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Setembro amarelo e o papel social da escola na saúde mental dos jovens

Professora da UFF aponta ambiente escolar como um dos pilares no desenvolvimento saudável de adolescentes

Frequentar a escola, ouvir meia dúzia de professores explicando a matéria, comer um lanche e ir ao banheiro num intervalo de 15 minutos, voltar para casa e começar tudo de novo no dia seguinte. A rotina padrão que milhares de alunos vivenciam em suas escolas nem sempre favorece a criação de laços e conexões com os colegas, o ambiente e os educadores. A formação das famosas “panelinhas” e práticas de bullying também impactam no desenvolvimento social de estudantes com dificuldades de se enturmar, fazendo com se sintam desamparados e excluídos do contexto escolar.

Tudo isso se relaciona com a saúde mental dos adolescentes, tema que se tornou uma grande preocupação na sociedade atual. Um dado que corrobora esse quadro é o número de suicídios, que cresceu 45% na faixa de 10 a 14 anos e 49,3% entre 15 a 19 anos entre 2016 e 2021, segundo o Ministério da Saúde. Por isso, nesse mês de setembro, num contexto de luta pela valorização e conscientização da vida na prevenção do suicídio, a professora de psicologia da Universidade Federal Fluminense Luciana Gageiro Coutinho reflete sobre a importância do ambiente escolar no desenvolvimento infanto-juvenil e lança luz sobre a conexão entre a saúde mental dos adolescentes e suas experiências na escola.

No projeto, conduzido pela docente e outros psicólogos especializados no tema em duas escolas da rede pública do estado do Rio de Janeiro, o grupo realizou oficinas com nove turmas de ensino fundamental e médio, com o objetivo de dar voz aos alunos e possibilitá-los construir suas próprias narrativas sobre o seu sofrimento. Na dinâmica, os docentes entregaram um papel para que cada aluno escrevesse anonimamente um segredo, que posteriormente seria escolhido de forma aleatória por outro aluno e lido em voz alta. A partir desse momento, o colega dava conselhos e se iniciava uma reflexão a respeito da atividade, sobre a experiência de fala e escuta. “Os adolescentes utilizaram o espaço da oficina para expressar seu desamparo, seja pelo silêncio, pelo afrontamento ou pela sua expressão em palavras nos segredos compartilhados nas oficinas”, explica trecho de artigo, publicado como resultado do projeto.

Para a professora Luciana, os problemas de saúde mental e a tristeza profunda sentida por esses jovens não é uma questão individual, argumento que se prova nos dados estatísticos sobre distúrbios mentais e suicídios, que apontam o aumento da frequência desses casos, e são reflexo do contexto sócio-histórico em que esses adolescentes estão inseridos. A exemplo disso, é possível citar o número de jovens diagnosticados com depressão, que praticamente dobrou depois da pandemia da Covid-19, saltando de 7,7% para 14,8% em jovens na faixa etária entre 18 e 24 anos. A professora explica que “não é um sofrimento individual; tem a ver com questões sociopolíticas e o meio social escolar. O que a gente percebe é uma desvinculação, uma fragilidade muito grande desse laço do jovem tanto na família quanto na escola, o que traz repercussões não apenas no campo educativo, no sentido da aprendizagem, mas no campo psíquico do desenvolvimento juvenil”.

O estudo realizado possui metodologia que se apoia na psicanálise, ciências sociais e educação, e aponta que a pressão da escola por um bom desempenho nas provas e a cultura da competitividade são algumas das principais fontes de ansiedade entre os adolescentes. As altas expectativas impostas por eles próprios, suas famílias, a escola e a sociedade podem levar a um ciclo prejudicial de perfeccionismo e medo do fracasso. O estudo constatou, ainda, que as relações interpessoais dos alunos têm um impacto profundo em sua saúde mental, visto que aqueles que se sentem isolados ou rejeitados pelos colegas enfrentam um risco maior de desenvolverem problemas emocionais.

A pesquisa realizada pelo grupo nas escolas gerou, como consta no artigo, diários de campo, produzidos pelos pesquisadores. Dentre as principais citações, a fala de uma aluna na dinâmica do segredo anônimo explicita bem essa sensação de não pertencimento, vivida por muitos estudantes: “Pessoas que eu mais quero por perto me ignoram tanto […] É tão ruim viver no meio de todos e ao mesmo tempo se sentir sozinho; às vezes eu fico tão estressada que isso me faz ficar maluca e querer fazer uma besteira. Isso não me faz bem e esqueço do mundo lá fora. Não dá nem vontade de viver e de realizar meu sonho de fazer enfermagem. Isso me prejudica muito na escola”.

Com base nos achados desta pesquisa, os especialistas defendem que, para melhorar a saúde mental dos adolescentes, é necessário criar espaços de escuta e apoio com os jovens, para que eles não se sintam desamparados e excluídos no contexto escolar. Nesse sentido, é preciso estabelecer grupos de apoio e recursos de aconselhamento dentro da escola, onde os alunos podem compartilhar suas preocupações e receber orientação; promover uma cultura escolar que valorize a empatia, a inclusão e o respeito mútuo, envolvendo a incidência de bullying e isolamento; fornecer treinamento contínuo para professores e funcionários escolares sobre a identificação de sinais de problemas de saúde mental e a forma de oferecer apoio adequado.

Por fim, o estudo ressalta a importância de reconhecer que a saúde mental dos adolescentes não é apenas uma preocupação individual, mas também uma responsabilidade compartilhada pela família, escola e sociedade como um todo. Ao adotar abordagens como essas, é possível criar um ambiente mais saudável e apoiador para a próxima geração, que segue trilhando um árduo caminho de descobertas e desafios.

Luciana Gageiro Coutinho é Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-Rio, com estágio doutoral (CNPQ) em Paris VII. Pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ. É Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, onde integra o Programa de Pós-Graduação em Educação e o Programa de Pós-Graduação em Psicologia. É coordenadora do grupo de pesquisa Psicanálise, Educação e Laço Social (LAPSE/UFF) e é também pesquisadora associada ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC/UFRJ). Membro do GT em Psicanálise e Educação da ANPEPP. Psicanalista, membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro.

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