Os desenhos japoneses são um sucesso entre os adolescentes brasileiros. Com milhões de fãs espalhados pelo mundo, os animes – como são popularmente conhecidos – chegaram ao Brasil no final dos anos 60, mas foi só a partir da década de 90 que começaram a se tornar mais influentes para a juventude do país. Atualmente, as animações orientais deixaram de estar somente nas televisões e outros aparelhos eletrônicos para invadir as salas de aula. Um exemplo é o projeto de iniciação à docência da UFF, “Animes no ensino da Química: investigação do potencial didático”, desenvolvido ao longo de 2017 e 2018 e finalizado em 2019.
A coordenadora do projeto e professora do Departamento de Química de Volta Redonda Andréa Aparecida Ribeiro Alves explica que essas animações passaram a ser utilizadas como recurso para aplicar um método de ensino alternativo da disciplina. “O contato com adolescentes e seus gostos por desenhos japoneses foi o grande ponto de partida para o uso deste tipo de recurso. Então, passamos a analisar alguns animes e identificar potencial de cunho químico e científico em seus episódios”.
No segundo semestre de 2019, a implantação da metodologia teve início no Colégio Municipal José Botelho Athayde, localizado em Volta Redonda. A então orientanda e aluna (atualmente formada) do curso de Química, Marina de Monroe, foi a responsável pela iniciativa inovadora na escola. José Teles, professor de Química da escola, foi quem primeiro autorizou a inclusão da atividade na grade curricular da escola. “Ela acompanhava o docente há dois anos no local como estagiária da disciplina de ‘Pesquisa e Prática de Ensino’. Após conhecer o projeto e seus objetivos, ele nos cedeu alguns tempos de aula para que a dinâmica fosse aplicada com a turma de terceiro ano, composta por 35 alunos. Num segundo momento houve uma reunião também com a direção, que concordou com a intervenção da bolsista em classe”, explica a coordenadora.
Apesar de ser uma grande fã dos animes, Andréa Alves reconhece que o conteúdo, ainda que muito popular, não é um consenso entre os jovens. Portanto, antes desta didática ser apresentada aos estudantes, foi realizada uma pesquisa de opinião para saber se a dinâmica seria bem recebida pela turma. “O resultado foi muito positivo.Todos aprovaram a novidade, votando a favor da inserção do recurso no ensino da matéria. Por ser algo diferente do que eles estavam acostumados a ver no dia a dia escolar, mesmo aqueles que não gostavam de animes foram receptivos”, destaca.
Preparação e premiação
Antes de sua aplicação, o projeto passou por um longo processo de elaboração e aperfeiçoamento. O início da preparação ocorreu em 2017, quando Marina conheceu a ideia a partir da disciplina da graduação, “Metodologia e Instrumentação para o Ensino de Química I”, ministrada por Andréa Alves. Desde então, as duas passaram a analisar trechos de animes que utilizavam conceitos químicos dentro da construção de suas histórias. Feito isso, aluna e professora passaram a organizar uma sequência didática para relacionar o conteúdo químico com o que era apresentado nas animações.
O método foi repetido duas vezes ao longo do ano de 2018. Na ocasião, Marina teve a chance de dar aulas para os graduandos do curso, seguindo a estrutura criada em conjunto com a idealizadora do trabalho. “A experiência ao longo daquele ano foi importante porque possibilitou que todos os ajustes necessários fossem feitos antes do início da aplicação do projeto na escola”, relata a coordenadora.
Segundo Marina, a adaptação a essa nova ferramenta não foi um processo simples. Mesmo sendo uma amante das animações que foram objeto de estudo, ela teve dificuldade em encontrar pesquisas que tratassem da inserção dessas obras no universo escolar. “Muita vezes quando vamos utilizar algum tipo de recurso, já possuímos toda uma bagagem teórica e demonstrativa para servir como base na montagem da sequência didática ou do plano de aula. Contudo, a partir do pouco material que encontramos e com o auxílio da professora Andréa, conseguimos atingir um resultado bem satisfatório”.
Todo o esforço empregado foi recompensado. Em 2018, o “Animes no Ensino da Química” venceu o prêmio Sueli Camargo Ferreira, destinado aos projetos de estudantes que cursam licenciaturas na universidade. A premiação foi realizada durante a Agenda Acadêmica da UFF, no evento “Mostra de Iniciação à Docência”.
Dinâmica das aulas
Para colocar em prática todo o trabalho desenvolvido durantes os anos anteriores, o recorte escolhido por Andréa e Marina foi a química nuclear. A relação dessa temática com os animes aconteceu de forma organizada. Foram selecionados dois desenhos: Hadashi no Gen e Hunter x Hunter. O primeiro foi utilizado inicialmente para problematizar a questão das bombas nucleares, já que consiste numa história sobre o ataque norte-americano às cidades de Hiroshima e Nagasaki, após a Segunda Guerra Mundial. A obra norteou as discussões da turma a respeito do efeito das radiações no corpo humano e sobre como é produzido o poder devastador dessas armas de destruição em massa.
Já a segunda animação utilizada funcionou como uma aplicação de todo o conhecimento adquirido nas aulas anteriores. Neste caso, os alunos foram levados a investigar o motivo da morte de um dos antagonistas centrais da narrativa, o “Rei Formiga”, que faleceu devido a uma contaminação proveniente de uma minibomba atômica.
“A primeira coisa que eu fiz foi separar dois animes que tratavam de uma temática parecida (Hadashi no Gen e Hunter x Hunter); porém, com abordagens diferentes. Isso possibilitou que eles fossem transpostos em momentos distintos na sequência didática escolhida. Tudo que era feito em sala de aula tinha ligação com o que eles viam, não só dentro da ludicidade das animações, mas também na vida real. Conseguimos, dessa maneira, mostrar que mesmo dentro da fantasia do desenho existem também aspectos da vida real, cabendo a nós o olhar crítico para distingui-los”, descreve Marina.
Recentemente formada pela UFF de Volta Redonda, a ex-aluna ressalta a importância dessa experiência para sua formação profissional. Para ela, a realização desse projeto ajudou muito na sua observação sobre a dinâmica escolar, na qual nem sempre tudo acontece do jeito que se planeja. A experiência também levou Marina a reconhecer a importância de um planejamento de aula. “O contato que tive com a turma, as reações dos alunos, as indagações feitas por eles no decorrer da aula me inspiraram de uma forma inexplicável. O desejo de permanecer ensinando e transformando a vida desses adolescentes vale mais do que qualquer coisa”, comemora.
O professor de química José Teles, do Colégio Municipal José Botelho Athayde, mostrou-se muito satisfeito com a relação estabelecida entre a UFF e a escola em prol de um ensino de qualidade. “A utilização de recursos digitais ligados a culturas que atraem a atenção e mantêm uma proximidade com a vivência dos jovens são muito válidas. Os alunos gostaram muito da atividade e responderam com grande índice de acertos nas provas da disciplina, baseados na prática.” – ressalta.