A missão de cooperação internacional entre a UFF e a Universidade de São Tomé e Príncipe (USTP), com parceria da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), resultou na publicação da obra “São Tomé e Príncipe Plural”. O livro, lançado no último dia 29 de março, no Centro de Artes UFF (Ceart), apresenta as perspectivas de diálogo e vivências oriundas da inserção de professores, estudantes e técnicos brasileiros na realidade local e da capacitação nas áreas de educação, comunicação e cultura, com amplo envolvimento de sua comunidade.
A colaboração, iniciada em 2012, por meio do Instituto de Artes e Comunicação Social (Iacs), originou a criação de inúmeros produtos com um alto impacto para o desenvolvimento das emissoras de televisão e rádio locais. Para orientar as atividades a serem desenvolvidas, o projeto engloba cinco áreas de atuação: Rádio; TV e Audiovisual; Publicidade, Propaganda e Marketing; Internet e Mediação Cultural.
Com o objetivo de estreitar os laços entre as duas ex-colônias portuguesas, as ações programáticas nas áreas de comunicação e cultura da iniciativa STP Plural levaram o país africano a soluções inovadoras, voltadas à capacitação. A implantação do Núcleo de Comunicação e Cultura na USTP, se dividiu em três frentes: definição de modelos de gestão para os sistemas de rádio e TV do arquipélago africano, capacitação técnica de profissionais são-tomenses na área de audiovisual e instrumentalização para a difusão cultural de São Tomé e Príncipe.
O coordenador do STP Plural e diretor do Ceart, Leonardo Guelman, destacou o envolvimento de alunos, professores e técnicos da UFF nessa experiência profissional e no fortalecimento da comunicação e cultura de um país. “Capacitamos pessoas nas áreas em que trabalhamos – fotografia, arte, patrimônio cultural, comunicação e TV. Ao lidar com uma realidade distinta da nossa, os bolsistas e professores enriqueceram sua formação”, ressaltou.
Atual diretor do Iacs, o professor Kleber Mendonça recordou o momento em que esteve em São Tomé e Príncipe para promover uma capacitação no país por 15 dias. “A experiência foi transformadora, tivemos um ganho imaterial enorme, como podem também testemunhar os alunos, professores e técnicos que lá estiveram. Pudemos contribuir com conteúdos e ensinamentos que desenvolvemos com excelência na nossa UFF, mas também aprendemos muito com outros saberes, igualmente necessários e legítimos para a formação dos estudantes, do corpo técnico e dos docentes”, avaliou.
O lançamento da publicação contou com a presença do reitor da USTP, Aires Bruzaca, que manifestou o interesse em ampliar a parceria entre as instituições, valendo-se do fortalecimento na área de comunicação e cultura para a expansão de um setor essencial para a economia de São Tomé e Príncipe – o turismo. Na ocasião, o reitor da UFF, Sidney Mello, entusiasmado com os impactos positivos gerados, revelou também sua intenção de estender a experiência de sucesso a Cabo Verde.
UFF estreita colaboração com países de língua portuguesa
O gestor da única universidade pública do país, fundada há três anos, Aires Bruzaca, ressaltou a importância de se promover o intercâmbio entre as nações de língua portuguesa em desenvolvimento, principalmente no hemisfério sul. Brasil e São Tomé e Príncipe têm uma história comum e uma relação consanguínea, visto que, além dos movimentos de migração compulsória dos escravizados, alguns deles, quando livres, retornaram para seus países africanos de origem – como foi o caso dos próprios ancestrais de Bruzaca. “Esta parceria com o Brasil é o que de melhor pode haver, pois temos laços históricos, culturais e familiares. Mesmo depois de séculos, não deixamos de ter esta relação umbilical convosco. E precisamos conhecer a trajetória desse processo histórico que se inicia no século XV, com a colonização, mas também compreender o que se passa no presente para construirmos o futuro”.
