Ter um ente querido acometido pela forma mais severa do COVID-19 é motivo de angústia para inúmeras famílias. Com as medidas de restrição, não é possível estar nos hospitais presencialmente para dar suporte a quem precisa ser internado. Sensível a essa realidade, a Equipe de Saúde Mental do Hospital Universitário Antônio Pedro, formada pela Psiquiatra Thabata Luiz (autora do Projeto Visita Virtual) e a Equipe de Psicologia do PsiCOVIDa, estudou maneiras de proporcionar ao paciente hospitalizado um contato com familiares e amigos através da visitação à distância. Assim, na tentativa de amenizar a barreira gerada pelo distanciamento social, que proíbe a presença de visitantes nos hospitais, surgiu o projeto de visitas virtuais no Centro de Terapia Intensiva do HUAP.
Segundo a psiquiatra Thabata Luiz, coordenadora do projeto, manter pacientes com seus próprios aparelhos telefônicos no CTI não era uma opção viável em razão da movimentação intensa e do risco de contágio. “Entendemos que muitas pessoas ficariam sem contato com parentes e amigos enquanto não se recuperassem e outras viveriam seus últimos momentos de vida em solidão. O distanciamento social do enfermo com sua rede socioafetiva impacta negativamente na experiência de terminalidade. Por isso, é necessário promover essa conexão, a fim de lhes proporcionar a melhor experiência de dignidade possível diante desse cenário. Assim, minimizam-se fatores de risco que podem vir a ser complicadores do luto, além de quadros pós-traumáticos, ansiosos e depressivos”.
Não basta ter empatia quando estamos atravessando um momento de grande sofrimento para a humanidade. Com as restrições sanitárias, é preciso ter criatividade para reinventar ações que proporcionem às pessoas a experiência de cuidado. – Thabata Luiz
A médica explica que o contato entre o doente e a família é feito através de Júlia Reis – uma das psicólogas participantes do projeto – logo após sua internação no CTI, para informar os procedimentos de visitação. “Pacientes que estão lúcidos podem fazer a visita por videochamada. Já os que estão com a comunicação verbal prejudicada ou com nível de consciência alterado recebem mensagens em áudio das famílias. Tablets foram doados e a equipe se reveza para fazer as chamadas com os pacientes”.
Julia narra como o processo de visitação acontece. “O primeiro contato é muito delicado, pois muitos familiares estão emocionalmente fragilizados. As mensagens enviadas sensibilizam a todos. O momento realmente difícil é quando há o falecimento do paciente, a retirada dos pertences e seu enterro. Por isso, para complementar as ações de humanização e suporte emocional, os psicólogos da equipe fazem a entrega de uma ‘caixa de memórias’ para um de seus familiares que comparece ao hospital e é avisado do óbito. Também é oferecida à família a possibilidade de acolhimento psicológico pelo PsiCOVIDa, outro projeto do setor de psicologia do hospital”.
A psiquiatra Thabata destaca que a receptividade do projeto entre os membros da equipe foi grande desde o começo. A direção do hospital garantiu treinamento e disponibilidade de equipamentos de proteção e os pacientes também ficaram aliviados e agradecidos. “No HUAP, existem muitas pessoas em estado grave que requerem múltiplas intervenções e, portanto, os profissionais de saúde reconhecem a importância dessa prática de humanização no atendimento do CTI, já que o foco na maior parte do tempo está nos cuidados físicos dos doentes”.
Ela reafirma que a conexão entre paciente e seus familiares permite a possibilidade de expressarem e compartilhem emoções e, nesse contexto, a visitação virtual funciona como uma ponte de afetos e despedidas. “Esse tipo de cuidado ajuda as pessoas a terem segurança de que não serão tratadas apenas como números em estatísticas. Também é possível notar o envolvimento dos familiares no projeto. Eles se reúnem, exercem suas crenças religiosas, colocam músicas, falam de comidas preferidas e sempre declaram seu amor ao enfermo. Essa possibilidade faz com que paciente e família confiem mais na equipe e no tratamento. São recorrentes as mensagens de agradecimento para os profissionais, ainda que o desfecho seja o óbito”, pondera Thabata.
A psiquiatra ressalta ainda que uma profissão movida à compaixão precisa envolver a consciência da dor de uma pessoa como motivação em agir para ajudá-la. “Não basta ter empatia quando estamos atravessando um momento de grande sofrimento para a humanidade. Com as restrições sanitárias, é preciso ter criatividade para reinventar ações que proporcionem às pessoas a experiência de cuidado. Os profissionais da área médica devem honrar a escolha de acolher e cuidar do ser humano em momentos de fragilidade. Só assim o trabalho na saúde faz sentido e cumpre seu papel”, conclui.