No dia 11 de fevereiro, celebra-se o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, data definida pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), visando conscientizar a sociedade sobre a importância da igualdade de gênero na ciência. Nesse sentido, com o objetivo de enfrentar a disparidade de gênero nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), a professora Luciana Salgado, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF), e uma rede de profissionais da América Latina, está desenvolvendo a plataforma ELLAS, que integra dados primários e secundários sobre a carreira de mulheres nas STEM na América Latina.
A iniciativa, que já conta com mais de dez mil respostas em pesquisas empíricas e parcerias estratégicas, visa fornecer insumos para políticas públicas e ações que promovam a liderança feminina no setor. Essa tecnologia surge no contexto do projeto Latin American Open Data for Gender Equality Policies Focusing on Leadership in STEM, financiado pelo International Development Research Centre (IDRC), e representa um avanço significativo na luta pela equidade de gênero em STEM, ao oferecer dados robustos e análises comparativas que podem embasar políticas públicas e iniciativas privadas. Com o engajamento de instituições e a expansão do projeto, a expectativa é que mais mulheres alcancem posições de liderança, transformando o cenário científico e tecnológico da região.
Com uma equipe composta por oito instituições (Brasil: UFMT, UFF, UTFPR, UFSC; Bolívia: UCB, UMSA; Peru: ULIMA; e, Cal Poly Pomona) e mais de 60 pessoas dos três países participantes (Brasil, Bolívia e Peru), o projeto já tem mais de 35 publicações científicas e parcerias como o Programa Meninas Digitais, a Fundación Internet Bolivia e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A ELLAS espera influenciar políticas públicas e aumentar a representatividade feminina em posições de liderança. “Nossos resultados iniciais mostram que a falta de modelos de liderança feminina e o ambiente majoritariamente masculino são barreiras significativas. Nesse contexto, a plataforma pode ajudar a mudar esse cenário”, ressalta Salgado.
Para mitigar esse cenário, o projeto mapeou fatores e políticas que influenciam a carreira das mulheres em STEM entre 2020 e 2023, além de ter realizado workshops em três países (Brasil, Bolívia e Peru) e desenvolveu um protótipo da aplicação. Para superar desafios como a baixa conscientização, o projeto promove parcerias com universidades, organizações internacionais e órgãos públicos.

2º Workshop das pessoas pesquisadoras desenvolvedoras da plataforma ELLAS na Universidade de Lima (Peru). Créditos: Luciana Salgado
Metodologias e resultados mapeados
A escassez de dados abertos e integrados sobre a trajetória de mulheres em STEM na América Latina motivou a criação da ferramenta. “A falta de dados consistentes e acessíveis é um dos maiores obstáculos para entender e combater as desigualdades de gênero em STEM. A aplicação computacional que estamos desenvolvendo vem para preencher essa lacuna, oferecendo uma base sólida para pesquisadores, formuladores de políticas e organizações”, explica a coordenadora do projeto na UFF.
Estereótipos de gênero, vieses inconscientes, falta de apoio familiar e a ausência de modelos de liderança feminina são alguns dos principais obstáculos identificados pelo projeto. Apesar de estudos comprovarem que a diversidade aumenta a eficiência em equipes científicas e tecnológicas, as mulheres ainda enfrentam barreiras desde a escolha da carreira até a ocupação de posições de liderança. “Desde cedo, as meninas são direcionadas para carreiras relacionadas ao cuidado, enquanto os homens são incentivados a seguir nas área de ciência, tecnologia e de exatas. Isso cria um desequilíbrio que persiste ao longo da vida profissional”, destaca Salgado.
A plataforma utiliza uma metodologia para coleta e curadoria de dados que inclui fontes como mídias sociais, artigos acadêmicos e documentos de políticas públicas. Os dados vão estar em três idiomas – português, espanhol e inglês -, prevendo a colaboração externa com a adição de dados futuros. “Desenvolvemos uma metodologia replicável e transparente para garantir a qualidade dos dados. Cada informação passa por um processo de validação, o que nos permite oferecer análises confiáveis e relevantes”, afirma a professora.

Protótipo da interface da plataforma. Foto: Luciana Salgado
A arquitetura é composta por três camadas: dados, processamento e aplicação. O ambiente usa estruturas de organização de dados (ontologias) e mapas de relacionamento entre informações (grafos de conhecimento) para garantir que os dados sejam facilmente comparáveis e acessíveis. “Cada informação passa por um processo de validação, o que nos permite oferecer análises confiáveis e relevantes, que representará o conhecimento em torno de políticas, fatores e iniciativas”, afirma a coordenadora local do projeto. O processo de mapeamento também incluiu uma busca ativa de produção acadêmica e outros fatores.
“Foram mapeados 352 artigos sobre políticas latino-americanas, 231 artigos sobre políticas internacionais, 259 artigos sobre fatores contextuais, 775 artigos sobre iniciativas e 74 artigos sobre liderança feminina em STEM. Além disso, as revisões sistemáticas de perfis e documentos geraram mais de 300 entradas de dados. Como dados secundários, foram utilizadas informações extraídas de oito sites de dados abertos internacionais e nacionais por meio de técnicas como web scraping. Até o final de 2023, a reunião desses esforços gerou um grafo de conhecimento com mais de 295.000 entradas de dados”, explica a professora.
De acordo com a coordenadora do projeto na UFF, a primeira versão ainda está em testes, com expectativa de, após o lançamento oficial em maio de 2025, tornar a tecnologia uma ferramenta essencial para a promoção da igualdade de gênero em STEM em toda a América Latina. “Estamos construindo uma rede de colaboração que envolve desde pesquisadores até formuladores de políticas. O projeto não visa apenas disponibilizar a plataforma ELLAS, mas um movimento para transformar a realidade das mulheres em STEM”.
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Luciana Cardoso de Castro Salgado é professora adjunta do Departamento de Ciência da Computação da UFF. É líder do SERG.uff, grupo de pesquisa em Engenharia Semiótica, editora chefe do Journal on Interactive Systems, coordenadora do Programa Meninas Digitais da SBC, do projeto de extensão “Include Meninas” e da Rede Nacional de Extensão e Educação Meninas Digitais (RENACEE_MD). Além de ser a coordenadora local do Projeto ELLAS. Pesquisa questões culturais e de gênero, teoria e métodos da engenharia semiótica, computação social e consequências em torno do fenômeno das redes sociais e aquisição de raciocínio computacional.