Em 1968, a despeito do cenário marcado pela censura e perseguição da ditadura militar, foram criados o Instituto de Artes e Comunicação Social (Iacs), o curso de Cinema e o Cine Arte UFF. Hoje, cinquenta anos depois, comemorações retomam e entrelaçam a história vivida ao longo desse período. Para o diretor do Iacs, Kleber Mendonça, mesmo em um contexto de cortes nas verbas para a educação, garantir que a qualidade do ensino, das pesquisas e da formação humanística seja mantida é mais um motivo para celebrar. “Comemorar 50 anos é também lembrar o quanto já fomos capazes de enfrentar tempos difíceis, como a ditadura civil-militar. Por certo, então, saberemos enfrentar, juntos, esses tempos difíceis para o país e para a universidade. Este é um excelente marco para nos mantermos unidos e na luta pela educação pública de qualidade e para todas e todos”, ressalta.
Comemorações
As comemorações do jubileu começam hoje, dia 5 de setembro, às 18 horas, no Cine Arte UFF, em uma cerimônia na qual serão homenageados artistas, cineastas, ex-alunos e professores que marcaram essas cinco décadas, a começar pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos. Na ocasião, a sala de cinema, localizada no prédio da Reitoria, passará a se chamar Cine Arte UFF – Sala Nelson Pereira dos Santos.
Além de ser um de seus fundadores, o cineasta, que faleceu em abril deste ano, tem uma contribuição inegável para o cenário cinematográfico brasileiro. Precursor do movimento do Cinema Novo no Brasil, Nelson também criou, em 1968, o curso de Cinema da UFF – o segundo do Brasil -, por onde passaram várias gerações de cineastas, e foi um dos responsáveis pela criação do Iacs. A programação dos 50 anos, que conta com um um total de 20 eventos, se estenderá durante todo o mês de setembro.
O Superintendente do Centro de Artes (Ceart), Leonardo Guelman, ressaltou o papel do Cine Arte UFF na abertura de novos caminhos para a arte e para o Brasil. “Nesse cenário complexo em que estamos vivendo, o que podemos oferecer é a inteligência criativa. A universidade pode não ter muitos recursos, mas tem inteligência para propor, realizar e ativar as mentalidades e ajudar a achar os horizontes nesse afunilamentos que o Brasil vive. O papel da arte é o de ajudar a apontar caminhos”. Ele acrescenta que esse é um momento de reafirmar a identidade do Cine Arte UFF como um cinema de arte. “O nosso cinema formou e forma um olhar para isso. E todos aqueles que enredam o Cine Arte UFF têm uma paixão pelo lugar e o que representa”.
Já a partir do dia 12 de setembro começam também as comemorações no Iacs. Flávia Clemente, vice-diretora do instituto, fala um pouco sobre a agenda: “a programação foi toda pensada em torno da temática da diversidade, da liberdade e da valorização da educação, da arte e da cultura. Também está fortemente carregada com as contribuições de nossos egressos – o que é muito importante para nós – e por homenagens a tantas pessoas que passaram pelo Iacs e deixaram sua marca ao longo de nossa trajetória. É uma comemoração afetiva, que reflete a cultura da nossa unidade”. O instituto fica localizado na Rua Lara Vilela 126, São Domingos – Niterói/RJ.
Iacs pela voz de quem faz sua história
Atualmente, o instituto é composto por cinco departamentos – Arte, Ciência da Informação, Cinema, Comunicação Social e Estudos Culturais – e conta, hoje, com mais de 3,5 mil alunos, em seus cursos de graduação e pós-graduação, além de 142 professores e 60 técnicos. À sua atual sede, na rua Lara Vilela, 126, em São Domingos, carinhosamente chamada de Casarão, se somarão, em breve, as futuras instalações da unidade, em fase final de construção, no campus do Gragoatá.
“Esse momento de celebração não é só a hora de olharmos para o passado, mas também de percebermos a nossa trajetória nesse meio século como um estímulo para continuarmos construindo um instituto socialmente relevante e contribuindo para o crescimento de nossa universidade. Precisamos que as obras de construção de nosso novo prédio no Gragoatá sejam retomadas o mais breve possível. Há um cenário de crescente corte de recursos para as universidades públicas e as consequências disso são vistas cotidianamente. A tragédia do incêndio do Museu Nacional é um triste e lamentável exemplo desse descaso”, enfatiza Kleber.
Erguido na década de 1840, o prédio tombado que abriga o instituto e que já foi residência do cônsul da Grécia, também é um ícone para a cidade. O aluno do 5º período de Produção Cultural, Gabriel Campos, admirava sua arquitetura mesmo antes de entrar no curso: “enquanto fazia Ciência da Computação, anos atrás, eu passava de bicicleta na frente do Iacs e o achava o campus mais charmoso da UFF: a casa rosa ao fundo e sua praia tão característica compondo o cenário. Hoje estou fazendo ‘Procult’ porque gostei da amplitude do curso e como ele me colocou em contato com uma série de áreas do conhecimento”, explica.
