De projetos premiados à participação ativa na comunidade local, o curso Licenciatura Interdisciplinar de Educação de Campo, criado em 2015 no campus de Santo Antônio de Pádua (RJ), já conta com algumas vitórias na sua trajetória. Com afinidade com os movimentos sociais, o curso forma professores atuantes em escolas de campo, engajados com as comunidades caiçaras, ribeirinhas, quilombolas, sem teto e indígenas, por exemplo. Além de pesquisas, esse projeto inovador, que vem acumulando alguns prêmios, alia intervenção pedagógica com o objetivo de influenciar nas relações sociais da região com ensinamentos que proporcionem a sustentabilidade do meio ambiente.
O curso surgiu quando a UFF de Pádua apresentou um projeto de implantação proposto pelo corpo docente do Instituto do Noroeste Fluminense de Educação Superior (INFES) em um processo seletivo lançado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) ligada ao Ministério da Educação (MEC). De acordo com a coordenadora da graduação, Ana Paula da Silva, após ser selecionado e viabilizado, a iniciativa dispõe hoje de 120 vagas anuais.
Com o objetivo de formar professores capacitados na área de Ciências Humanas e Sociais para atuar em escolas do Campo nas séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, o curso opera no sistema de pedagogia da alternância. Esta modalidade divide a grade curricular em Tempo-Universidade (TU), no qual o aluno aprende conhecimentos de disciplinas fundamentais para a sua formação; e Tempo-Comunidade (TC), em que os estudantes desenvolvem projetos e pesquisas na própria comunidade, sendo um modelo essencial para todos os cursos de Educação do Campo. Segundo a coordenadora, “este é o grande diferencial do curso, pois os docentes e discentes precisam lidar com a prática e a teoria desde o início do curso. A graduação se configura numa prática diária e constante presente no dia a dia dos alunos”.
Ana Paula explica como o Tempo-Comunidade está promovendo crescimento e maturidade aos alunos para lidarem com trabalhos em diversas áreas, principalmente, devido às experiências vividas no campo. Além disso, ela demonstra a satisfação que possui em cooperar com essa graduação. “Participar do curso tem sido desafiador e instigante, pois esse é um projeto que nos leva a pensar numa nova forma de aplicação da graduação e de produção do conhecimento. É também desafiador, pois reforça nossa reflexão sobre o papel social da universidade e a sua necessidade de ser mais inclusiva e plural”.
Projeto agroecológico
Premiado pela Agenda Acadêmica, o projeto agroecológico do professor de geografia e pesquisador Leonardo Gama Campos teve início em 2016, quando o geógrafo descobriu em uma de suas aulas que o terreno, até então baldio, localizado na entrada do campus do Infes, era um terreno cedido pela prefeitura de Pádua à universidade há alguns anos. Naquele momento, surgiu uma oportunidade de aplicação da disciplina, como explicou: “a Agroecologia se faz na terra, no chão, e a gente não tinha espaço para trabalhar, não tinha um laboratório vivo interdisciplinar de práticas agroecológicas. Então, decidi construir com os alunos esse sonho”.
Segundo o professor, o que começou a partir de um terreno comprometido, desencadeou na criação da disciplina eletiva, Introdução da Agroecologia e Permacultura, que deu início ao grupo de pesquisa NuTAgro (Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Território, Ambiente e Agroecologia). Mais tarde, dentro desse núcleo, foi desenvolvido um projeto de extensão que suscitou em um projeto conhecido como Teia – Território de Experiências Interdisciplinares Agroecológicas -, que consiste na redefinição desse terreno, para a criação de um espaço de intervenção territorial sustentável com a implantação de um agroecossistema com base em fundamentos da disciplina implementada.
Após cerca de cinquenta caminhões de lixos e entulhos serem retirados do terreno por meio de mutirões, o local foi acometido por planos de reflorestamento e plantio, com espécies nativas, frutíferas e pioneiras, e a implantação de uma horta junto a um sistema agroflorestal. Em 2017, em seu ano de atuação efetiva, o Teia, vinculado ao NuTAgro, representou a universidade na V Semana de Desenvolvimento Acadêmico. Apresentado pelo aluno Paulo Vitor de Souza, ganhou o primeiro lugar na área de Ciências Humanas.
Em uma ação que envolve não somente alunos e a comunidade acadêmica como também a comunidade ao redor, Leonardo Campos informa: “nosso plano é que parte desse terreno seja direcionado a ser uma sala de aula ao ar livre, um laboratório vivo de aprendizagem, que construa saberes que efetivamente auxiliem o bem viver das comunidades do campo, das áreas rurais, e também das áreas urbanas”.
