O câncer de boca é um tipo de neoplasia maligna dos tecidos da cavidade oral, o quinto com maior incidência no mundo, com cerca de 450 mil casos notificados no último ano. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a expectativa de sobrevivência, após cinco anos do diagnóstico, é de 33% em regiões pobres e 63% em regiões ricas.
Segundo o pesquisador do Laboratório Multiusuário de Pesquisa Biomédica (LMPB) de Nova Friburgo, Bruno Robbs, no município, há um elevado número de pessoas com diagnóstico de câncer de boca e faringe. Alguns fatores podem ser considerados como as principais causas do câncer de boca: tabagismo, consumo de álcool, infecção pelo vírus HPV e, no caso dos trabalhadores rurais, a exposição contínua a grandes quantidades de agrotóxicos e ao sol.
Com foco nos índices locais, um grupo de professores e alunos do Polo Universitário de Nova Friburgo (Punf) em parceria com o Laboratório de Síntese Orgânica Aplicada (LSOA), do Instituto de Química de Niterói, deu início à pesquisa de fabricação de substâncias químicas derivadas de produtos naturais, como o ipê e a hena, produzindo assim substâncias capazes de combater o carcinoma de células escamosas orais.
O Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, Vitor Francisco Ferreira, ressalta a relevância do trabalho, não somente pelo objeto de estudo, mas pelo fator estratégico que envolve a junção de investimentos e a parceria de outros pesquisadores num mesmo objetivo. “Há profissionais na instituição que têm pesquisas em comum e muitas vezes estão separados por uma parede ou andar. Eles precisam se comunicar, trocar ideias e unir recursos. A UFF, a sociedade, todos saem ganhando”, afirmou.
Para Vitor, a colaboração dentro da própria universidade é fundamental. “Existem pesquisadores que estão fora de Niterói, instalados em outros municípios do Estado, desenvolvendo trabalhos de excelência, e aqui não estamos a par. É necessário que os professores saibam o que os colegas estão produzindo, e de alguma forma, contribuam para que as pesquisas avancem”, enfatizou.
Com a busca de novos fármacos, estamos agindo na direção de melhorar a qualidade de vida das pessoas e é importante que a sociedade saiba do que desenvolvemos ao seu favor”, Fernando de Carvalho da Silva.
A pesquisa é realizada desde 2016 por um grupo de quinze professores e alunos bolsistas, liderado pelo coordenador do Laboratório de Análises Clínicas do Instituto de Saúde de Nova Friburgo (ISNF), Bruno Kaufmann Robbs, junto com o professor do Departamento de Química Orgânica, Fernando de Carvalho da Silva e sua equipe. O objetivo é investigar a ação anticancerígena de substâncias orgânicas presentes na natureza, frente às células de câncer.
“Fizemos uma ampla varredura da toxicidade e seletividade de 21 diferentes compostos em diversas linhagens de células de câncer de boca humana. Demonstramos que um desses compostos apresentava atividade promissora para matar células tumorais seletivamente, sendo quatro vezes mais tóxico para diferentes linhagens de câncer da cavidade oral em relação às células normais do organismo”, explicou Robbs.
Já segundo Fernando, a pesquisa visa a criação de novos fármacos. “Nós sintetizamos moléculas de baixo peso molecular, que tradicionalmente possuem funções responsáveis por determinadas atividades farmacológicas. As naftoquinonas, por exemplo, têm propriedades microbicidas, tripanomicidas, viruscidas, antitumorais e inibidoras de sistemas celulares reparadores, processos nos quais atuam de diferentes formas”, exemplificou.
Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto já conta com cerca de cem novos compostos sendo avaliados em culturas de células e com alguns alvos interessantes para a continuação em modelos animais. O professor observa que a pesquisa é apenas o embrião de um trabalho maior, cujo objetivo é a descoberta de um novo medicamento. “Neste sentido, a UFF vem disponibilizando a infraestrutura necessária para que trabalhos como este sejam realizados”, avaliou.
Além dos benefícios que trazem para a universidade – como a propriedade intelectual em si – explica Fernando, o trabalho serve para mostrar à sociedade que “com a busca de novos fármacos, estamos agindo na direção de melhorar a qualidade de vida das pessoas e é importante que a sociedade saiba do que desenvolvemos ao seu favor. Por isso a importância também da divulgação aliada ao trabalho que produzimos”.
O especialista esclarece que o próximo passo da pesquisa é a ampliação da divulgação das etapas do trabalho junto à comunidade universitária, trazendo a médio e longo prazo, maior visibilidade e novos investimentos, internos e externos. Além disso, há a possibilidade da criação de parcerias com a indústria farmacêutica, o que dará a estrutura necessária aos pesquisadores para formularem os compostos e definirem a forma mais eficaz de sua utilização – na forma injetável, xarope, comprimidos ou diluições – com certificações específicas que referendam a qualidade dos produtos pesquisados.
Fernando acrescentou ainda que a pesquisa científica e tecnológica é um dos pilares para soberania nacional de qualquer país, fato que corrobora a necessidade constante de financiamento e investimentos na área. Segundo ele, de acordo com matéria publicada recentemente no jornal A Folha de São Paulo, a produção científica brasileira cresceu de forma expressiva nas últimas duas décadas, mas seu impacto diminuiu. “Em 1998, os cientistas produziram 11.839 artigos, número que colocava o Brasil em 20º lugar no ranking dos que mais publicam. Quase 20 anos depois, com uma produção sete vezes maior, o país saltou para 13º. No entanto, a relevância dos artigos nacionais não acompanhou essa marcha e perdeu terreno, ficando atrás dos vizinhos Argentina, Chile e Colômbia”, relatou.
Os pesquisadores Bruno, Fernando e Vitor concordam que a pesquisa, apesar dos poucos recursos disponíveis, vem avançando consideravelmente nos últimos meses, o que possibilitou a identificação de 100 novos compostos, até então não catalogados na literatura química e que foram planejados, sintetizados e estão sendo empregados, ainda na fase de testes, nessa forma específica de câncer.
“Esse estudo une áreas totalmente distintas, da Química e da Biologia, com dois grupos de professores e alunos voltados para um único objetivo. Eu não sei nada do universo de pesquisa de Fernando e ele pouco sabe do meu, mas nosso desafio é reunir uma equipe em busca de resultados práticos para uma pesquisa conjunta, que traga bem-estar e qualidade de vida à sociedade. Esse também é o nosso papel”, conclui Bruno Robbs.