No ano passado, vítimas de doenças cardiovasculares representaram 30% das mortes no Brasil. Foto: Grupo Biocentro.
Setembro é o mês dedicado à conscientização global acerca de doenças cardiovasculares e a importância de cuidar do coração. Dentre as doenças mais conhecidas estão infarto, acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência cardíaca e hipertensão arterial.
Responsáveis por cerca de um terço das mortes no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, essas enfermidades afetam o funcionamento do coração, veias e artérias e podem ser causadas por comportamentos cotidianos ou por fatores genéticos. Por outro lado, cultivar bons hábitos e buscar acompanhamento médico são ações que ajudam a prevenir essa condição.
Para explicar sobre fatores de risco, sintomas, diagnósticos e tratamentos, convidamos o cardiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cláudio Tinoco Mesquita.
O que são doenças cardiovasculares e quais são os principais tipos?
Cláudio Tinoco: São as doenças que mais matam no Brasil, responsáveis por cerca de um terço de todas as mortes. Elas acometem o sistema cardiovascular, composto pelo coração e os vasos sanguíneos. Entre as mais frequentes estão: infarto do miocárdio, AVC, insuficiência cardíaca, que ocorre quando o coração deixa de bombear o sangue de modo adequado, e hipertensão arterial. A pressão arterial elevada causa dano nos rins, sendo a principal responsável por casos de insuficiência renal; prejudica as artérias, podendo resultar em AVC; danifica os vasos sanguíneos que transportam o sangue pelo corpo, como a Aorta, por exemplo, resultando em aneurisma de aorta.
Existem doenças cardiovasculares de fundo genético, em que a pessoa herda um gene com codificação problemática. Um dos casos mais comuns é a cardiopatia hipertrófica, em que as paredes do coração são mais espessas, podendo resultar em mortes prematuras. A causa mais frequente dessas doenças são os hábitos e comportamentos das pessoas ao longo da vida, como, por exemplo, excesso de fumo, diabetes, colesterol alto e obesidade. Todos esses fatores contribuem para a ocorrência de doenças cardiovasculares. Um dos maiores exemplos que lidera as causas é a aterosclerose, acúmulo de gordura nas paredes das artérias, que leva à obstruções nas placas ateroscleróticas e causa tanto infarto do miocárdio quanto AVC.
Existem fatores de risco mais comuns para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares?
Cláudio Tinoco: Os fatores de risco associados ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares estão relacionados a comportamentos, como o fumo e o consumo de bebida alcoólica, por exemplo. Antigamente, tinha-se uma visão de que beber de forma moderada, ingerindo uma ou duas taças de vinho por dia, criava um fator protetor, mas estudos novos reverteram essa impressão, revelando que a bebida alcoólica, em qualquer quantidade, aumenta os efeitos indesejáveis no sistema cardiovascular, contribuindo para a hipertensão e a aterosclerose.
A falta de exercícios físicos (sedentarismo) é outra causa importante de doenças cardiovasculares. Segundo recomendações da OMS, é necessária a realização de exercício físico moderado, pelo menos cinco vezes na semana em um período de 30 minutos por dia, ou 75 minutos por semana de exercício físico intenso, que resulta em maiores benefícios mas exige mais do sistema cardiovascular, por isso deve ser feito em menor quantidade. Porém, esses exercícios intensos demandam mais das articulações e dos músculos, aumentando o risco de lesões ortopédicas, portanto, não recomendamos exercícios fortes para todas as idades.
Existem outras questões que devem ser controladas, como a pressão alta, a glicose no sangue, a diabetes e o colesterol. Outro fator de risco no qual não podemos fazer uma intervenção é a carga genética, por exemplo. Então, pessoas que possuem a genética associada a uma doença cardiovascular prematura não conseguem reverter essa questão. Pessoas do sexo masculino e mulheres na menopausa também correm mais risco de desenvolver doenças cardíacas.
É possível prevenir esse tipo de doença?
Cláudio Tinoco: A prevenção cardiovascular é feita com uma série de medidas tomadas pela própria pessoa e pelo médico. Então, nós recomendamos desde a juventude evitar a obesidade infantil, grande fator de risco cardiovascular, e estimular os jovens a manter uma vida saudável, realizando atividades físicas e brincadeiras ao ar livre. Recentemente estamos vendo uma onda de obesidade infantil, ligada aos hábitos de excesso de tempo de tela. As crianças ficam o tempo todo no celular, no videogame, sentadas no sofá, sem fazer atividade física.
Estimulamos que as crianças não fumem e que na vida adulta controlem a pressão arterial, a glicose e o colesterol. Isso deve ser feito através de consultas regulares ao médico, e, mesmo que a pessoa não sinta nada, os exames devem ser solicitados para medir a pressão e avaliar a saúde com constância. Na vida adulta, recomendamos uma dieta equilibrada, ingerindo carne branca pelo menos duas vezes na semana, pois a carne vermelha aumenta o risco de doenças cardiovasculares. É preciso evitar frituras e comidas muito salgadas, porque aumentam a pressão arterial.
