No ano de 1932 as mulheres conquistaram a garantia de que elas poderiam votar e ser votadas. Atualmente, dados estatísticos da Justiça Eleitoral apontam que mais de 52% do eleitorado brasileiro é feminino, tornando as mulheres maioria entre os mais de 156 milhões de eleitores. No entanto, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), elas são minoria em relação à candidatura para cargos políticos. Nas eleições de 2022, a representação feminina soma 20% de eleitas para a Câmara dos Deputados. Das 27 cadeiras do Senado Federal, apenas três foram ocupadas por mulheres. Para os governos estaduais, 32 se candidataram em comparação com 170 homens. Em nove das 27 unidades da federação, não houve nenhuma candidata feminina ao cargo: Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo.
Esse é o cenário em que as pesquisadoras Hildete Pereira, do Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS-UFF) e Lucilene Morandi, da Faculdade de Economia da UFF, têm desenvolvido estudos sobre a participação feminina no mercado de trabalho, na economia, na educação e na política. Desde 2015, as professoras coordenam em parceria o Núcleo de Pesquisa Gênero e Economia (NPGE-UFF) que, com estudantes de graduação e pós-graduação da UFF, faz análises macroeconômicas sobre os impactos das desigualdades sociais de gênero, raça e renda no Brasil.
“O NPGE-UFF acredita que as análises econômicas devem mostrar as desigualdades existentes. Essas investigações são muito relevantes como suporte para as propostas de pessoas inseridas em movimentos e partidos políticos, ao lhes dar dados com os quais podem dialogar com as estruturas de poder. O objetivo do núcleo é aprofundar o olhar da pesquisa sobre as desigualdades, visando trazer respostas e explicações acuradas que sirvam mais adequadamente à definição de políticas públicas, e que promovam a redução das diferenças sociais”, afirma a professora Lucilene Morandi.
Para a docente, a política deve ser decidida por um conjunto representativo da sociedade; portanto, deve ter uma composição que inclua todos os grupos sociais. “As pessoas querem viver em um país que tenha regras de convivência e legislação que nos permitam sentir mais representados. Cada segmento social tem suas demandas; portanto, é preciso definir quais serão priorizadas e implementadas. Se as escolhas políticas são feitas por um número restrito de pessoas, que representa apenas uma pequena parcela de brasileiros, então teremos a maioria da população vivendo menos assistida”, afirma.
Metade das mulheres em idade ativa no país são donas de casa e a outra metade está no mercado de trabalho mas também gerencia o lar. Essa constatação é o que vem justificando o pagamento de salários menores às brasileiras. Para enfrentar essa realidade, é preciso estar atenta à política, pois através dela as mulheres podem lutar por seus direitos e buscar uma sociedade mais igualitária”, Hildete Pereira e Lucilene Morandi, coordenadoras do NPGE-UFF.
Segundo Hildete Pereira, ao longo dos últimos 200 anos as feministas vêm reivindicando para as mulheres o direito à palavra e à representação. “Metade da população eleitora é feminina. Porém, a sub-representação política deste grupo é persistente ao longo de toda a história republicana do Brasil. Desde 1890, elas têm se manifestado, mas só em 1932 o direito de votar foi conquistado. A primeira senadora mulher do Brasil foi empossada em 1989. Em 1994, foi eleita a primeira governadora. Já a primeira Presidenta da República, apenas em 2010. Mesmo a política de cotas para candidaturas femininas, que existe desde 1996, não alterou esse cenário. Seguramente isso compromete a democracia brasileira”.
A professora reafirma a necessidade de mais mulheres nos espaços dos poderes constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário. “As políticas públicas incentivadoras precisam atuar mais efetivamente em relação à eleição de mulheres. Atualmente, as cotas eleitorais para mulheres legislam que 30% das candidaturas precisam ser femininas. Acreditamos que essa porcentagem deve se referir ao número de representantes femininas eleitas, em vez de apenas candidatas”.
Para Lucilene, ainda há muito preconceito dentro dos partidos políticos, mas também pelos votantes, em relação à capacidade feminina em assumir cargos eletivos. “Devemos entender que a política decide nossas vidas em vários aspectos – quanto vamos pagar de imposto, onde o imposto será gasto, que leis devem ser propostas e aprovadas – e como as mulheres são, pelo menos, metade da população mundial, as decisões não podem estar concentradas apenas nas mãos da metade masculina da humanidade. A eleição de mulheres para cargos políticos é muito importante para minar essa cultura”.
No entanto, a docente relata que muitas mulheres vêm se destacando em cargos de alto escalão ao redor do mundo. “A longevidade política de Angela Merkel, na Alemanha, de Christine Lagarde, atual presidente do Banco Central Europeu e Kristalina Gueorguieva, atual diretora-geral do FMI, mostram que as mulheres também podem ocupar esses espaços. No Brasil, a socióloga e vereadora eleita com votação expressiva, Marielle Franco, é um exemplo de sucesso para muitas mulheres candidatas. Sua campanha foi vitoriosa e o nome dela tornou-se referência de boa política. As meninas e jovens se espelham em mulheres como ela e isso ajuda a mudar a cultura política no país”.
As pesquisadoras destacam ainda ser necessário mostrar às mulheres que é possível se candidatar e se eleger, e que a participação política é fundamental. “Metade das mulheres em idade ativa no país são donas de casa e a outra metade está no mercado de trabalho mas também gerencia o lar. Essa constatação é o que vem justificando o pagamento de salários menores às brasileiras. Para enfrentar essa realidade, é preciso estar atenta à política, pois através dela as mulheres podem lutar por seus direitos e buscar uma sociedade mais igualitária. A educação política cria cidadãos e cidadãs mais conscientes dos seus direitos na hora de exercer seu voto, além de melhores candidatos e candidatas e, por consequência, melhores parlamentares. Haja luta!”, concluem.