Dezenas de casas foram perdidas no distrito de Atafona por conta da erosão costeira. Foto: Arquivo do Projeto.
O distrito de Atafona, localizado no município de São João da Barra (RJ), perdeu cinco quarteirões por conta da erosão costeira crônica, enquanto outros sete ficaram parcialmente danificados no período entre 1976 a 2018. A informação foi apontada pelo projeto “Comportamento da linha de costa e vulnerabilidade à erosão costeira no complexo deltaico do rio Paraíba do Sul (RJ)” do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF). A pesquisa realizou o estudo da dinâmica da linha de costa (LC) no flanco meridional do delta do rio Paraíba do Sul entre 1954 e 2018.
Mapa analisado pelo estudo e área dos perfis de praia. Foto: Artigo.
De acordo com dados do Censo 2022, cerca de 111 milhões de pessoas no Brasil, aproximadamente 54,8% da população, vivem próximas ao litoral, em uma faixa de território que inclui domicílios localizados a uma distância máxima de 150 quilômetros (km) da costa. Apesar do potencial econômico, essas áreas sofrem influência direta de processos associados às ondas e correntes, o que demanda estudos de LC para analisar as variações morfológicas e as ações de erosão costeira.
Segundo a professora do Departamento de Geografia da UFF e vice-coordenadora do Laboratório de Geografia Física (LAGEF- UFF), Thaís Baptista da Rocha, a incidência de energia de ondas concentradas é um dos motivos principais para a ocorrência de erosão costeira em Atafona. “A erosão costeira no delta do rio Paraíba do Sul está muito bem mapeada, mas é preciso avançar mais na questão das causas, principalmente porque esse fenômeno pode ser gerado por causas naturais. A convergência de ondas, especificamente nas proximidades de Atafona, é considerada uma das principais hipóteses. Esse processo de erosão costeira poderá ainda ser intensificado pelos cenários das mudanças climáticas globais”.
Análise da linha de costa
A área analisada faz parte do Complexo Deltaico do rio Paraíba do Sul (CDRPS), especificamente na margem sul do delta, que abrange as localidades de Atafona e Grussaí. O Rio Paraíba do Sul possui uma extensão de aproximadamente 1150 km e percorre os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
Os estudos investigando a linha da costa foram realizados através de imagens de satélite e fotografias aéreas, com o uso de softwares que processam os dados e a análise da dinâmica da LC. O LAGEF-UFF possui uma rede de monitoramento contínuo de perfis de praia que conta com oito pontos distribuídos. Rocha afirma que os processos de erosão também foram analisados em uma escala temporal mais ampla.
A professora pontua que a primeira fotografia aérea de mapeamento da erosão costeira na área era de 1954, depois 1976, anos 2000 e por último paramos em 2018, ano da nossa última publicação. “Recentemente, avaliamos esses processos em uma escala mais ampla temporalmente. A análise foi feita por meio de métodos de datação por luminescência opticamente estimulada (LOE) nos truncamentos erosivos que estão como registro na planície costeira, imagens de satélite e análise estatística da movimentação da LC. Também utilizamos registros históricos, como, por exemplo, um livro antigo da fundação da cidade de São João da Barra, em que conseguimos identificar a posição da linha de costa no ano de 1630”.
Mapa com os perfis de praia no delta do rio Paraíba do Sul e as classificações do comportamento da LC. Foto: Artigo.
Durante o período de 1954 a 2018, o que se observou foi a predominância da erosão costeira em Atafona, enquanto ao sul, em Grussaí, foram registrados processos de acreção – acumulação de sedimentos em um local. Para o intervalo de 2005 a 2016, houve um aumento expressivo de erosão extrema e severa em Atafona, enquanto, em Grussaí, o comportamento se manteve estável. Nos dois últimos anos de análise, percebe-se a expansão da área de erosão extrema para o sul, entre o perfil 3 e o perfil 7, o que revela a intensificação desse fenômeno nos anos mais recentes. Através da comparação do período de 1976-2002 e 2016-2018, é possível verificar um aumento geral na abrangência desse processo em áreas litorâneas, antes limitada ao fim do perfil 6, que agora percorre o perfil 7 e chega próximo ao distrito de Grussaí.
No intervalo temporal mais abrangente, entre 1954-2018, os perfis 3 e 5 apresentaram os maiores índices de recuo de linha de costa, enquanto os perfis 4, 6 e 7 também apresentaram um recuo na linha de costa, mas enquadraram-se na classe de erosão severa. Os perfis 8, 9 e 10, localizados em Grussaí, mostraram um comportamento de acreção. “Na medida em que a erosão costeira acontece em Atafona, os sedimentos são removidos e transportados para outro local. Então, nesse caso, os materiais saem de Atafona e vão para Grussaí, por isso, acontece a erosão de um lado e a acreção do outro” explica a docente.