Mesmo com poucos recursos e de maneira improvisada, o conhecimento ainda pode ser difundido. Um exemplo é a sala de árvore, onde, debaixo de uma grande árvore com sombra e em uma mesa, feita de madeira doada, os alunos têm a oportunidade de aprenderem e terem um contato direto com a Natureza. Além disso, com o apoio da Secretaria do Meio Ambiente e de algumas ONG’s, houve também uma maior adesão popular devido a dedicação em envolver a comunidade nos projetos. Uma iniciativa desenvolvida no Teia é o Cine Roça, que acontece quinzenalmente. Em uma lona, embaixo da árvore, são exibidos filmes com temática ambiental e de interesse do público em geral. Somado a isso, fichas agroecológicas são distribuídas nas escolas de campo, nos territórios rurais, como material de educação popular para divulgar, em linguagem simples, as práticas da permacultura e da agroecologia no campo.
O projeto, que ganhou novamente o primeiro lugar na Semana de Desenvolvimento Acadêmico em 2018, alcançou mais uma vitória na sua trajetória. Nesse último mês de dezembro, com o apoio do reitor Antônio Claudio da Nóbrega, que realizou uma parceria com o prefeito Josias Quintal de Oliveira, o terreno foi doado definitivamente para a universidade, possibilitando garantia jurídica para o desenvolvimento de experimentos. Por mais que o caminho tenha sido árduo, trouxe muito aprendizado ao corpo docente que participou do que era, inicialmente, apenas um sonho. Assim, Leonardo ressalta a importância do projeto para a comunidade acadêmica. “Acredito que esse trabalho é altamente inovador, podendo abrir as portas da Universidade Federal Fluminense nacional e internacionalmente. Pensar num campus autogestionado, com os fundamentos da sustentabilidade, numa universidade pública, é o futuro”.
Projeto de intervenção social
O agora graduado Paulo Vitor, que havia escolhido o curso devido a essa abordagem mais humana e a ligação com os movimentos sociais, participou da realização de um projeto desenvolvido pelo professor de História Contemporânea e Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sankofa, Julio César, e compartilha como a aplicação dos conhecimentos adquiridos nas aulas atuou sobre um grupo local durante o Tempo-Comunidade. “Identificamos que grande parte da comunidade remanescente quilombola do Cruzeirinho de Cima em Natividade-RJ, era acometida por diabetes, hipertensão e doença falciforme. A partir dos resultados da pesquisa, realizamos intervenções na comunidade com informativos, palestras sobre a saúde e adoecimento dessa população”.
O Sankofa, que inclui pesquisadores e alunos da universidade, se foca em sua pesquisa no seguinte eixo temático: “Saúde Adoecimento de Populações Quilombolas no Rio de Janeiro”. Segundo Julio César, a iniciativa “consiste em localizar diversas áreas ocupadas por populações remanescentes, ou seja, quilombolas, e aplicar um questionário que visa identificar os seguintes aspectos em relação às suas saúdes: acesso a serviço de saúde, principais doenças crônicas, condições de trabalho, renda e saneamento básico”.
Esse projeto no Tempo-Comunidade visa montar um mapa para verificação das carências da população, para propor melhorias e apontar soluções para essa questão. De acordo com Julio, a pesquisa, realizada pelo curso desde 2016, apresentou resultados alarmantes após sua aplicação no quilombo urbano do Camorim (Zona Oeste do Rio de Janeiro), na Pedra do Sal (Área Portuária do Rio de Janeiro) e no quilombo Cruzeirinho de Cima (Natividade, Rio de Janeiro). Como o caso já citado por Paulo Vitor, o que chamou a atenção do professor era que, em ambas as comunidades, a anemia falciforme – doença genética que atinge os afrodescentes de forma agressiva – estava presente. O sucesso da intervenção social dos alunos e professores, que informou a população sobre como identificar e tratar essa doença e a importância desse tema, gerou um documentário que será lançado no próximo Tempo-Comunidade.
Paulo Vitor, que participou efetivamente de grande parte dos projetos desenvolvidos pela universidade, destaca a importância dessas pesquisas de campo na sua vida como um todo: “a pesquisa de campo possibilitou para gente uma formação não só acadêmica, como também uma formação humana muito grande. Durante o trabalho realizado com o núcleo Sankofa, frequentamos algumas comunidades remanescentes quilombolas, partilhando vivências com esses grupos. Não íamos apenas para analisar. Nossa perspectiva era de aprender com eles. Todo esse ensinamento influenciou diretamente no nosso desenvolvimento”.