Já o reitor da UFF, Sidney Mello, destacou em seu discurso a importância dessa aproximação para ambas as nações. “A Universidade Federal Fluminense caminha a passos largos na cooperação internacional, sobretudo com países lusófonos. Temos colaboração ativa com eles e isso só demonstra o quanto temos a contribuir. É um projeto de mão dupla, porque também aprendemos muito com São Tome e Príncipe. A amizade é o que une os países, a nossa língua e a nossa base cultural. Fico satisfeito de ver um resultado dessa magnitude, porque sublinha as nossas relações com África, com São Tomé e Príncipe e com a Associação Brasileira de Cooperação”, afirmou Mello.
Presente ao encontro, a diretora-adjunta da ABC, ministra Andrea Watson, destacou a mudança do papel brasileiro junto às nações estrangeiras ao longo de 30 anos de existência da associação. “Começamos como um país mais pobre, periférico e não tão pujante. Nesse contexto, a agência surgiu com o objetivo de receber cooperação, que vinha como uma receita pronta, com as nações mais desenvolvidas nos dizendo o que fazer. Ao longo dos anos, passamos a prestar colaboração, em vez de apenas receber. À medida que o Brasil adquiria mais conhecimentos em educação, agricultura, gestão pública, a área de cooperação foi crescendo e hoje somos uma equipe de aproximadamente 200 pessoas. Atualmente, mais do que sermos ativos na colaboração bilateral, como uma via de mão dupla, somos procurados para promover cooperação trilateral. Ou seja, os países mais ricos nos ajudam com os recursos e nós promovemos as ações, nos adequando às necessidades demandadas”, contou a ministra, pontuando que a ABC apoia mais de 600 projetos de cooperação, principalmente na América Latina e África.
O evento
No último dia 26, o Ceart também exibiu o documentário “Dois Irmãos”, produzido para o projeto STP Plural, que acompanha a jornada dos são-tomenses Gueva e Zawa ao Rio de Janeiro e Niterói. Ao conhecer o território daqueles que antes os visitaram, a dupla de contadores de histórias fala de alegria, amizade, tolerância e colaboração, sentimentos que balizaram o projeto.
Na ocasião foi lançado o livro “Territórios Criativos: Cariri, Quilombo Machadinha, Madureira e Paraty”, fruto do projeto Prospecção e Capacitação em Territórios Criativos. Trata-se de uma parceria da UFF com o Ministério da Cultura para mapeamento de agentes dos territórios, capacitações e encontros para a consolidação de redes com a presença de grupos e movimentos locais. “Consideramos as matrizes culturais de cada lugar, as expressões e o patrimônio imaterial que serviram de base para as quatro regiões em que trabalhamos”, explicou Leonardo Guelman.
Após o lançamento, houve uma apresentação do jongo Tambores da Machadinha, do município fluminense de Quissamã, e uma edição do tradicional UFF Debate Brasil abordando a temática do racismo. Com a mediação de Leonardo Guelman, o encontro teve participação dos debatedores Aires Bruzaca, reitor da USTP, Júlio César Tavares, docente do Departamento de Antropologia da UFF, e Maria Raimunda Soares, docente do campus de Rio das Ostras e coordenadora do projeto Território Criativo Quilombo da Machadinha.
Especialistas em relações étnico-raciais e cultura afro-brasileira, durante o debate, Júlio e Raimunda fizeram uma análise sobre o impacto do racismo em nossa sociedade, da escravidão aos dias de hoje, relacionando às vivências dos povos quilombolas na luta por reconhecimento e respeito. Apresentando o que chamou de uma visão “micro” – em complemento à visão “macro” socioeconômica presente na fala de Júlio Tavares – Bruzaca narrou um pouco sobre a história da colonização de São Tomé e Príncipe e do histórico de resistência ao poderio europeu, que fez do pequeno arquipélago um entreposto para o comércio de escravos nos séculos XV e XVI. Neste ponto, “o país guarda com o Brasil muito mais semelhanças do que se imagina”, concluiu o reitor são-tomense.