O estresse também é um fator importante de risco cardiovascular, por isso, sabemos que a ansiedade e o estresse crônico podem prejudicar o sistema cardiovascular. Dados mais recentes apontam que a poluição ambiental também é um fator de risco, então é importante viver em áreas não poluídas. Ao entrar em contato com o ar livre, a pessoa pode estar em um ambiente extremamente poluído, ingerindo gases e micropartículas que aumentam o risco cardiovascular. Outra questão em voga hoje em dia que prejudica o sistema cardíaco é a mudança climática, então a variação de temperatura pode representar um risco para a saúde humana. A violência urbana também pode aumentar a mortalidade cardiovascular, já que pessoas que vivem em áreas de conflito são mais propensas a desenvolver estresse crônico, causando problemas no coração e nos vasos sanguíneos.
Dados recentes revelam que locais com área verde, como bosques e lagos, podem diminuir a mortalidade cardiovascular. Pessoas que moram perto desses locais são menos propensas a passar por problemas no coração, por conta de fatores como: diminuição da poluição, estabilidade da temperatura e redução da ansiedade, causados por conta do contato com a natureza.
Como é realizado o diagnóstico de doenças cardiovasculares?
Cláudio Tinoco: As doenças cardiovasculares podem ser diagnosticadas pelo clínico, no posto de saúde, ou em unidades de atenção básica. Os casos mais complexos são encaminhados para o cardiologista, especialista em doenças cardíacas. Normalmente, sintomas que o paciente tem, como, por exemplo, dor e aperto no peito, cansaço, falta de ar, batimentos cardíacos acelerados, desmaios e pernas inchadas, são situações que chamam atenção para suspeita de doença cardíaca. O médico vai solicitar exames complementares que vão desde um simples eletrocardiograma, onde será avaliada a atividade elétrica do coração, até testes mais complexos, como: o ultrassom cardíaco (ecocardiograma); a tomografia do coração; a cintilografia, que é uma forma de avaliar o coração e a vascularização, ressonância magnética; o PET-CT, um exame de diagnóstico por imagem capaz de detectar tumores em todos os lugares do corpo; e o cateterismo cardíaco, um exame feito por meio da introdução de um cateter, que é um tubo flexível extremamente fino e longo, que será conduzido até o coração do indivíduo para avaliar suas funções e, muitas vezes, no próprio procedimento do exame podem ser feitos algumas intervenções, como o desentupimento de artérias obstruídas.
Existe tratamento para doenças cardiovasculares? Quais são?
Cláudio Tinoco: O tratamento das doenças cardíacas é feito em vários aspectos, desde o tratamento da hipertensão, buscando que o indivíduo perca peso através da mudança de alimentação e oferecendo um medicamento para baixar a pressão arterial, até tratamentos como a redução do colesterol, visando controlar a glicose, também feito com dieta, perda de peso e medicamentos. Em algumas vezes é necessária a realização de tratamentos específicos, como uma cirurgia do coração para consertar um defeito ou alguma ponte de safena, que é quando é necessário desobstruir uma artéria coronária.
As doenças cardiovasculares afetam a qualidade de vida dos pacientes? Como?
Cláudio Tinoco: As doenças cardiovasculares podem limitar o indivíduo a realizar atividades do dia-a-dia por conta do cansaço e da falta de ar. A pessoa não consegue se vestir, não consegue caminhar, então é muito limitante, pois o coração fica bem comprometido. Em outras situações o indivíduo pode ter um desmaio porque o coração não está funcionando adequadamente, forçando a colocar um marcapasso artificial, para o coração ter o número de batimentos suficientes, ou a botar uma ponte de safena, para levar o sangue a uma área do coração que está com falta de sangue.
Quais são os avanços científicos mais recentes no tratamento das doenças cardiovasculares?
Cláudio Tinoco: Hoje, o que temos de mais moderno em relação a doenças cardiovasculares é o que chamamos de cardiologia de precisão, em que utilizamos aspectos genéticos que a pessoa tem, em conjunto com a resposta ao tratamento direcionado. Atualmente com a inteligência artificial, a chamada ciência de dados consegue obter informações em uma quantidade gigantesca de indivíduos. Com essas informações tratadas, é possível gerar dados muito específicos de como um paciente responde, direcionando o tratamento.
Temos uma tecnologia muito moderna chamada de gêmeo digital, em que criamos no computador um indivíduo igual ao da realidade, com a mesma pressão e a mesma frequência cardíaca e coração, através de dados de exames e genética. Com isso, pode-se testar modelos computacionais e como os tratamentos, medicamentos e cirurgias podem causar benefícios. Então, estamos caminhando na direção de uma medicina personalizada para cada paciente, realizando tratamentos específicos que levam em consideração características únicas de cada pessoa.
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Cláudio Tinoco Mesquita é professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui graduação em Medicina pela UFF, mestrado em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado em Medicina Radiologia e Medicina Nuclear pela UFRJ. É Editor Chefe do International Journal of Cardiovascular Sciences.