Nos cursos de graduação da área de saúde e afins, as aulas práticas, através das quais os alunos podem se aproximar da realidade de atuação das suas respectivas profissões, sempre foram motivo de entusiasmo e expectativa. Ao mesmo tempo, um desafio ético constantemente presente acompanha a execução dessas disciplinas: o de promover uma aproximação com o real sem colocar em risco o paciente.
Frente a isso, cada vez mais são desenvolvidas práticas educativas de simulação, capazes de se aproximarem da realidade preservando a segurança do paciente e com o benefício de possibilitar uma oferta de conteúdo padronizada. Com esse propósito, foi inaugurado em abril de 2022, na Universidade Federal Fluminense, o Laboratório de Simulação Clínica e Habilidades da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAC/UFF). O laboratório recebeu recursos de emenda parlamentar da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB).
De acordo com o diretor da EEAC Enéas Rangel Teixeira e do professor Rodrigo Hipólito, que coordena um projeto vinculado ao laboratório, “o corpo social da escola de enfermagem conta com um espaço que, por meio de uma estrutura tecnológica, tem potencial para propiciar a investigação clínica e o aprendizado através da aplicação de técnicas inovadoras e procedimentos de enfermagem. Dessa forma, possibilita-se que o acadêmico de enfermagem assim como pós-graduandos adquiram conhecimento e desenvolvam habilidades relativas ao processo de cuidar”.
As principais atividades do laboratório compreendem desde o treinamento de habilidades técnicas até a participação efetiva nos cenários de simulação realística, capazes de mimetizar situações clínicas da vida real. Para isso, utilizam-se simuladores de alta performance que interagem com os discentes, reproduzem sensações, comunicam-se por meio dos dispositivos tecnológicos, permitindo ao estudante o desenvolvimento cognitivo, de habilidades clínicas atitudinais e psicomotoras em um ambiente seguro e controlado.
Os professores destacam que esses simuladores de alta fidelidade, que são manequins de corpo inteiro, anatômico e fisiologicamente semelhantes a uma pessoa, foram desenvolvidos inicialmente para o treino na área de anestesia, e, atualmente, têm sido usados na formação de diversos profissionais de saúde. “Possuem movimentos respiratórios, piscam os olhos, permitem a avaliação de diversos parâmetros vitais, a ausculta de sons respiratórios, cardíacos e intestinais e, ainda, a avaliação de alguns dados na pele, como o tempo de perfusão capilar, cianose, diaforese e outros”, explicam.
Com o laboratório, antes de ir ‘para a vida real’, podemos treinar utilizando o boneco. Ele vai estar dentro de um ambiente de enfermaria ou terapia intensiva o mais fidedigno possível, com equipamentos, leito, cama, soro, monitor. Não lidamos com o boneco como se ele fosse apenas um objeto, mas como se ali houvesse uma vida”, Fillipe Rangel, aluno do 10º período de enfermagem.
Além disso, eles acrescentam que seu funcionamento é gerido por um computador, “com um software que permite respostas fisiológicas extremamente realistas às intervenções realizadas e com variação em função da idade e da condição de saúde previamente definidas. A metodologia da simulação permite que os alunos pratiquem e corrijam seus erros frente a situações do cotidiano, sem riscos para o paciente e a eles próprios”. Aliás, os estudantes, segundo os professores, são os verdadeiros protagonistas do laboratório, estando inseridos em todas as atividades, além de participarem dos projetos de iniciação científica e monitorias.
O graduando do 9º período de enfermagem Davi Cavalcanti, que atua como monitor da disciplina “Fundamentos de Enfermagem IV”, explica que o laboratório “estimula o raciocínio clínico, trazendo cenários mais próximos da realidade e desafiando os alunos a resgatarem os conhecimentos construídos durante a formação. Especificamente na disciplina de que sou monitor, ajudo os professores a avaliar a simulação observando o que está certo e o que pode ser melhorado no desempenho assistido. Ao mesmo tempo, como aluno e graduando aprendo junto”.
Já o estudante Fillipe Rangel, do 10º de enfermagem, participa do laboratório desenvolvendo um trabalho de conclusão de curso sobre a construção de cenários de simulação clínica para a identificação de sepse via acesso venoso. Através desse trabalho, segundo o aluno, capacita-se o discente, ou até o mesmo o profissional já formado, a identificar, através de alguns sinais, quadros clínicos específicos.
Segundo Fillipe, o grande diferencial desse laboratório é a segurança que ele proporciona, tanto para o paciente quanto para o aluno. “Antes do laboratório, o professor dava aula teórica e, posteriormente, nas disciplinas práticas, o aluno já lidava diretamente com o paciente. Com o laboratório, antes de ir ‘para a vida real’, podemos treinar utilizando o boneco. Ele vai estar dentro de um ambiente de enfermaria ou terapia intensiva o mais fidedigno possível, com equipamentos, leito, cama, soro, monitor. Não lidamos com o boneco como se ele fosse apenas um objeto, mas como se ali houvesse uma vida”.
A percepção de Fillipe sobre o laboratório é reforçada por outros dois alunos do curso de enfermagem que também frequentam o espaço ao longo da semana como parte de disciplinas práticas que cursam. Segundo a aluna Júlia Pereira Aiello, do 6º período, essa experiência tem colaborado para que ela tenha mais segurança na realização dos procedimentos: “para aperfeiçoar a minha técnica, para analisar os casos clínicos de uma ótica diferente porque a cada simulação é um perfil de paciente diferente, informações distintas. Então, dessa forma, consigo aprender e rever os meus erros, aprendendo com eles”.
Já Natan Duarte de Oliveira, aluno do 5º período, afirma que frequentar o laboratório ajuda a colocar em prática tudo o que é aprendido ao longo da faculdade: “técnicas, procedimentos, comunicação, comportamento, análise, entre outras coisas, tudo de maneira bem realística. E por ser um laboratório e não um hospital de verdade, temos o fator ‘ensino sem risco’. Nossos erros não trazem risco a nenhum paciente real, apenas aprendizado para os alunos”.
Por fim, Fillipe ressalta que o laboratório pode ser utilizado não apenas para a parte clínica, mas para outros propósitos, como capacitar o aluno a exercitar liderança e decisão, e exercer o raciocínio clínico, para saber o que fazer com o paciente. “A simulação tem sido utilizada nas universidades mais modernas. É o início de uma nova história para a nossa escola de enfermagem, trazendo a valorização e a capacitação desses profissionais que são tão importantes”, finaliza.
O Laboratório de Simulação Clínica e Habilidades é uma das iniciativas da universidade de inovação em saúde, segmento de relevância global que ganhou ainda mais espaço na pandemia de COVID-19 e que é uma das áreas estratégicas mais promissoras da UFF.