinformação, subfinanciamento e questões de corrupção que, por vezes, prejudicaram sua eficácia e acesso. Com a pandemia de Covid-19 Santini observou explícitamente o papel do SUS no enfrentamento dos problemas sanitários apresentados por algo totalmente desconhecido pela ciência; e que, passado o tsunami, o sistema enfrentaria uma situação de terra arrasada.
O autor argumenta que ao enfatizarmos que o SUS é um processo em andamento, mudamos nossa perspectiva sobre os desafios enfrentados atualmente pelo sistema de saúde. Ele observa que novos problemas surgem devido às mudanças nas condições da realidade. “Nas décadas de 1980, a população era predominantemente rural, com expectativa de vida abaixo de 50 anos e alta taxa de mortalidade infantil. Mais da metade da população não tinha acesso ao sistema de saúde. Hoje, discutimos questões como tecnologia e ciência, que não teriam sido relevantes no passado”.
Reafirmando o SUS como marco de uma conquista civilizatória da sociedade, a ideia do autor foi compartilhar com a população o conhecimento sobre o que o Sistema Único de Saúde representa. “O SUS não é um projeto, é um sistema único de saúde no Brasil, um processo em construção. As mudanças na saúde pública são dinâmicas na medida em que a sociedade avança e a população cresce e se urbaniza, como aconteceu no Brasil. Existem diferenças em relação às taxas de crescimento, envelhecimento ou natalidade da população, ou ainda a incorporação de novas tecnologias, e tudo isso influencia na organização do sistema de saúde. Portanto, conhecer a história do SUS é uma forma de engajamento político e, também, de luta pelo seu aperfeiçoamento”, conclui Santini.
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Luiz Antonio Santini é médico e, com Sergio Arouca, Hésio Cordeiro e outros companheiros do Partido Sanitário foi um dos artífices da construção do SUS. Aos 33 anos, tornou-se diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), promovendo mudanças no currículo do curso. Foi superintendente do Inamps, atuando no combate às fraudes que arruinavam o órgão que geria a saúde pública do país. Liderou no Estado do Rio de Janeiro as ações integradas que marcaram o início da descentralização do sistema de saúde – o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (Suds), que precedeu o SUS. Atuou na Comissão Nacional da Reforma Sanitária, capítulo fundamental para consagração do SUS na Constituição de 1988. Entre 2005 e 2015, foi diretor do Instituto Nacional do Câncer (Inca), estabelecendo um novo paradigma de controle do câncer. Atualmente, em parceria com o ex-ministro José Temporão, coordena a pesquisa Doenças Crônicas e Tecnologias de Saúde (DCTS), no Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz como foco no acesso da população ao sistema de saúde.
Clóvis Bulcão é escritor e historiador. Comentarista da Rádio Tupi. Carioca, utiliza a cidade do Rio de Janeiro como pano de fundo para seus livros, como nas obras voltadas ao público infanto-juvenil, Leopoldina: a princesa do Brasil e Noel: o menino da Vila. É autor de duas biografias de famílias consideradas tradicionais no país: Os Guinle: a história de uma dinastia e Henrique Lage: o grande empresário que, por amor, criou um parque.