A chefe do Departamento de Artes, professora Lúcia Bravo, destaca a relevância do instituto para a formação de profissionais das áreas de comunicação e artes no Brasil. “Foi aqui que surgiram grandes talentos, personalidades de destaque, que tiveram muita história a contar, dos bastidores jornalísticos às redações sempre ocupadas por membros da UFF. Sem contar a participação do Nelson Pereira dos Santos, o curso de Cinema e todos que ali chegavam com a certeza de que encontrariam um ambiente favorável para desenvolver suas habilidades”.
O estudante do curso de Cinema, Caio Almeida, explica como é significativo poder ver o trabalho de ex-alunos que hoje são profissionais renomados no mercado. “Fui a uma exibição de um filme da Tizuka Yamasaki, ‘Encantados’, no Cine Arte e pude conhecê-la. Ela cursou cinema na UFF e é legal que o assistente de direção e o fotógrafo também foram alunos da instituição”. A sessão aconteceu em 22 de março deste ano, e fez parte do projeto especial Ex-cura, que ao longo de 2018 exibe somente filmes produzidos por ex-alunos, como parte das comemorações dos 50 anos do curso de Cinema.
O mais antigo dos cursos oferecidos no Iacs, Biblioteconomia, é para a ex-aluna Márcia Valéria de Sousa um dos mais abrangentes na área. “Nosso curso dá um panorama muito mais amplo. Ele foca em todas a áreas da Ciência da Informação, não fica restrito à parte técnica e ao bibliotecário na concepção mais antiga, que ficava só na biblioteca e só sabia mexer com livros. Aqui temos ênfase na gestão, na pesquisa, na web 2.0 e 3.0, que lida com web semântica e propicia o acesso a outros tipos de trabalho”. Sobre o papel da Biblioteconomia, acrescenta: “onde houver informação, ali estará um bibliotecário, um biblioteconomista”.
Formamos cidadãos capazes de entender o funcionamento da sociedade e, por essa mesma razão, capazes de contribuir para a transformação de nosso país em um lugar mais justo e mais democrático”, Kleber Mendonça.
Um dos fundadores do curso de Estudos de Mídia, o professor Afonso de Albuquerque, destaca que em seus 50 anos de existência o Iacs foi uma instituição pioneira em muitos sentidos. “O curso de Estudos de Mídia, por exemplo, é o primeiro do gênero na América Latina. Criado em 2005, sua proposta é explorar o campo da comunicação como um todo, para além das fronteiras traçadas pelas habilitações. Na época, a ideia parecia demasiado ousada: é nesse momento que o Orkut – e com ele o conceito de rede social – surgiu no país. Passada mais de uma década, porém, ficou claro o quanto a aposta foi correta, já que o campo de trabalho em comunicação evoluiu para muito além do trabalho tradicional e a formação em Estudos de Mídia se revelou muito útil para dar conta dessas possibilidades, que contemplam objetos como a inteligência em mídias sociais, televisão, games e muitos outros”, revela.
Cursando o terceiro ano de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, o estudante marcelo-alves dos Santos Junior destaca a importância do curso na área. “Recebemos nota de excelência (6) na última avaliação Capes e temos um corpo docente extremamente qualificado, com muitas publicações e projetos de cunho internacional. Certamente, este é um grande diferencial que chancela a relevância da pesquisa em Comunicação da UFF no cenário nacional e internacional”.
Os diversos projetos desenvolvidos no instituto também são destaque dentro e fora da UFF e vão de cineclubes a laboratórios de preservação, como o Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (Lupa), criado pelo professor Rafael de Luna. “Nosso objetivo é criar uma infraestrutura para a preservação do audiovisual. Ao mesmo tempo, colaboramos com a preservação dos próprios filmes, equipamentos e memória aqui da UFF”, comenta. O Controversas é mais uma dessas iniciativas e, segundo a coordenadora, Larissa Morais, foi criado não só para aproximar os alunos do mercado de trabalho, mas também para levar à reflexão. “Em nossos eventos, tentamos trazer pessoas polêmicas que discutam práticas profissionais e o diferencial de suas funções”, ressalta. Já a TV Bandejão é um projeto multidisciplinar que envolve grande parte dos cursos do Iacs. “A proposta da TV Bandejão é funcionar como uma espécie de mídia comunitária, colaborativa, é um trabalho experimental muito bacana, que envolve artes, cinema, jornalismo, produção cultural e publicidade”, explica a coordenadora Lúcia Bravo.
Segundo Kleber, a sólida formação, que alia esses diversos projetos à reflexão teórica e crítica, faz com que os alunos graduados pelo Iacs se tornem profissionais conscientes de seu papel social. “Formamos cidadãos capazes de entender o funcionamento da sociedade e, por essa mesma razão, capazes de contribuir para a transformação de nosso país em um lugar mais justo e mais democrático”, conclui o diretor do Iacs.