O avanço do mar em Atafona já danificou 12 quarteirões nas últimas décadas. Foto: Mauro Pimentel/AFP
Os dados analíticos identificaram taxas de recuo de LC e indicadores geomorfológicos que tornam o trecho de Atafona um ponto proeminente de erosão costeira, ou hot spot, que são áreas que compreendem pelo menos 5 km desse processo. No total, esse fenômeno causou efeitos severos para uma área de 215 mil metros quadrados do distrito, o que representa, aproximadamente, a perda de um quarteirão a cada dois anos e meio. De acordo com Rocha, o mapeamento da dinâmica da linha de costa é importante para o desenvolvimento de políticas públicas.
“Nós temos que pensar nas ações de mitigação e adaptação com relação às mudanças globais. Todos esses dados, de alguma forma, se somam às possibilidades de pensarmos no que vamos fazer para o futuro. Então, podemos pensar nas soluções baseadas na natureza e em programas governamentais, como o projeto Orla, por exemplo, que são destinados a pensar em políticas e ações de adaptação. Obviamente, a gente precisa mapear os fenômenos da natureza e quem são as pessoas que vão estar em risco por conta desses processos, porque existe a dimensão social de quem será afetado”.
O projeto Orla é uma metodologia de planejamento integrado, pensado pelo Ministério do Meio Ambiente, que busca o ordenamento dos espaços litorâneos sob domínio da União, aproximando a política ambiental e patrimonial. O plano é uma resposta aos desafios impostos pela fragilidade dos ecossistemas da orla, do crescimento do uso e ocupação de forma desordenada e irregular, do aumento dos processos erosivos e de fontes contaminantes. Além disso, outra solução para mitigar os efeitos negativos no litoral brasileiro são as soluções baseadas na natureza, como, por exemplo, o engordamento artificial de praias ou a construção artificial de dunas, que insere a cobertura vegetal característica da área para segurar o sedimento.
Preocupação global
Em agosto, a ONU-Água e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicaram três relatórios sobre água doce no mundo. O resultado revelou que, em metade dos países do mundo, um ou mais tipos de ecossistemas de água doce estão degradados, incluindo rios, lagos e aquíferos. De acordo com o levantamento, o motivo da degradação envolve a poluição, as represas, a conversão de terras, a extração excessiva e as mudanças climáticas. Além disso, foi exposto que o fluxo dos rios diminuiu em 402 bacias ao redor do mundo, fato influenciado pelas mudanças climáticas e mau uso do solo.
A docente afirma que o rio Paraíba do Sul passa por esse problema e a vazão diminuiu cerca de um terço em 80 anos. “No caso do rio Paraíba do Sul, a gente estimou que a vazão diminuiu quase 30% entre os anos de 1934 e 2016, então, a quantidade de água que chega na foz do rio reduziu muito no último século. Por exemplo, na estiagem de 2014, a vazão foi tão baixa que a cunha salina penetrou mais longe no estuário e salinizou alguns mananciais de abastecimento. Isso é uma preocupação em áreas costeiras, de como as bacias hidrográficas que deságuam diretamente no oceano serão impactadas futuramente”.
Outro ponto levantado pelo estudo da ONU revela que a metade mais pobre do mundo contribui com menos de 3% dos dados globais sobre a qualidade da água. Rocha pontua que o monitoramento tem avançado por conta de tecnologias de geoinformação por imagens. “No Rio de Janeiro temos muitos pontos de monitoramento de água, feitos pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) ou pela Agência Nacional de Águas (ANA), mas de fato existem algumas lacunas, como, por exemplo, a baixa quantidade de estações de medição de vazão. De certa forma, estamos avançando nas tecnologias, através de imagens de satélites. Na ausência de imagens no local, as tecnologias de geoinformação por imagens permitem a extração de dados importantes”.
Evolução do rio
O próximo passo do projeto é refinar o processo de análise da evolução paleogeográfica do delta do rio Paraíba do Sul. “Estamos seguindo por essa linha de pesquisa porque queremos entender a paleogeografia do delta e saber como foi a evolução dele nos últimos 5 mil anos, condicionada pelo comportamento do mar no mesmo período. Então, por exemplo, nos últimos 5,5 mil anos, na maioria da costa brasileira, o nível do mar baixou em torno de 2 metros, ou seja, com a chegada do sedimento do rio e a redução do nível do mar, construiu-se o delta. Buscamos entender como foi o processo de construção e como serão, no futuro, os processos costeiros que atuam na dinâmica e comportamento do delta, afetados pelo aumento do nível do mar”, conclui Rocha.
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Thaís Baptista da Rocha é professora adjunta do departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), e vice-coordenadora do Laboratório de Geografia Física (LAGEF- UFF). Possui licenciatura, bacharelado e mestrado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).